DO LEITOR

Afinal, o que é um bairro rural?

Parte I
Por: Divulgação | Categoria: Cultura | 06-01-2025 18:02 | 143
Foto: Imagem ilustrativa

Para o leitor que mora ou já tenha residido em um bairro rural o título tende a parecer algo simples, pois está familiarizado com essa organização, contudo, há raízes históricas as quais abordaremos neste artigo e uma breve explicação para os que ainda não conhecem. Desse modo, o bairro rural é referente a uma determinada localidade que recebe um nome, o qual em geral tem origem em alguma família, Sesmaria, bioma, relevo e acontecimento histórico. Nesse sentido, as suas divisas são demarcadas por estradas, morros, rios ou até mesmo determinada propriedade que cria a “noção de espaço” e pertencimento entre os moradores. No entanto, o que parece ser simples, de fato não é, já que esse modo de organização não se replica em todo o território brasileiro, ou seja, as pessoas de outras regiões tendem a não compreender o que é exatamente um bairro rural.

Deve-se observar que um dos melhores estudo a respeito do tema é do sociólogo e intelectual, Antonio Cândido em seu livro Os Parceiros do Rio Bonito, onde descreve a partir de uma rigorosa pesquisa a organização do bairro; “uma porção do território subordinado a uma povoação, onde se encontram grupos de casas afastadas do núcleo do povoado, e uma das outras, em distância variável… Nos velhos documentos paulistas, bairro sempre aparece como divisão administrativa da freguesia, que o é por sua vez da vila” (Pág.63). Por outro lado, a origem da palavra bairro vem do árabe; barr, bar, terra, campo e se modificou para barrio na língua portuguesa, que era utilizado para designar onde os árabes residiam. Deve-se lembrar que os árabes habitaram a península ibérica por séculos, e deixaram um legado cultural e linguístico para os portugueses e espanhóis.

A posse da terra até 1850 era por meio de doação de Sesmaria ou aquisição de terceiros da mesma. Sesma-ria eram terras doadas pelos governadores das Capitanias, eram verdadeiros “ermos” de terras. Cada uma media três léguas, ocorria de pessoas pegarem mais de uma e formava um verdadeiro latifúndio. Com o tempo houve a divisão por causa da herança e fragmentação do latifúndio, e por meio da hereditariedade, formando ao longo do tempo inúmeros sítios. Diante disso, justifica os laços de parentescos entre os moradores do bairro e a noção de espaço.

É interessante reiterar que no Livro Parceiros do Rio Bonito, o bairro é o centro da vida do “caipira”, o que nas palavras de um entrevistado durante a pesquisa, “é uma pequena naçãozinha”, ou seja, uma unidade territorial seu espaço. Lembrar que para o intelectual, “caipira” não é uma designação pejorativa das pessoas do campo, como nos filmes do Mazarropi, portanto, um homem de uma cultura própria, uma identidade com a localidade, a terra, a família, uma produção artística, uma musical e com os seus valores. Além disso, essa cultura só é existente na área do que os estudiosos chamam de “paulistânia”, área de atuação e fixação dos antigos bandeirantes a qual transcende as atuais divisas políticas, já que para Cândido o caipira é um bandeirante atrofiado”. Em outras palavras, o bairro seria o mesmo que Tolstoi falou; “sua aldeia, seu universo”.

Também, o bairro é um local de grande cooperação e reciprocidade, entre os seus moradores, por meio do “mutirão” o qual tem sua origem indígena, “motyrõ”, que significa “trabalho em comum”. Com isso, a solidariedade em ajudar um vizinho, um necessitado, a igreja, a padroeira (o) sem ter um retorno imediato é o princípio dessa forma de organização primitiva que persiste. Quando se mata um porco, é ocasião para reunir alguns amigos, a depender do tamanho do “capado” é a quantidade de pessoas para o abate, e ao término cada um leva um “punhado de carne” e também para outros vizinhos e de retorno existe uma retribuição, seja um pano de prato, uma dúzia de ovos ou hortaliças, sendo assim que se organiza a reciprocidade que fortalece a união e confiança. Para além disso, há os mutirões de roçada, capina, colheita, construção, etc. Ademais, quando não há parentesco entre os moradores, as relações são fortalecidas por meio do “compadrio” em que se tornam “cumpadi e cumadi”.

Para o antropólogo francês, Pierre Clastres, em seu livro “Sociedade Contra o Estado” a solidariedade tem o princípio “do homem primitivo também produz para os outros, sem troca e sem reciprocidade” e mitigar os problemas existentes do meio. Por outro lado, Waldemar de A. Barbosa afirma no seu livro “A Decadência das Minas e a Fuga da Mineração” que afinal de contas o mutirão era um grande negócio, “mutirão representava, no fundo, uma defesa contra a falta de moeda… na roça”. Este autor, procurou também escrever sobre o mutirão das mulheres, no fiar, preparação dos alimentos, limpeza da capela, etc. Com isso, sua intera-ção e construção com o meio em que vivem.

Essa organização é tão séria e forte, em especial nos pequenos municípios, que ao indagarmos um morador de onde ele é, e a resposta será o Bairro X ou Y. Com isso, a localidade sendo as suas credenciais de sua relação de parentesco e as atividades econômicas exercidas. Também há os sub-bairros, onde pequenas localidades que carregam um nome dentro do bairro, a exemplo como se o bairro X tivessem locais com outros nomes, como a, b, c e d, com a função de se localizar, assim como ruas em área urbana. Tema este que ainda é objeto de estudo.

O naturalista August de Saint-Hilare, 1819, em suas viagens fez o seguinte registro sobre a área rural: “Uma localidade formada por vários sitiantes e a necessidade de cooperação para sobrevivência”, seja eles pequenos ou maiores, o que reafirma a identidade com o local e a necessidade da ajuda mútua. Ora, quem mora na roça sabe o valor que tem um vizinho e a necessidade de colaboração. Entretanto, bairros com grandes fazendas em que apresentam uma rotatividade de moradores não tem as credenciais já mencionadas, a qual falaremos na Parte II.

Caro leitor, na Parte II detalharemos ainda mais sobre o Bairro Rural, não deixe de ler e compreender as suas origens históricas e organização.

Dialon José Teófilo Professor de História / Pesquisador do Séc. XVIII e XIX do sul de Minas e norte Paulista.