O mestre e doutor em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos, Julio Cesar Machado, é um profissional que ama e ensina com paixão àquilo que escolheu para a vida. Docente no ensino superior e um dos responsáveis pela formação de novos professores no curso de Letras da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), ele confidência que vê com esperança as novas gerações de professores, cada vez mais criticas e atreladas às modernidades. Aos 38 anos, passou em primeiro lugar no concurso da UEMG e está de partida para Belo Horizonte. Quem conhece essa figura, sabe da dedicação e da responsabilidade que esse jovem de 38 anos, mas com espírito de 20, tem. Julio, filho do contador Dorival Moreira Machado e Divina Maria Machado (chegou a cursar Letras quando ainda estava grávida dele), tem outros dois irmão, também professores, o mais velho Dorival Junior e o mais novo Julio Henrique. Ele é casado com a psicóloga Livian Aparecida Corsi Machado, com quem tem uma sólida relação e que o acompanhará nessa nova fase de suas vidas.
Jornal do Sudoeste: Quer dizer que você já frequentou o curso de Letras antes de nascer?
Julio Cesar Machado: Sim, minha mãe é formada em Letras, e cursou quando ainda estava grávida de mim. Eu já frequentava a faculdade nesta época (risos). Ela estudou aqui mesmo na UEMG (Passos), antes da estadualização. Minha família é toda de professores e em casa todo mundo já deu aula, meu pai, minha mãe e meus irmãos.
Jornal do Sudoeste: Como foi a infância em Paraíso e onde você estudou?
Julio Cesar Machado: Minha infância foi simples, meus pais eram muito simples e éramos simples em vestir, frequentar lugares e até para estudar. Estudei em escola pública a vida toda e graças a Deus tive uma infância boa de poder ficar na rua, brincar e voltar sujo de barro para casa. Foi muito bacana. Fiz o ensino fundamental no Campos do Amaral e no Paraisense e o Ensino Médio no Benedito Ferreira Calafiori (Ditão). Fui um aluno quieto e tinha um pouco de dificuldade com disciplinas como matemática, física e química. Português eu gostava muito e tinha mais facilidade. Foi uma fase tranquila.
Jornal do Sudoeste: Trabalhou muito nessa fase de estudante?
Julio Cesar Machado: Sim. Fui office boy e ajudei muito o meu pai; pegava a minha bicicleta e rodava a cidade inteira. Chegue a trabalhar em uma oficina mecânica também, mas não me lembro de muita coisa. Durante a faculdade também trabalhei bastante, cheguei a ter de dois a três empregos e nunca fiquei muito tempo à toa. Dei aula de música e toco bateria, inclusive já tive bandas de música e saí para fazer meu mestrado e doutorado.
Jornal do Sudoeste: Por que decidiu estudar Letras?
Julio Cesar Machado: Essa é uma boa pergunta. Eu gostava e decidi arriscar. Não sei dizer exatamente o que me fez optar por essa carreira, mas a princípio foi o curso de Inglês, mas logo que eu entrei essa motivação sumiu, eu gostei de Literatura e de Linguística. A gente aprende na faculdade que o que a gente conhece por Língua Portuguesa na escola ou não tem muito a ver ou não é 1% do que a língua é. Assisti palestras e tive acessos a conteúdos que para mim eram de outro mundo, então me apaixonei pelo curso e decidi ir até o fim. Não tive dúvidas ou crises de querer sair. Graduei-me em 2005, na Unifran, e lá fiz a minha pós-graduação.
Jornal do Sudoeste: E já iniciou o seu mestrado em Linguística?
Julio Cesar Machado: Não. Até conseguir passar no mestrado, levei quatro reprovações, tentei em Campinas, Uberlândia e em São Carlos, até que consegui passa na Ufscar, isso depois de três anos tentando. Mas eu queria muito, tanto que para fazer o mestrado eu não queria bolsa, queria poder continuar trabalhando. À época eu dava aula e era efetivo no Estado, esse contato com o aluno me fez muito bem. Recordo-me que pensei naquele período que se eu queria ser professor para sempre, eu precisaria ganhar um pouquinho mais, então decidi fazer o mestrado e foquei nisto, mesmo porque sempre gostei muito do campo de pesquisa e deu certo, consegui conciliar as duas coisas. Também fiz meu doutorado na Ufscar e na França, o que foi muito bom para mim, mas sofri bastante, de passar frio e fome.
Jornal do Sudoeste: E como foi essa experiência na França?
Julio Cesar Machado: Muito boa, principalmente porque o brasileiro acha que ele é ruim e os outros lugares são melhores, e não é assim. Serviu para eu ver que aqui é bom na maioria das coisas. O professor brasileiro, por exemplo, é melhor que o francês, mas o aluno francês é mais dedicado que o brasileiro, porque eles leem. O professor brasileiro se compromete mais com o aluno, os de lá simplesmente dão a aula e se você quiser perguntar, pergunta, mas isso é raro. De modo geral foi muito bom, pude pensar em outras possibilidades e na força do nosso povo de que se está ruim, a gente enfrenta e segue em frente. A primeira vez que eu fui fiquei dez meses e a segunda, três meses.
Jornal do Sudoeste: Você deu aula para quase todas as idades...
Julio Cesar Machado: Sim, exceto fundamental 1, que precisa da pedagogia. Eu lembro que quando comecei, fui pego de surpresa, e quando você precisa trabalhar e não quer depender de ninguém você não tem escolha, a minha única escolha tinha sido me tornar professor. A primeira escola que dei aula foi no Inês Miranda, para alunos de 5º série (hoje 6º ano), foram três turmas à época e aprendi muito com eles. Uma noite antes eu pensei que não daria conta, que não saberia lidar com crianças, mas eu adorei e sinto falta até hoje.
Jornal do Sudoeste: Em Paraíso, onde você atuou?
Julio Cesar Machado: No Inês Miranda, no São Judas e no Centro Estadual de Educação Continuada Alda Polastra (Cesec). O Cesec para mim é o futuro da educação, porque tem uma didática que prioriza o ensino individualizado, é um ensino bem personalizado. Possui o mesmo nível de Finlândia e Japão e é uma didática interessante, algo para se pensar e acredito que é o futuro da educação brasileira. É um sonho, você tem o professor individual para tirar as suas dúvidas no momento que você quiser. Também dei aula no Ditão, na ETFG e Objetivo.
Jornal do Sudoeste: Tem alguma escola que você tenha gostado mais de atuar?
Julio Cesar Machado: O Cesec principalmente, por conta do sistema de educação individualizado, que para mim é o futuro do Brasil. A escola pública e particular têm suas diferentes, não que uma é melhor ou pior, mas há diferença. O aluno de escola particular tem mais condições, por exemplo, de viajar para estudar línguas; já o aluno de escola pública, infelizmente, não tem a mesma condição e conhece o mundo por fotinhas no livro e se tiver celular entra na internet, mas fazer línguas é muito difícil. O aluno da escola pública depende de ter um professor bom, se isso acontece ele tem uma boa educação, mas a família, em sua maioria, não dá conta de investir nessa educação, por exemplo, comprando muitos livros. Felizmente há muitas ONGs que ajudam e prestam uma assistência bacana a essa escolas. Já tive vários alunos de escolas públicas que passaram em Universidades Estaduais ou Federais.
Jornal do Sudoeste: Você acha que o ingresso ao ensino superior público depende muito da escola ou o fator determinante é o aluno?
Julio Cesar Machado: Eu acredito que depende do aluno e costumo dizer que a escola e faculdade são nada mais que paredes. A formação é o aluno que faz, não é a instituição. Não interessa o nome da escola, se é pública ou privada, escola é parede. O cara curioso arrebenta e terá um futuro fenomenal, porque ele vai atrás e busca o conhecimento. É diferente a formação e espaço físico, e há também a diferença de aluno e estudante, o aluno é aquele que está matriculado e frequenta a aula, o estudante é aquele que estuda de fato e corre atrás, gosta de ler e esse é um dos principais desafios dos professores, fazer o aluno ler. Ler é muito importante e quando você faz isso, você dispensa uma aula, porque já leu sobre, pesquisou na internet e vai antecipado para a escola e não fica dependente do professor, e isso é importante.
Jornal do Sudoeste: Hoje, qual a sua avaliação da Educação, diante de tantas mudanças acontecendo?
Julio Cesar Machado: Eu acredito que tem muito a ser feito, e ao contrário do que todo mundo pensa (e não vou dizer que essas pessoas não têm razão) a meu ver a educação não depende de um governo. A primeira coisa: se eu quero um aluno interessado, eu tenho que ter um professor interessado, então acho que começa no professor e depois a equipe. Eu tive diretores que me apoiaram muito como o Sérgio Cabral, do Cesec, e o Léo no São Judas; tem diretores que apoiam a sua causa e faz projetos, mas há equipes que também não se envolvem e são indiferentes. Então, para mim, a mudança na educação não pode partir apenas de ações políticas, mas de um professor que é comprometido, que gosta de ler e de uma equipe com boa direção e supervisão e, também, da família. Nós, professores, ficamos muito tristes quando uma mãe joga a culpa do filho não aprender no professor. O professor é um facilitador, é mãe quem deve saber o porquê o filho não aprende ou não se interessa; os primeiros professores são os pais, que são quem vão ensinar valores e dar o exemplo para os filhos. Se o filho não lê, e mãe e o pai também não leem, a culpa não é do professor, é um problema cultural.
Jornal do Sudoeste: Há algo que te marcou nessa fase de ensino fundamental e médio?
Julio Cesar Machado: São várias situações. Eu gosto muito do carinho do aluno e esse lado humano me toca muito. A escola não é um lugar frio. Às vezes os alunos me ajudavam muito e essa interação de amizade foi muito importante para mim. Lecionei em escolas que faltava tudo, mas era um ambiente muito amistoso e positivo e dava vontade de ficar naquele lugar para sempre. Emprego bom é emprego que tem um ar bom, que vale mais que salário e prédio bonito. Graças a Deus eu recebo muitas homenagens de alunos, e essa são minhas medalhas. Quando um aluno me diz que a aula foi boa, que queria que eu ficasse para sempre, é um mérito muito grande. Vejo muitos colegas sofrendo, mas apesar dos pesares, o carinho do aluno sempre me ajudou a seguir.
Jornal do Sudoeste: Seu perfil é mais despojado, o professor tem que ser assim para dar conta de uma sala de aula atualmente?
Julio Cesar Machado: Não adianta querer um ensino que não existe mais e que é lá dos anos quarenta, que é todo mundo sentado, coluna ereta e olhando para frente. Isso não existe mais. São alunos de diferentes sexos em uma sala, é internet, um comentário de futebol no meio da sua explicação e isso é normal. O mundo é assim hoje e nós temos que nos adaptar a ele.
Jornal do Sudoeste: E você é um professor bem amistoso, não consegue ser severo...
Julio Cesar Machado: Eu nunca consegui ser severo, até mesmo porque eu fui aluno na maior parte da minha vida, então eu sei que às vezes você tem dor de barriga e não consegue fazer um trabalho ou que briga com o namorado e no dia da prova não consegue fazê-la. São coisas que acontecem porque nós somos humanos e eu não posso dar zero para um aluno por causa disso, não é assim que deve funcionar. O mundo está cada vez mais à distância, eu tenho que ser maleável, tenho que confiar no aluno e me comprometer com a carreira dele. Um aluno chegou a pouco e me disse que teria que viajar, por motivos familiares, e não teria como fazer a prova, então eu disse para ele não se preocupar e cuidar da família primeiro, porque se a família está bem, a educação dele vai bem. Essa questão de ser linha dura não funciona. O professor tem que ser humano. Não tem que chicotear, brigar, tem que ser humano. As pessoas têm o seu tempo.
Jornal do Sudoeste: No Ensino Superior, onde atuou?
Julio Cesar Machado: No ensino superior atualmente leciono na Libertas Faculdade Integradas, que é uma instituição fenomenal e que tem uma preocupação muito grande com a formação do aluno e investe pesado nisto, seja em cursos, congressos ou pesquisas, e é muito legal, o que falta, eles conseguem num estralar de dedo. É um lugar que eu gosto muito de dar aula, sou muito respeitado e valorizado, também. Também já dei aula por um tempo na Calafiori. Hoje dou aula da Federal de Lavras como tutor à distância, que eu gosto muito e que é uma realidade nova que eu até achei que não daria certo, mas funciona muito bem e também sou professor na UEMG.
Jornal do Sudoeste: Você também é responsável pela formação de novos professores, como você vê essa nova geração?
Julio Cesar Machado: Eu sou esperançoso, porque acho que esse novos professores de Língua Portuguesa serão diferentes dos professores antigos, não de ser melhor ou pior, mas a diferença está nesta transição. Os professores de agora são mais críticos, nós gostamos que nossos alunos pensem, no sentindo de ver a Língua Portuguesa com outros olhares, menos regras, congelamento, menos pedra e mais fluidez. É um profissional voltado para o uso de uma linguagem mais imagética, tecnológica, que é o mundo agora. Às vezes saber usar bem um celular pode dar emprego para esse profissional e saber oração subordinada, não. Os professores novos tem essa sacada com atualidade. Talvez num futuro próximo a aula de Língua Portuguesa nem terá mais esse nome, será Linguagem, e o Enem já usa isso. Hoje existe o entendimento que damos aula de linguagens, que pode ser corporal, imagética ou gestual, enfim, a linguagem em suas várias formas. Há também um crescimento bacana no interesse em fazer licenciatura, e houve anos que aqui (UEMG) não fechavam turmas, agora sempre tem. Isso é positivo.
Jornal do Sudoeste: Você passou no concurso na UEMG em primeiro lugar. Como foi receber essa notícia?
Julio Cesar Machado: Eu prestei o concurso em 2014 e tenho que agradecer muito a três professores: o Samuel Consoni, Jocenilson Ribeiro e o Carlos Torati, que foram meus professores “particulares”. Para montar uma aula do concurso, eles me ajudaram bastante. Foram 69 inscritos, 18 aprovados e eu fiquei em primeiro lugar. Estudei muito e me preparei bastante. O concurso é igual fazer uma auditoria na sua vida; eles analisam seu currículo linha a linha, a sua escrita e o modo que você dá aula. Eu fiquei muito feliz porque já cheguei a ouvir nesse campus (Passos) que eu não dava aula direito ou que minhas aulas eram ruins e que alunos reclamavam, mas o que não era verdade porque o meu contato com os alunos sempre foi muito próximo. Então, chegar num concurso e tirar uma nota 90, todas essas críticas caem por terra, e é muito bom porque é um reconhecimento.
Jornal do Sudoeste: É mais um passo na sua carreira. Foi uma caminhada longa até concluir seu doutorado, não?
Julio Cesar Machado: Sim. Eu sempre atuei no serviço público e adoro. Tem aluno, que dizem que não sabem nada, então eu digo que é comigo mesmo, é importante essa sensação de ajudar. Eu fiz meu mestrado e já ingressei no doutorado, de 2011 a 2015. Minha tese do doutorado foi sobre os significados da palavra “paradoxo” em dicionários de 40 línguas diferentes. O pretexto era a palavra paradoxo, mas eu queria ver como cada língua definia essa palavra que é uma palavra difícil de ser definida. O paradoxo são duas coisas contrárias juntas, como a “ferida que dói e não se sente”, por exemplo. Foi legal, ralei e sofri bastante. Tive que estudar na França, aprender a cultura deles às pressas porque lá eu tive acesso a todos esses dicionários, e aqui era difícil. E agora estou trabalhando com algumas coisas como cinema, contos de fada e linguagens. É uma pesquisa pessoal, sem pressa, feita aos poucos.
Jornal do Sudoeste: Como estão suas expectativas para o novo e qual o balanço que você faz da sua caminhada até agora?
Julio Cesar Machado: Eu espero não romper laços com a Libertas, com a UEMG Passos e com os alunos, para mim meu tesouro são os alunos, é essa amizade que fica. O que eu espero é enfrentar o novo, não tenho medo disso, mas não quero romper com o que eu construí aqui, e é possível. Como diz em “O Pequeno Príncipe”, um laço que você constrói, se ele é sólido, nunca irá se devolver. Eu tenho um laço forte com os meus alunos e várias pessoas, que não irá se desfazer. Não importa se a gente fica 10 anos sem ver uma pessoa que você gosta, quando você a reencontra, parece que se passaram minutos. Sobre o balanço, eu acho que o ser humano nasce para ajudar as pessoas. Martin Luther King falava que a frase que todo mundo deve ter é que se chegou ao fim do dia, você tem que se questionar se conseguiu ajudar alguém hoje. Essa é a frase da minha vida. Se eu consegui ajudar alguém ou me ajudar, a minha vida valeu a pena, o meu emprego valeu a pena, e eu tenho aprendido cada vez mais com isto. Temos que aprender a amar, ajudar e ser humano, isso é o que importa, o resto é vaidade.