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Artur dos Santos Gomes: um historiador que vê nos desafios a essência do viver

Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 12-11-2017 19:11 | 4969
Artur é vice-diretor na Escola Municipal Roque Scarano  e professor na Educação Jovem e Adulto (EJA)
Artur é vice-diretor na Escola Municipal Roque Scarano e professor na Educação Jovem e Adulto (EJA) Foto: Nelson P. Duarte/Jornal do Sudoeste

O professor de História e vice-diretor na Escola Municipal Roque Scarano, Artur dos Santos Gomes, é um profissional dedicado e que tem muito amor por aquilo que faz. Também docente no projeto Educação de Jovens e Adultos, recentemente, coordenou a elaboração de um livro intitulado “O Espetáculo da Vida na Eja”, um projeto que teve como objetivo valorizar as diversas histórias de alunos que  apesar das dificuldades, superam preconceitos e voltaram a estudar. Natural de Santo Antônio da Alegria, filho de Tereza Cristina dos Santos Gomes e Antônio Gomes, esse alegriense já chegou a ser premiado como Educador Nota 10, por um de seus projetos ao longo da docência, e isso tudo com apenas 27 anos. Casado com a também professora Helen Daiane Gonçalves, juntos eles aguardam a chegada de seu maior projeto: um filho. Sorridente e feliz ele conta que por ser historiador o filho não se chamará outro nome senão Dante, um dos maios nomes da literatura humanista.



 



Jornal do Sudoeste: Como foi sua infância em Santo Antônio?
A.S.G: A infância foi bem tradicional, aquela de cidade do interior na qual havia certa liberdade para brincadeiras, nadar em riacho, cachoeiras. Dentro da infância eu destaco um projeto que existia na minha cidade chamado “Projeto Alegria”, que era essencial na formação das crianças. Lá aprendíamos várias atividades como agricultura, serralheria, a própria música, que eu comecei a aprender a teoria nesses projetos, é algo muito legal que existia e hoje eu já não sei se ainda permanece. O legal é que ainda havia uma recompensa, era como se você trabalhasse nesse período inverso ao período de aula, você aprendia e no final do mês você recebia um dinheiro fictício que valia para o mercado que existia e você comprava e levava para casa, e era muito interessante. Formou várias gerações de alegrienses.



 



Jornal do Sudoeste: Você é professor, mas também tem outras formações...
A.S.G: Sim, minha formação inicial é em História, após isso fiz pós-graduação em História da América Latina e Gestão Escolar, em virtude do meu cargo. Atualmente sou vice-diretor na Escola Municipal Roque Scarano, na região rural dos Marques. Na rede municipal eu já passei pelo Napoleão Volpe e atualmente eu divido meu tempo entre o Roque Scarano e o Campos do Amaral onde dou aula na EJA.



 



Jornal do Sudoeste: Como foi sua chegada a Paraíso?
A.S.G: Eu sou natural de Santo Antônio da Alegria. Vivi lá a vida toda, mas tem dois anos que eu moro em Paraíso. Sempre consegui conciliar as outras atividades, seja docência, estudos, com as viagens e idas e voltas. Depois ingressei no ensino superior em Franca, após formado comecei a lecionar em Batatais, passei por Santo Antônio e agora há seis anos em Paraíso. Eu cheguei aqui inicialmente por meio de um contrato, para substituir um professor que estava de licença médica, porém esse período foi bem curto, de quatro meses, mas havia prestado concurso, fui efetivado e continuei na rede, isso já faz seis anos.



 



Jornal do Sudoeste: Como foi sua formação, e por que História?
A.S.G: Eu me formei na Unifran, há 9 anos. Eu comecei a estudar muito cedo, com 17 anos eu já tinha um ano de faculdade. Formei quando tinha 19. Eu acho que fui sempre muito esforçado; geralmente quando você tem certa facilidade em Ciências Humanas, há a dificuldade em exatas e esse é um caso clássico do qual eu faço parte. Como tinha facilidade com Humanas, foi quando decidi me especializar na área de educação. Quando adentrei a faculdade ainda não havia feito uma reflexão sobre o trabalho pedagógico, e isso acabou sendo uma consequência.



 



Jornal do Sudoeste: Não é uma carreira fácil...
A.S.G: Nós sabemos, e acredito que a maior parte da sociedades, das dificuldades que a classe enfrenta, que são muitas, são dificuldades estruturais, não há uma devolutiva salarial correspondente a sua responsabilidade social, porque se pensarmos na preparação daquele cidadão e no trabalho do professor que se importa com o que está fazendo, há um contraste muito grande com relação a essa valorização do profissional. Nós temos sempre um discurso muito bonito nas propagandas eleitorais, os depoimentos são sempre muito bonitos, porém a realidade nos mostra outro lado. É uma bola de neve, é depreciação da profissão, baixa remuneração e consequentemente profissionais que não são motivados, porque o trabalho do professor é equivalente ao de um artista. O artista usa a transpiração e emoção para fazer o que faz e se ele não está bem, a obra não sai bem, ao passo que se ele está inspirado, motivado, o resultado é outro; é como se cada aula fosse uma pequena obra que depende do estado que você está, do ambiente, do espírito, são obras que saem perfeitas e você sai com o sentimento de que deu uma grande aula, criou uma reflexão com os alunos e eles entenderam. E tem aulas que a gente sai com a compreensão de que foi uma aula perdida.



 



Jornal do Sudoeste: Onde você deu a sua primeira aula?
A.S.G: A primeira escola que eu lecionei foi a Maria Virgínia Mansur Biagi, em Batatais. É uma escola excelente, muito bem organizada, tive excelentes companheiros que me ajudaram muito. Na faculdade você aprende muito pouco da vida diária do professor. A gestora da época me ajudou muito e foi um excelente início, algumas pessoas começam e já desanimam, e eu já comecei animado.



 



Jornal do Sudoeste: Qual o maior desafio em ser professor?
A.S.G: Eu acredito que a própria compreensão do aluno, porque quando você está na faculdade você idealiza muito o processo de educação, mas quando você dá aula você tem que falar de forma totalmente personalizada para o seu público. Se você está em uma escola rural, você tem que falar de maneira a atingir aquele público, se você está na Eja, a mesma coisa. O grande desafio é compreender quem é o seu aluno, porque senão você vai falar sozinho 50 minutos, não vai ter troca e não vai ter aprendizado, acho que essa é maior dificuldade.



 



Jornal do Sudoeste: Você já idealizou alguns projetos, inclusive premiados, como foi isso?
A.S.G: A metodologia de projeto é vinculado a questão de atrair o aluno para o aprendizado. Ele é uma sequência didática para atingir um objetivo. Dentro disso tudo, eu participei de um Prêmio que existia e chamava-se Professor Aprendiz e com o passar do tempo eu fui aprimorando. Tanto que o primeiro projeto que eu trabalhei e ganhou reconhecimento foi o de um Jornal Escolar, que usava a história da região e com ele eu fui finalista do maior concurso de projetos pedagógicos que nós temos no Brasil, que é o Educador Nota 10. Esse ano, o projeto o qual eu dediquei meu trabalho foi a criação de um livro com alunos da EJA.



 



Jornal do Sudoeste: Falando sobre esse projeto na Eja, como foi esse trabalho?
A.S.G: O projeto trabalha, principalmente, na formação de cidadãos ativos e com autoestima. Porque o público da EJA, de maneira geral, tem muitas dúvidas sobre as próprias potencialidades, porque trabalha, tem dúvidas se dará conta dos filhos e da escola, de voltar depois de ter parado, enfim, é um público que tem muitas dúvidas. Pensando nisto, e pensando em elevar suas autoestimas e formar um cidadão mais participativo, começarmos esse trabalho que ganhou o título de “O espetáculo da vida na Eja”, no qual eles valorizavam e contavam a sua própria história, tanto que o livro é composto de poemas autobiográficos, falando das conquistas, dos medos (que é importante reconhecê-los e saber que existem) e a partir disso, após nove meses, aquele aluno que chegou com dúvidas, tornou-se um escritor. 



 



Jornal do Sudoeste: Há quanto tempo você trabalha com a Eja. Há alguma história que o marcou?
A.S.G: Já faz quatro anos e é uma modalidade extremamente gratificante de maneira geral. Você trabalha com um público que é específico, embora heterogênio. Dentro dessa trajetória, uma história que me marcou muito é que todo o fim de ano tem a formatura de 9º ano do fundamental II, e há alguns anos tivemos uma aluna, que já tinha mais de 70 anos, e no momento da formatura quem entregou o diploma foi o filho dela. Aquilo foi muito marcante porque simbolizou o que é a EJA, que é a superação, é a batalha, uma modalidade que exige muito tato do professor. Isso me marcou muito por ter esse impacto, é uma ruptura na vida do indivíduo porque a partir do momento que você está aberto a novas vivências, aprendizado, você está vivendo; quando você estagna, é a parada da vida. Eu até brinco com eles, que todos são jovens e não existe nada mais jovem que querer aprender, descobrir coisas novas. E o público é muito diversificado, são pessoas que trabalham durante o dia e estudam durante a noite, que em algum momento da vida pararam de estudar e retomaram estes estudos; há também pessoas que estão por recomendação médica, que receitaram essa volta aos estudos para casos de depressão entre outros tratamentos psicológicos.



 



Jornal do Sudoeste: Deve ser muito desafiador, não?
A.S.G: O professor para trabalhar na Eja tem que ter tato e um perfil. Minha experiência é pequena, de quatro anos, mas já tivemos caso de professores de chegarem e durarem três meses por não se adaptar, por questões de linguagem, devido a diversidade do público que varia de 16 a 90 anos. Normalmente temos que ficar no meio-termo, tem que tentar agradar aos dois públicos, ter tato, respeitar as limitações e deficiência de cada um. Eu demorei um pouco a me adaptar, se hoje somos elogiados, houve episódios de alunos que reclamarem de mim para o diretor, mas isso é normal.



 



Jornal do Sudoeste: Você também dá aula na zona rural também. Como são essas diferenças?
A.S.G: A vida hoje, principalmente a partir do processo de globalização, ela tende a ter menos diferenças que no passado. Hoje você tem internet e telefone na zona rural, isso tende a englobá-los mais e torná-los mais parecidos. Porém, a diferença ainda é muito gritante porque a vivência e a geografia daquele espaço onde vive o aluno, o torna potencializado para algumas coisas e mais frágil para outras. Normalmente o ambiente rural tende a ser menos letrado, é um ambiente onde não há contato com placas e outdoor todos os dias, isto, querendo ou não, influencia. Há uma vinculação maior com atividades agrícolas, e quando você estuda isso na história, por exemplo, ele tem facilidade em compreender ao passo que o aluno que mora na cidade já tem mais dificuldade por não conhecer ou ter essa afinidade com o meio rural. É uma dualidade muito interessante.



 



Jornal do Sudoeste: Ainda existe o preconceito com os alunos de zona rural?
A.S.G: Existe, com esses dois públicos, aliás. A EJA, por exemplo, era conhecido com “mobral”, remete àquele aluno que tem dificuldade, mais velho, mas na verdade a EJA vem para pagar uma dívida histórica muito grande que temos com pessoas que deram a sua vida pelo trabalho e batalharam; é uma forma de dar uma segunda oportunidade de estudo a essas pessoas. Já o aluno de escola rural também sofre preconceito, isso nós observamos claramente quando os trazemos para eventos na cidade e há a união desses grupos diferentes. O aluno da escola rural é tachado de “caipira”, embora todos nós sejamos do interior. Isso é uma questão de conviver com as diferenças e a temática da redação do Enem chamou muito a atenção para isso, que essas diferenças são frutíferas.



 



Jornal do Sudoeste: Falando em inclusão, quais são os desafios?
A.S.G: Na nossa escola, por exemplo, temos diversos exemplos de inclusão e o respeito a essas diferenças tornam a todos melhores. É algo que muitas vezes o professor reclama porque dá um trabalho a mais, mas é uma convivência riquíssima. Se pensarmos em escolas rurais há 50 ou 60 anos, essas pessoas com deficiência ficariam praticamente escondidas em casa e hoje temos essa incorporação, claro que ainda não é o ideal, mas é rico e está caminhando. Há algum tempo a inclusão é uma obrigação do estado, estamos passando por um momento de fronteira, dificuldades partem desde o princípio, que vão desde a estrutura da escola à adaptação humana, de ter profissionais para isso, é um meio ainda muito carente. Na faculdade a preparação é bem  curta para isso. 



 



Jornal do Sudoeste: O aluno hoje é muito questionador, isso é bom?
A.S.G: Eu mesmo já era muito questionador, e isso é positivo. Mas a maior parte das pessoas não sabe lidar com essa postura do aluno. Normalmente nós tínhamos a figura do professor em cima de uma torre, com conhecimentos vastos que ele jogava no aluno, e aquele aluno aprendia ou não. Agora, o modelo de educação é mais horizontal, o professor se mantém na liderança da sala, mas está no mesmo patamar do aluno, e quanto mais o aluno participa, mais há interação e é positivo para a aula. 



 



Jornal do Sudoeste: Você também tem uma história com a música...
A.S.G: Gosto e já trabalho profissionalmente, inclusive, há 16 anos. Como a maior parte das pessoas, comecei tocando violão, presente dos pais, de maneira ainda muito autodidata, comprando aquelas revistinhas com cifras. Meu primeiro contato com teoria musical foi no Projeto Alegria, ainda na infância, que tinha as aulas de música e a partir desse conhecimento autônomo que eu adquiri já comecei a trabalhar como baixista em bandas de baile, duplas sertanejas, barzinhos e até hoje eu nunca frequentei de fato uma escola de música, sempre estudei de forma autoditada. Hoje, o acesso ao aprendizado é muito fácil e não existe muita desculpa. Eu costumo brincar com meus alunos que a internet é como aquela frase do Tio Ben  do Homem-Aranha: é um grande poder e uma grande responsabilidade. Você pode usá-la para aprender um curso novo ou passar o dia inteiro sem fazer nada.



 



Jornal do Sudoeste: O ano está acabando, qual o balanço que você faz de 2017?
A.S.G: É o primeiro ano que eu concluo como gestor, no qual enfrentamos dificuldades diferentes daquelas de quando você está em sala de aula, embora eu continue nelas. Consegui conciliar este trabalho com o maior projeto que eu já fiz na minha vida que foi a confecção desse livro com os alunos da EJA, e foi repleto de desafios e vitórias também, mas tudo traz uma sensação muito boa. Muitas vezes, quando passamos muito tempo sem enfrentar um desafio e passa por uma dificuldade e supera, é muito bom. Lançar-se a novos desafios é algo que pode ser traduzido em vida. As lembranças nostálgicas em sua grande parte são da infância e adolescência porque é a fase que estamos descobrindo coisas novas e essa tendência de parar é negativa, principalmente para o professor que tem sempre que se reinventar junto com a sociedade.