O servidor público municipal Vicente Inácio Duarte, é um cidadão atuante que gosta de interagir e comentar sobre o que está acontecendo na cidade. Como ele mesmo diz, não pode se pode negligenciar ao direito de participar e contribuir para com uma sociedade mais próspera. Vicente foi seminarista por 13 anos, e após deixar o seminário e voltar para Paraíso, pouco tempo depois passou a trabalhar para a prefeitura, onde está há 32 anos. Filho do lavrador Francisco Félix Duarte, já falecido, e da dona mãe Benedita Vasconcelos Duarte, de 88 anos, ele conta que tem outros nove irmãos, tendo o caçula já falecido há alguns anos, fato este que, segundo conta, pensou que a mãe não suportaria, mas já atravessou esta e inúmeras outras tempestades, sempre dando força aos filhos e buscando essa vitalidade na própria fé. Hoje, aos 60 anos, Vicente é casado com Gleise Ribeiro Duarte e é pai da Francislene Ribeiro Duarte, e da Gleiciele Ribeiro Duarte. É com muita energia que ele conta um pouco da sua história e do seu amor por Paraíso e por Deus.
Jornal do Sudoeste: Sua família é daqui de Paraíso mesmo?
Vicente Inácio Duarte: Sim. Na realidade eu nasci na zona rural, na região do Chapadão. Com seis anos eu já ia para roça ajudar meu pai e trabalhava o dia todo com ele. Isso é mais que uma prova que trabalho não mata ninguém. Hoje em dia a criança e o pré-adolescente podem fazer tudo, menos trabalhar. Também penso que com todas essas mudanças que vêm acontecendo, principalmente na previdência, os cidadãos estão cada vez mais desmotivados a começar a trabalhar cedo devido à idade mínima e tempo de contribuição para requerer aposentadoria. Acredito que isso força um pouco a pessoa a ficar mais ociosa por muito mais tempo.
Jornal do Sudoeste: Como foi sua formação escolar?
V.I.D.: Estudei por seis meses na zona rural e tinha que andar seis quilômetros para estudar. Depois, nós nos mudamos para a cidade, papai comprou uma chácara, perto da avenida Zezé Amaral, e então estudei quatro anos no grupo Coronel José Cândido. Depois fiz um ano de curso complementar porque tinha que fazer uma prova de admissão para entrar no Ginasial, consegui e depois fui para o seminário. Estudei dois anos em Pindamonhangaba (SP), depois dois anos em Lavrinhas (SP) com os salesianos. Em seguida fui para Caratinga, Sudeste de Minas, onde estudei com os sacramentinos e fiquei por cerca de três anos, fazendo o curso de filosofia e também o curso cientifico que era equivalente ao segundo grau. Em seguida fui para Ponta Grossa (PR) e depois voltei para Guaxupé, onde fiquei seis meses, indo para a Arquidiocese de Ribeirão Preto; depois disso eu saí.
Jornal do Sudoeste: Para você qual a importância da busca pela formação?
V.I.D.: Acredito que na nossa cidade deveria ter mais cursos universitários para atender a realidade do nosso município, não adianta ter um curso de torneiro mecânico, por exemplo, se não existe mercado de trabalho, forçando o jovem a ir embora onde há campo ou buscando estágios em área que ele não tem formação ou não foi formado para aquilo. Algo que eu acredito e que nunca deveria ter acabado eram as duas escolas profissiona-lizantes que nós tínhamos. Uma delas era a São José, que foi uma criação do Monsenhor Mancini; então, o jovem, com 12 anos, ia aprender uma profissão. Depois criou uma escola profissionali-zante para as moças, a Cezarina Malaguti; de repente acabaram com essas escolas e não foram oferecidas opções que pudessem substituí-las. Esse era um espaço importante para uma fase na vida do jovem que ele está mais ocioso, inclusive, é nesta fase que ocorrem os desvios de personalidade. Se não há nada para ele fazer e ele ainda não descobriu a sua vocação, fica mais fácil seguir um mau caminho, o que não precisa de muito esforço, basta não ter nada para fazer.
Jornal do Sudoeste: Por que você fez esse longo trajeto até decidir deixar a vida de seminarista?
V.I.D.: Quando eu estava estudando com os salesianos, todo dinheiro que a minha mãe juntava ela mandava para mim porque tínhamos que pagar as despesas, e começou a ficar pesado, foi quando fui para Caratinga. Depois que fui para o Paraná e decidi voltar para fazer a Arquidiocesana em Ribeirão, optei por sair, na época eu tinha 27 anos, tinha meus motivos. Aqui comecei minha vida praticamente do zero, só tinha o segundo grau, não tinha roupa nem para vestir e estava sem serviço e profissão, foi quando comecei a correr atrás. No começo eu trabalhei com o Wallace Silva na Papelaria dos Estudantes, ajudando-o, depois trabalhei na Escola Técnica de Comércio, lecionei também por um tempo na Escola Estadual Benedito Ferreira Calafiori, dando aulas de ensino religioso, e após fui convidado pela Delma, diretora da Escola de Enfermagem Professor José Maria Alkimim, onde fiquei um ano e seis meses. Na época de seminário, também fiz o curso de Latim, Francês e Grego, o que valorizou muito o meu conhecimento, especialmente o latim e o grego que me ajudam muito na Língua Portuguesa.
Jornal do Sudoeste: Você chegou a ser membro da APC, não?
V.I.D.: Sim. Sempre gostei muito de história, de ler e também escrever. À época eu fui convidado a participar da Academia Paraisense de Cultura (APC) pelos acadêmicos José Paes e Luzia Pedroso. Foi uma experiência muito boa, mas na época eu perdi meu pai E foi quando eu me afastei.
Jornal do Sudoeste: Você é muito conhecido por sempre gostar de comentar sobre tudo, como você encara isso?
V.I.D.: Eu aprendi no seminário que nós somos profetas, aquele que anuncia a boa nova e denuncia a injustiça. Tem muita coisa que eu não consigo ficar de boca fechada e acabo sendo criticado por isso. É o meu jeito de ser, não com a intenção de magoar ou prejudicar alguém, pelo contrário, minha intenção é ajudar, inclusive a própria administração. Eu tenho feito críticas e não é por querer mal, como disse certa vez um prefeito do passado que me chamou no gabinete para dizer que eu estava querendo “prejudicar a administração”, isso simplesmente por apontar o que eu via de errado.
Jornal do Sudoeste: E não há nada de errado em apontar e nem em reconhecer o que precisa ser melhorado, não é mesmo...
V.I.D.: Sim. É por isso que eu admiro demais o papa Bento XVI, que renunciou ao papado. Para ele seria muito mais cômodo continuar à frente da Igreja, mas foi um ato de dignidade ele reconhecer que não tinha condições de administrar uma instituição tão conflituosa igual a nossa. Eu admiro muito essa capacidade que ele teve de enfrentar, inclusive, as críticas do mundo inteiro de ser um papa que renunciou o poder.
Jornal do Sudoeste: Falando em Papa, qual a sua visão do Papa Francisco?
V.I.D.: Eu estudei em seminário aberto, que aceitava a modernidade, e em seminários fechados, que eram regidos por padres tradicionais. Eu acho engraço no sentido de que quando o papa me agrada, eu acho ele iluminado pelo espírito santo, mas quando ele questiona a modernidade eu o acho muito antiquado ou vice-versa. Nós temos que analisar friamente que a religião não é propriedade de ninguém, não é porque ele me agrada que ele não é iluminado, temos essa mania de querer manipular o poder de Deus. O papa de hoje eu acho que é o homem mais iluminado para dirigir a Igreja no momento atual. É um Papa que está próximo a nós e entende as nossas necessidades, inclusive fez uma nova consagração à Nossa Senhora de Apa-recida, que foi aceito pelo Brasil inteiro e pela Conferência Nacional dos Bispos. Quando ele veio pela primeira vez ao Brasil como Papa, foi à Aparecida agradecer a Nossa Senhora, e além de ser iluminado, é uma pessoa que ama demais a Nossa Senhora. Acredito que nossa Igreja está em boas mãos.
Jornal do Sudoeste: Como foi sua chegada à Prefeitura?
V.I.D.: Eu inicie em 1986, à época trabalhava na portaria da Santa Casa e em conversa com um amigo vereador perguntei se não tinha alguma vaga na Prefeitura. Eu não esperava, mas passou um tempo o prefeito doutor João Mambrini Filho me chamou porque precisava de alguém para assumir o Programa de Suplementação Alimentar (PSA), que atendia a crianças da fase amamentação aos três anos de idade. Eu fiz o curso e depois de um mês o programa não havia começado, mas assumi como fiscal de obras até chegar o Plano ao município. Quando iniciou o PSA, o prefeito queria que eu ficasse nos dois lugares, mas como ele mesmo falava, que “preferia fazer pouco, mas fazer bem feito”, eu também partilhava dessa ideia, foi quando fiquei apenas no PSA. Depois veio a Constituição de 1988 que dizia que quem não tinha mais de cinco anos no serviço público, teria que prestar concurso. Em 1990 eu prestei para auxiliar de merenda e 1994 prestei para auxiliar administrativo. Passei por vários setores e hoje tenho minha consciência tranquila porque procurei fazer o melhor que eu pude, não me lembro de nada que eu tenha feito de qualquer jeito. São 32 anos trabalhados.
Jornal do Sudoeste: Você tinha algum objetivo?
V.I.D.: O meu sonho antes de aposentar era trabalhar na Biblioteca Municipal e no museu da Casa da Cultura. Teve uma época que eu estava com problema de tendinite e o médico pediu para me transferir do setor que eu estava, que era o arquivo da contabilidade. À época a bibliotecária responsável me chamou para ir para lá, isso ainda na gestão do prefeito Mauro Zanin, depois, quando o Reminho assumiu, a Cinira tinha feito a reforma da Casa da Cultura e precisava de inaugurá-la, então fui chamado para tomar conta. E eu gosto muito e amo história, principalmente de São Sebastião do Paraíso. Eu procurei revirar toda a história do nosso município, do Dr. José de Souza Soares, nosso primeiro historiador, ao Dr. Luiz Ferreira, que tem uma extensa obra, valiosa e que todo cidadão paraisense deveria conhecer.
Jornal do Sudoeste: Você também gosta muito do autor Augusto Cury, não é mesmo?
V.I.D.: Sim, para mim o melhor escritor que já tive o prazer de ler até hoje. Ele, apesar de ser um cientista renomado, conferencista reconhecido mundialmente, psiquiatra e psicopedagogo, escreve em uma linguagem que qualquer um é capaz de entender, ao contrário de médicos, que geralmente usam uma linguagem que poucas pessoas usam. As obras dele nasceram de anotações ao longo de seus estudos e pesquisas e isso é algo que eu também faço e me identifico muito.
Jornal do Sudoeste: Qual a sua obra favorita do Cury?
V.I.D.: É difícil escolher a obra que eu mais gosto, mas posso citar uma trilogia que você se emociona muito: o “Vendedor de Sonhos”. Outra coisa me fascina muito nele é que ele escreveu cinco obras analisando a inteligência de Cristo. Como ex-ateu assumido, nessas obras ele frisa insistentemente que ele não está se baseando em nenhuma religião, mas na psicologia de Cristo como homem, como ser humano. Após essa análise, ele passou a acreditar em Deus e a fala que uma mente humana jamais seria capaz de criar um personagem como Jesus Cristo. São cinco obras: O Mestre dos Mestres, O Mestre da Sensibilidade, O Mestre da Vida, O Mestre do Amor e O Mestre do Inesquecível.
Jornal do Sudoeste: Voltando a Paraíso, há alguma história que você gosta mais?
V.I.D.: Sim. Conhecemos a história de Paraíso por meio de uma literatura um pouco limitada pelo o que é a cidade, e há coisas um pouco floreada demais e acredito que muitas delas não aconteceram. Mas da nossa história gosto de lembrar, principalmente quando recebemos visita de estudantes aqui no Museu, da imagem de madeira de São Sebastião, que foi feita a pedido dos fundadores, a família Antunes Maciel em 1882, e colocada em uma capela que pegou fogo e queimou por inteiro. Desta capela só conseguiram recuperar a imagem de São Sebastião que era de madeira, e esse é o principal ponto de grande identificação do santo padroeiro com a nossa cidade, isso é prova mais do que suficiente que São Sebastião ama a nossa cidade e quer proteger o povo que nela mora.
Jornal do Sudoeste: O que significa Paraíso para você?
V.I.D.: Significa o Paraíso. Quando a gente ama, passamos a ter um sentimento tão profundo que muitas coisas erradas que pessoas de fora apontam, a gente procura inclusive não vê.
Jornal do Sudoeste: Pensando no amor, o que ele significa para você?
V.I.D.: O amor é diferente da paixão, o amor constrói, já a paixão não, é um sentimento perigoso que faz com que a pessoa se dê ao direito de ter o outro como posse, e quando a gente ama, e Augusto Cury diz muito isso, o amor liberta, te deixa livre. Quando você ama um pássaro, por exemplo, você não o prende em uma gaiola, você o deixa ele livre; é na liberdade que a gente ama.
Jornal do Sudoeste: Qual a importância de participar, de comentar e estar a par do que está acontecendo com a nossa cidade?
V.I.D.: Eu sempre achei o seguinte: eu me dou o direito de reclamar quando eu participo. Por mais decepcionado que a gente esteja, por mais que sejamos contra tudo o que está acontecendo, vemos que não há mais amor pela pátria... A classe política está muito egoísta, está pensado muito em si e não tem tido tempo de pensar no outro, pensam no próprio bolso e se esquecem de fazer o bem para o próximo, para o cidadão, que contribui e paga o salário deles. Eu tenho o direito de cobrar, de criticar, de falar, porque eu participo. Eu pensei em deixar de votar, mas isso me faria sentir omisso, e prefiro pegar por excesso que por omissão. Deixar de votar, de participar, é abrir mão do meu direito.
Jornal do Sudoeste: Em comemoração à Semana da Mulher, qual mensagem você deixa para elas?
V.I.D.: Cury diz que Nossa Senhora foi a maior educadora da história e um dia pensei muito sobre isto, em como Deus é perfeito e não deixou escapar nada. Ele viu a nossa felicidade em ter uma mãe que decidiu vir ao mundo e dar a sua vida por ele, desde que chegasse a nós por meio de uma mulher. Isso serve para vermos a importância que a mulher tem para nós. O amor de uma mãe por um filho é o amor que mais se parece com o amor de Deus por nós.
Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz desses 60 anos de vida?
V.I.D.: Para dizer a verdade, até hoje eu não me arrependo de nada do que eu fiz ou deixei de fazer. Claro que nunca atingimos a realização de todos os nossos sonhos, porque a partir do momento que eu achar que eu consegui tudo, não terei motivação nenhuma para viver. Augusto Cury dizia: jamais desista de buscar a realização dos sonhos... E acrescento: sempre, para quem tem Deus no comando utopia e o impossível não existem. É isso o que eu penso e o que procuro transmitir para os outros, inclusive por meio de mensagens que eu gosto de distribuir com o maior prazer do mundo às pessoas. Acho que isso é tudo (risos).