CRÔNICA - Joel Cintra Borges

Papai Noel

Por: Joel Cintra Borges | Categoria: Cultura | 24-12-2017 14:12 | 3015
Foto: Reprodução

Dentre todas as cartas que você vai receber, já que o Natal se aproxima, esta será, provavelmente, a mais estranha. Porque dessa vez eu não quero presente.
Não precisa dizer não, eu já sei. Você vai trazer muita coisa bonita para todas as pessoas e uma especial para mim, que me faria ficar muito contente. Sei que você é um grande camarada, Papai Noel, e que se houvesse um presente chamado felicidade você o traria para todos. Mas, eu compreendo, brinquedo assim você não tem, o que não é de estranhar, porque todo mundo está cansado de procurar e até hoje ninguém encontrou.
Mas, eu estava dizendo que dessa vez não quero nenhuma dádiva, e para que você não veja nisso nenhuma ponta de orgulho, que não existe, vou dizer meus motivos.
Antigamente, em cada mimo que você me trazia, vinha um pedacinho daquela felicidade de que falávamos há pouco. Se recebia um revólver de espoleta, ah, quanta coisa podia fazer com ele! Conquistaria o mundo, se tivesse vontade! Podia fazer frente a quem quer que fosse, até mesmo a assombrações...
Se em vez do revólver você me desse uma bola de borracha, tornava-me logo o maior craque do mundo. Driblava, cabeceava e fazia passes maravilhosos. Marcava tantos gols que o goleiro saía desmoralizado! Era maior, bem maior que o Pelé. Era o dono da bola!
Você se lembra, Papai Noel? De cada vez vinha também um bombom. Sabe o que eu fazia com ele? Não, não o comia logo de uma vez, embora tivesse vontade. Eu o colocava no bolso e ia encontrar a menina de trancinhas. E era como se lhe desse uma alinça de noivado, em vez da metade do bombom. Sentíamo-nos irmanados por pensamentos, sentimentos e emoções, enquanto – nhoc, nhoc – devorávamos o doce.
E agora, Papai Noel, que me diz? O que você tem em seu trenó que se compare com essas pequenas maravilhas?
–  Posso trazer-lhe um estádio tão grande como o Maracanã!
–  Para que, meu amigo, se nem sei correr atrás de uma bola? 
Você poderia, talvez, dar-me uma fábrica de chocolate... Mas, que é que vou fazer com tanto doce? Vou até contar-lhe um pequeno segredo: já estou fazendo um pouquinho de regime!
Não, Papai Noel, fique com seu estádio de futebol e sua fábrica de chocolates. Se não pode trazer de novo o revólver de espoletas, a bola de futebol e a menina de trancinhas, guarde seus brinquedos. Seus presentes de agora estragariam a memória dos outros.
Deixe que eu fique com a ideia de que o Natal acabou, que não existe mais. E que a melhor coisa do mundo era o Natal. Porque, se você nunca me deu a felicidade, em todas as pequenas coisas que eu recebia, vinha a ilusão de que ela existia e que estava comigo.
Peço-lhe, dessa vez passe direto por minha chaminé, toque depressa suas renas. Eu ficarei com a delicadeza de sua compreensão e com a companhia de minhas lembranças.
Meus agradecimentos e votos de Feliz Natal, Papai Noel!