O cirurgião geral, Dr. Álvaro de Paula Campos, é um médico que aprendeu a medicina em sua essência. Formado em uma época em que o médico era um especialista em de um tudo um pouco, consagrou-se como um grande profissional em Jacuí. Em Jacuí, onde viveu por cerca de 35 anos, ajudou a erguer um hospital e o colocar para funcionar, ao lado de Dr.Iaperi de Mello Dantas. Entre suas muitas qualidades, a que mais se destaca é a humildade. Filho do funcionário público Rubens de Paula Campos e de Vanda Salomão Campos, Álvaro aprendeu com os pais os princípios primordiais como manter e honrar o sobrenome e sabe valorizar tudo o que conquistou ao longo da vida. Casado com Teresinha, ele é pai de três filhos e dois enteados, a Samantha de Paula Campos, Orion Caio, e Danilo, e os enteados, Rodrigo e a Graciele e avô de 12 netos. Hoje, aos 69 anos, Dr. Álvaro mantém uma vida mais regrada, atuando como diretor administrativo da Unimed e atendendo no Pronto Atendimento.
Jornal do Sudoeste: Como foi sua formação?
Álvaro de Paula Campos: Eu sou nascido em São Paulo, na zona leste. Como dizem, sou corintiano, maloqueiro e sofredor (risos). Formei-me em escola pública, passei no exame da USP em São Paulo em 1969 e estudei em Botucatu, depois voltei a São Paulo onde fiz residência médica em cirurgia geral e meu intuito quando formei era trabalhar como médico assistencialista. Como eu tinha uma irmã que morava em Alfenas, eu terminei minha residência, vim passar uns tempos na casa dela e descobri que existia uma cidade que chamava Jacuí.
Jornal do Sudoeste: Como foi isso?
Álvaro de Paula Campos: Foi uma coincidência. Recordo-me que estava no INSS em Alfenas e perguntei por alguma cidade pequena que precisava de médico, isso em março de 1979. O prefeito de Jacuí à época, Isaías Alves da Cruz, escutou essa minha conversa e disse que tinha um pequeno hospital, com somente um médico, e que precisava de outro para colocá-lo para funcionar. Eu estava cheio de gás, vim para conhecer a cidade e conheci o doutor Iaperi de Mello Dantas, que já morava em Jacuí. Nós dois, juntos, com a ajuda da prefeitura e da comunidade, conseguimos montar o hospital e fazer funcionar de fato. Montamos todas as enfermarias, o centro cirúrgico e obstétrico. Iaperi já era um clínico geral e obstetra muito bom e a partir de agosto daquele ano o hospital começou a funcionar. Funcionávamos em turnos e conseguimos manter um plantão de 24 horas durante muito tempo.
Jornal do Sudoeste: Não deve ter sido uma época fácil...
Álvaro de Paula Campos: Não. Naquela época o médico fazia de tudo. Não existia asfalto e quando chovia nas estradas não passava nem tatu de chuteira (risos). Tinha época que nós sofríamos até com a falta da chegada de caminhão transportando alimento, porque não conseguia chegar à cidade. Eu fiz uma boa residência e era uma época que o médico chutava da trave e fazia gol de escanteio (risos). Eu sou cirurgião geral por formação e depois de Jacuí me tornei um “interiorlogista”, porque fazia de tudo, tínhamos que fazer cirurgia, clínica, psicologia, psiquiatria (risos), imagina como era a época uma cidade de 7 mil habitantes com apenas dois médicos. Era uma época em que o médico exercia a medicina de fato, nós aprendíamos de tudo.
Jornal do Sudoeste: Como foi depois que você se formou?
Álvaro de Paula Campos: Eu me formei em 1975. Quando peguei meu diploma, apesar de ter um currículo muito bom, eu passei três anos em São Paulo, até fazendo parto em viatura de polícia. O bairro onde fiz residência foi Tatuapé, era o hospital referência da zona leste inteira. Na residência fazíamos de tudo, passávamos por várias especialidades: que era cirurgia geral, gastroenterologia, urologia, obstetrícia e ginecologia, ortopedia e traumatologia e anestesia. Depois desses três anos me senti apto a exercer a profissão e vim para Jacuí. Nesta época os médicos tinham essa característica, não existia estrutura nenhuma e por isso mesmo fazíamos de tudo. Aliás, minha referência sempre foi São Sebastião do Paraíso e a Santa Casa de Misericórdia. À época não conhecia nada na região, vim conhecer, gostei e trouxe a família depois.
Jornal do Sudoeste: Não conhecia Paraíso até então?
Álvaro de Paula Campos: Não. Passei a ter contato quando fui morar em Jacuí, e tínhamos muito contato com Paraíso. Para mim é uma cidade espetacular, viva, feliz, hospitaleira e incentivadora. Meus colegas daqui começaram a me trazer para cá. Trouxeram-me para a Unimed, onde comecei a frequentar algumas reuniões, depois passei para o conselho administrativo e acabei me tornando o diretor administrativo da clínica. Em Jacuí, minha vida foi essa, depois chegaram mais dois médicos, o doutor Márcio, que é de lá e é ginecologista e obstetra, e a doutora Cristiana, que é pediatra e também se mudou para lá. Nessa fase o hospital já passou a funcionar melhor. Fiquei por lá até 2010, foram mais de 34 anos morando em Jacuí, depois é que vim para Paraíso, onde fiquei apenas na Unimed, como diretor administrativo e atendendo no Pronto Atendimento. Vamos ficando mais velho e temos que respeitar a idade, dar espaço aos mais jovens. Mas mesmo depois que mudei para Paraíso, continuei indo a Jacuí, para não abandonar os colegas.
Jornal do Sudoeste: Medicina. Quando você decidiu se tornar médico?
Álvaro de Paula Campos: Fiz medicina em uma época que a medicina era muito intuitiva. Eu nasci médico, acredito, nunca me vi fazendo outra coisa. Quando eu fui me dedicar a estudar medicina, quase não havia escolas de medicina particulares e cheguei a prestar um exame em instituição privada, que foi a primeira instituição particular que apareceu na minha época, passei, mas não tinha dinheiro para pagar. Porém, dei muita sorte, e lutei um bocado também, para entrar na Universidade de São Paulo e naquela época você prestava apenas uma prova e conforme a classificação você escolhia para onde queria ir. Minha classificação foi para Campinas, mas era o primeiro ano do curso de medicina lá, e em Botucatu já estava em sua oitava turma. Então decidi ir para Botucatu.
Jornal do Sudoeste: Você foi corajoso...
Álvaro de Paula Campos: Nesta idade a gente é assim. Eu entrei na faculdade com 20 anos me formei com 26. Sempre trabalhei também. Logo que cheguei a Botucatu, como tive uma boa classificação, fui convidado para dar aula no cursinho da cidade. Estudava durante o dia e dava aula a noite. Arrumei um jeito de me sustentar. O curso foi puxado, a dedicação era plena. Medicina sempre foi meu sonho e se eu não tivesse conseguido, acredito que seria muito frustrado. Eu também fui muito ajudado e as escolas que frequentei, e sempre frequentei o ensino público, eram maravilhas. Era uma época em que o professor se equiparava a nata da sociedade, era uma referência; o prefeito, o pároco e o professor tinham o mesmo status. A escola pública era muito boa e consegui ter uma boa educação a ponto de conseguir entrar na USP.
Jornal do Sudoeste: Hoje isso é raro...
Álvaro de Paula Campos: Sim. Não sei se foi coragem, porque acredito que o ser humano quando é estimulado ele descobre que seu potencial é ilimitado. Isso me ajudou muito, eu sempre fui muito estimulado, como sou aqui. Paraíso é uma cidade muito estimulante. Fui muito bem recebido aqui, mas não foi uma surpresa, eu já sabia como era. Paraíso tem vida própria, é uma cidade hospitaleira, feliz e altamente estimulante, até hoje me surpreendo. Eu que sou paulistano, sair na rua de manhã e as pessoas me cumprimentarem com sorriso e me conhecerem.... É o que mais satisfaz em Paraíso: seu povo. Meus pacientes são pessoas que sabem agradecer o que recebem, que nos estimulam a trabalhar, estou quase com 70 anos. Hoje o meu trabalho, não é trabalho, é diversão. Meu pai dizia “quer ganhar dinheiro sem trabalhar, faça o que gosta; você se diverte e o dinheiro é consequência”.
Jornal do Sudoeste: O que senhor pensa sobre a Santa Casa?
Álvaro de Paula Campos: Não podemos analisar a Santa Casa sem analisar a situação do país. Todas elas, eu que ajudei a montar uma e a conduzir por 35 anos, sei que a situação é difícil. A Santa Casa, como o nome diz, é uma casa santa e depende da vontade dos nossos governantes, da boa vontade dos habitantes, das autoridades constituídas e do corpo clínico. Ela não tem recurso próprio. Se me perguntarem qual a instituição mais importante em qualquer município eu direi que é a Santa Casa. É onde você nasce, onde você é socorrido, onde nascem seus filhos e é onde morrem os seus pais. A Santa Casa está presente em nossas vidas nas horas mais importantes, é uma instituição que deve ser valorizada e louvada. Nós também estamos lutando para ajudar a nossa, porque é a nossa Santa Casa e nós temos que nos unir para ajudar, sem se importar com quem está no comando dela. Precisamos respeitá-la e a preservar, não trabalhei um dia na Santa Casa de Paraíso, mas era meu arrimo e referência quando precisei. Era onde, quando eu estava apertado, ligava para o doutor Glauco pedindo auxílio. Enfim, é a instituição que te socorre nos momentos de maior angustia, dor e que te socorro na hora que você mais precisa. Mas como tudo em nosso país, as Santas Casas estão passando por dificuldade.
Jornal do Sudoeste: E as pessoas costumam criticar, mas não sabem como é a realidade, não é mesmo?
Álvaro de Paula Campos: As criticas, às vezes vêm com muita lógica, mas eu sempre pergunto para mim: está ruim, o que eu estou fazendo para melhorar? Eu nunca critiquei a Santa Casa, se eu não puder ajudar, não vou atrapalhar. Quando todo mundo perceber, não apenas aqui em Paraíso ou Jacuí, mas quando o brasileiro perceber que tem que fazer alguma coisa pelo lugar em que mora, que ele ama, de onde tira o seu sustento, e assumir isso, nossa realidade será outra.
Jornal do Sudoeste: Como o senhor avalia o SUS?
Álvaro de Paula Campos: O SUS nasceu de uma megalomania. Você conhece algum outro país do mundo que oferece saúde como direito do cidadão e dever do Estado? Não existe, porque estado nenhum no mundo consegue fazer isso, porque a saúde é a coisa mais cara que existe. Quando se propõe na constituição a dar saúde para todos os cidadãos, sem distinção, você está matando o sistema. No Brasil, cerca de 60% da população precisa do SUS, mas os outros 40% não. Não dá para manter o SUS da forma que está formulado, aí você finge que assiste o paciente, o governo finge que paga, e é tudo um fingimento. Então, eu acredito que precisa de uma reestruturação, quem não tem condição de pagar, não tem, mas quem tem, tem que pagar alguma coisa. É a mesma coisa prometer educação para toda a população sem cobrar nada, isso é utopia. Da forma que está jamais dará certo.
Jornal do Sudoeste: Quase 70 anos, qual o balanço que você faz?
Álvaro de Paula Campos: Eu sou um camarada feliz. Eu passei por um monte de problemas, como todo mundo. Eu não imagino a vida um mar de rosas, sem problema nenhum, se fosse seria a coisa mais chata desse mundo. O melhor é você cair e levantar. No geral, minha vida é maravilhosa. Sou uma pessoa que acorda de manhã, tomo meu banho e chego ao meu local de trabalho rindo. E passo o meu dia desse jeito. Eu sou feliz com pouca coisa, felicidade não é ligada a dinheiro, a gente é feliz quando pode fazer coisas boas e dividir isso com as pessoas. Eu sempre digo isso, você nunca será feliz se o seu entorno estiver triste. Felicidade é algo compartilhado e onde ela começa? Promovendo a felicidade em quem está ao seu entorno e quando você consegue isso, você é uma pessoa feliz, com ou sem dinheiro, com dor ou sem. Quando a gente vai envelhecendo, aceita a velhice e se adapta a ela, a sua vida é uma maravilha. Hoje em dia, graças a Deus, eu sou uma pessoa muito feliz e me sinto muito realizado e sou muito grato a Paraíso, que é uma das responsáveis pela minha felicidade.