ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 15-11-2017 11:11 | 1621
Foto: Reprodução

PAREM O MUNDO!
Estou mesmo precisando fazer como Voltaire: largar pra lá os problemas do mundo, insolúveis, e ir cuidar do meu jardim. O finado amigo Edson Porfírio sempre me lembrava dessa frase do filósofo francês quando nos defrontávamos com alguma desesperança ou desalento. Hoje em dia as decepções se tornaram mais frequentes e intensas. Simplesmente não suporto mais esse idílio com o politicamente correto, porque está ficando mais fundamentalista, mais fóbico e ridículo: na Inglaterra, afastaram um ministro porque dez anos atrás (dez anos!) colocou a mão no joelho (no joelho!) de uma jornalista – feia pra caramba, aliás, e que esperou esse tempo todo para reclamar. Eta indecisão, hein? Ganhou seus minutinhos de fama e o ministro, defenestrado, se matou de vergonha.




MODA QUE PEGA
Botar a mão no joelho dos outros, sob qualquer circunstância, não pode valer uma vida. Morro de rir dessas bruacas que se apoderam de modismos para destilar sua bile enrustida de sexismo, que vê o homem como inimigo e competidor adversário. O politicamente correto é o intolerante por excelência. Se não for como deve ser, como dizem que deve ser, então não serve pra eles. Não sentam perto, não conversam, fazem escândalo e ainda processam! Onde vamos parar com gente assim? Todos passamos raiva todo dia, somos afrontados, brigamos, e nem por isso fazemos atos públicos de repúdio, choramos como mariquinhas ou procuramos o socorro dos mais fortes. O Estado aí está para tratar de coisa séria. Nossa sociedade está atônita, nossa democracia estuprada, a economia brasileira em ruínas, e há pessoas preocupadas com o tamanho da minissaia da secretária ou o olhar depravado e senil do chefe. Não nos faltam problemas de verdade, sérios e gravíssimos. Criar a turminha dos que pensam igual e isolar e punir quem pensa diferente só aguça essas diferenças, rende conflitos e gera injustiças.




FEMINISMO
Não sou contra o feminismo porque iguala os gêneros. Masculino e feminino, como ideias e alegorias, são distintos e haverão de sê-lo pela eternidade. Sou contra o feminismo porque é o machismo às avessas. Para lembrar Chico Buarque, genial como poeta e músico, o ódio é o amor do avesso. Assim também se dá nessa  disputa desnecessária entre machos e fêmeas. Sou contra a mulher que imita o homem no que ele tem de pior: a rudeza, a grosseria, a falta de educação, a agressividade. Não menos errado é exigir do homem que se comporte suavemente, seja um moderninho que só fala aquilo que agrada, afeminando-o no extremo do ridículo. Camile Paglia, feminista, lésbica, filósofa,  disse recentemente que é um erro querer que homens e mulheres se pareçam. Viram duas farsas, dois clones sem graça e sem sal. Se o ícone vivo do feminismo pensa assim, e pensa certo, porque seus seguidores insistem em adequar inutilmente o côncavo ao convexo?




HERANÇA CULTURAL
As mulheres, assim como os negros, os homossexuais, os índios (aqui) e os judeus (na Europa), passaram séculos sendo espezinhados e dizimados intelectualmente. Mesmo não sendo minorias numéricas, rendiam-se aos seus senhores machos, brancos, católicos e heterossexuais, anulando-se. Sofreram muito. A história foi cruel com eles. Modernamente, agregados diretos a todos, como deve ser nas democracias, percebo um ranço, um sentimento de forra, de revide, absolutamente explicável e desculpável. Mas essa herança cultural, essa dívida atávica, deve ser superada para o bem de todos. Nelson Mandela e, mais recentemente, o ex-presidente do Uruguai José Mojica, aprenderam e deram exemplo: depois de anos presos, quando libertos não afrontaram seus antigos algozes.  Mostraram que uma pátria e seus cidadãos só se mantêm congregados e de pé através do perdão e da cooperação.




FLIARAXÁ
Para mim é o melhor festival literário do mundo, porque é na minha aldeia, como dizia Fernando Pessoa sobre o “seu” Rio Tejo. E vem aí. Araxá é premiada anualmente pelo projeto Sempre um Papo do guru Afonso Borges, que semeia livros e ideias. Aproveitem.




RENATO ZUPPO, Magistrado, Escritor.