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Maria Eloísa Duarte Sant’Anna: o artesanato como sinônimo de amor

Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 13-01-2018 09:41 | 13110
Hoje Eloísa apresenta suas peças na feira da Vila Formosa e em feiras organizadas durante o ano, como no Balaio Mineiro
Hoje Eloísa apresenta suas peças na feira da Vila Formosa e em feiras organizadas durante o ano, como no Balaio Mineiro Foto: Arquivo Pessoal

A artesã e bancária aposentada Maria Eloísa Duarte Sant’Anna, ou simplesmente Eloísa, é uma mulher corajosa que resolveu ainda jovem encarar a vida no Rio de Janeiro, retornando a sua terra natal após 30 anos, onde hoje se dedica integralmente ao artesanato. Filha mais velha de Cipriana Cornélia Duarte, já falecida, e o do mestre de obras Eurípedes Duarte, mas conhecido como Neno Pedreiro, Eloísa tem outros quatro irmãos, o Edson, a Eloísa Helena, Lídia e Lucelena. Foi no Rio que ela conheceu o seu marido, o topógrafo Eduardo Nunes de Sant’Anna, com quem teve dois filhos, o estudante de engenharia da computação, Eduardo Duarte e a estudante de engenharia elétrica Clara Duarte. Hoje, aos 61 anos, Eloísa divide seu tempo entre sua paixão pela confecção das mais diferentes peças que costura sempre com muito amor e carinho e a busca pela realização de um grande sonho: conseguir criar em Paraíso a “Casa do Artesão”.



 



Jornal do Sudoeste: Antes de ir embora para o Rio de Janeiro, como foi a infância e a fase escolar em Paraíso?
Maria Eloisa Duarte de Sant’Anna: Minha infância foi muito boa, brincávamos bastante na rua, não tinha tanta preocupação como tem hoje, era uma época bem tranquila, boa parte das ruas não eram calçadas. Eu morava no Largo Nossa Senhora Aparecida, na rua que eu fui criada, inclusive, pouca coisa mudou na rua que eu morava. Estudei no Campos do Amaral, no antigo Industrial, e depois no Paraisense, onde eu fiz o colegial paralelo a Escola de Comércio. Eu sempre gostei muito de contabilidade, matemática, então não tive muita dificuldade. À época o Monsenhor Mancini era diretor, ele foi um grande amigo e me indicou para fazer um estágio na Caixa Econômica, onde trabalhei por dois anos, e quando saí de lá, trabalhei como secretária no Paraisense, e na Rádio Difusora Paraisense.



 



Jornal do Sudoeste: E decidiu ser bancária após esta experiência...
M.E.D.S: Sim. Depois desse período eu prestei concurso para o Banco do Brasil, passei e fui para a agência de Cássia, onde trabalhei por dois anos e após voltei para Paraíso, onde fiquei mais ou menos um ano. À época o Banco fez um novo concurso com promoção de carreira para prover alguns cargos em algumas cidades e eu passei. Recordo-me que tinha cerca de 30 vagas para o interior de Minas, e um colega disse que se fosse solteiro iria para o Rio de Janeiro, foi então que eu parei para pensar e decidi fazer isto, tinha 24 anos à época. De 30 vagas, minhas opções passaram para quatro. Então eu fui para São João de Meriti e de lá para Ilha do Governador e depois para o Centro. Vivi no Rio por 30 anos.



 



Jornal do Sudoeste: E como foi essa fase no Rio?
M.E.D.S: Eu descobri o mundo no Rio de Janeiro, até então nunca tinha conhecido o mar, meu pai era muito rígido do sentido da gente não poder sair muito, então lá eu vivi intensamente. Amo aquela terra, me diverti muito, gosto muito de samba, de escolas de samba, então aproveitei bastante quando me mudei para o Rio.



 



Jornal do Sudoeste: E chegou a passar alguma dificuldade?
M.E.D.S: Sim. Passei por algumas coisas difíceis, como assalto quando trabalhava na agência no Saara no Rio, não houve violência, mas me recordo que colocaram todos os funcionários em um banheiro minúsculo, foi um momento complicado. Também houve uma época que eu cheguei ficar 11 meses sem trabalhar quando fui bancária na Ilha do Governador. 



 



Jornal do Sudoeste: 11 meses? O que aconteceu e o que você fez para sobreviver lá durante esse período?
M.E.D.S:  À época houve um problema envolvendo dinheiro e mandaram todos os funcionários embora, 96 bancários haviam sido demitidos, mas eu e outros colegas conseguimos entrar com recurso e ser readmitidos; à época não assinamos nada e não recebemos a indenização, éramos inocentes, então não tínhamos encerrado nosso contrato com o banco. Durante este período eu e os servidores que foram demitidos compramos um bar, que chamava Armazém. Foi nessa época que eu conheci o meu marido. Depois consegui voltar para o meu cargo, fui para Nilópolis e depois para o centro da cidade.



 



Jornal do Sudoeste: Diante deste momento de dificuldade, você não pensou em voltar para Paraíso?
M.E.D.S:  Não, já tinha a minha vida lá. Decidi voltar depois que me aposentei, não só por mim, mas pelos filhos e pelo meu pai, achei que tinha que ficar mais tempo com ele. A minha mãe sofreu um derrame e ficou 18 anos na cama, nos últimos dias que ela ficou internada e veio a falecer, aquele foi um período de muita reflexão para mim. Foi quando decidi que queria ficar mais próxima do meu pai. Foi a melhor coisa que fiz e não me arrependo. Hoje não pensamos em voltar de maneira alguma, só a passeio. Meus filhos gostam bastante de lá, o menino pretende retornar para o Rio, já a menina não, ela quer ficar ali na região de Belo Horizonte.



 



Jornal do Sudoeste: E quando você começou a se dedicar ao artesanato?
M.E.D.S:  Quando nos mudamos para Paraíso, meus filhos ainda estavam na vida escolar, mas quando eles foram embora para Itabira eu decidi me dedicar ao artesanato. Aprendi a costurar aos 12 anos, foi quando eu fiz o primeiro curso de corte e costura e de lá para cá, sempre mexi com isto, mas nunca com o objetivo comercial. Quando comecei a me envolver com as associações de hortifruti e as feiras, cheguei a fazer um curso de costura industrial. A cada curso que você faz, são técnicas que você vai aprendendo; há costureiras que nunca fizeram um curso, mas se você tem uma especialização, você para de sofrer (risos).



 



Jornal do Sudoeste: Hoje há um crescimento do artesanato em Paraíso?
M.E.D.S:  São fases. Houve uma fase, e cheguei a frequentar, onde as artesãs tinham uma feira que funcionava primeiro na Estação e depois foi para Praça. Hoje são profissionais que têm seus ateliês que ensinam a fazer o artesanato e não querem mais frequentar feiras. Foi então que eu resolvi buscar um grupo novo, com pessoas novas, que nunca participaram de feiras, com o objetivo de fomentar novas pessoas para o artesanato. Esta é uma arte muito difícil de trabalhar porque muitas pessoas não têm paciência; qualquer negócio que você vai empreender precisa ter muito paciência, mas há artesãos que querem um resultado imediato.



 



Jornal do Sudoeste: E há uma valorização desta arte?
M.E.D.S:  Hoje, acredito que é o momento do artesanato, não sei dizer com exatidão o porquê, talvez seja a questão do empreendedorismo individual ou desemprego. Se você aproveita esse momento para se especializar, você consegue mais valor em determinadas peças que produz e há um público para o artesanato.  Antes não acontecia, havia os ateliês, mas eu não via um movimento neste sentido, hoje já tem as feiras, por exemplo.



 



Jornal do Sudoeste: Desde então vem acontecendo uma mobilização maior...
M.E.D.S: Sim. Nós começamos um grupo de artesãs em maio do ano passado e quando foi em outubro, nos reunimos, identificamos a aptidão de cada uma e realizamos uma feira bem diversificada, que aconteceu entre os dias 12 e 24 de dezembro e entre os dias 26 a 30 e foi um sucesso. Foi muito bem frequentado, as pessoas iam, olhavam, saiam, depois voltavam para comprar e foi um público da própria cidade, não foram turistas. 



 



Jornal do Sudoeste: O que representa o artesanato para você?
M.E.D.S: É a minha vida. Se eu não tiver lá em casa com meus paninhos e minha máquina de costura produzindo algo acho que fico doente. Há dias que chega às 22h e eu me questiono se dar para fazer mais alguma coisa porque eu preciso dormir, então eu paro porque tenho sono, não porque estou cansada, o artesanato não me cansa, do contrário eu não faria.



 



Jornal do Sudoeste: Qual é o seu maior sonho?
M.E.D.S: Conseguir montar em Paraíso a “Casa do Artesão”. Todo o meu trabalho tem como objetivo realizar esse grande sonho, mas para isso é preciso de duas coisas: o Poder Público e o artesão. Preciso de um grupo forte, coeso, que acredite no seu trabalho, que tem diversidade e que esteja comprometido com o patrimônio do município. Nessa Casa do Artesão você terá coisas ali que quando o turista chegar possa ser um artesanato que represente a nossa cidade. Por este motivo é preciso o Poder Público, porque é necessária a estrutura e verba para manter.



 



Jornal do Sudoeste: E também há outros objetivos, não é mesmo?
M.E.D.S: Sim! A Casa teria várias funções, uma delas seria ensinar e realizar cursos de artesanato; na minha cabeça seriam cursos voltados para crianças, não no sentido de ela se tornar um artesão, mas de despertar nessa criança a valorização para o artesanato, para se tornar um adulto que irá conhecer o artesanato da cidade e saberá valorizá-lo.



 



Jornal do Sudoeste: E como você lida com essa desvalorização?
M.E.D.S: É muito triste. Não vender não é pior que alguém chegar e dizer que a sua peça está cara; ela pode olhar, ver, não querer comprar, mas chegar e dizer que está caro é horrível para o artesão. O artesanato é amor, nenhum artesão faz o seu trabalho se não tiver carinho por ele. Ali é um momento em que você se dedica àquela peça. Eu já trabalhei por obrigação, em troca do salário, mas hoje não, eu trabalho porque gosto e pode ter certeza que qualquer peça minha que você for olhar, haverá nela muito amor.



 



Jornal do Sudoeste: Há uma feira que costuma acontecer todo o ano, o Balaio Mineiro...
M.E.D.S: Sim. O Balaio Mineiro já tem 15 anos, reúne artesãos do Sul e Sudoeste Mineiro. Quando ele vai para uma cidade é um próprio artesão daquele município que coordena toda a logística para que ele aconteça. Já faz três anos que eu trabalho com o Balaio e nesta gestão eu sou a secretária executiva. O Balaio reúne a diversidade do artesanato e você encontra todo o tipo de trabalho, porque há qualidade e diversidade. É um evento muito esperado e todo lugar que nós vamos a população já aguarda o acontecimento e Paraíso tem sido a melhor cidade para o Balaio Mineiro.



 



Jornal do Sudoeste: Há uma procura muito grande pelo evento?
M.E.D.S: Sim, há muita procura e é um evento que tem data para acontecer e está incluído no calendário do aniversário da cidade: é sempre no dia 12 de outubro. Isso acontece também porque há produtos que são bem específicos do Balaio, como um rapaz de Soledade de Minas, que trabalha com produtos feitos a partir do mel, para diversas aplicações, e todo mundo aguarda a participação dele.



 



Jornal do Sudoeste: Isso mostra que há mais valorização...
M.E.D.S: Agora eu acredito que sim, e de uma certa forma tem despertado o interesse de artesãos por haver o retorno financeiro, e quando isso acontece há maior procura. Atualmente nós somos um grupo de 22 artesãos, mas atuantes, que fazem todas as feiras, somos em 13.   Em dezembro fomos procurados por diversas pessoas, mas o cadastro para fazer parte do grupo é feito na prefeitura porque atualmente não existe uma associação dos artesãos, mas estamos ligados a Associação de Hortifruti para poder participar das feiras. 



 



Jornal do Sudoeste: Artesanato é terapia?
M.E.D.S: Muito. Conheço muitas pessoas que fazem isto com o objetivo terapêutico, porque quando você está naquele momento do artesanato, você não pensa em mais nada. É uma arte que eu recomendo.



 



Jornal do Sudoeste: Você se vê sem o artesanato?
M.E.D.S: Não consigo imaginar minha vida sem isto. É algo que eu quero fazer até onde a vista me permitir, hoje já não consigo fazer pontos muito miudinhos, meu ateliê é muito iluminado porque já existe uma dificuldade em passar a linha na agulha, mas enquanto eu aguentar e tiver alguém para fazer isto por mim, sigo fazendo meu trabalho.



 



Jornal do Sudoeste: E qual o balanço que você faz desses 61 anos de vida?
M.E.D.S: Sou uma pessoa muito feliz. Tudo o que eu fiz e passei nessa vida valeu a pena. Sonhava muitas outras coisas, mas hoje eu vivo os dias, uma outra fase. Sou muito feliz com o rumo que a minha vida tomou, tudo foi importante, teve o seu valor. Poderia ter acontecido de outra forma, mas hoje eu não estaria aqui em Paraíso, poderia não ter meus filhos ou concedendo essa entrevista. Hoje estou muito bem.