Dizem que se pode conhecer os habitantes de uma casa pelo lixo que recolhem. Quando se examinam os restos em uma residência, vêm, em geral, ideias sobre a abundância, riqueza, bom gosto, praticidade, ou descuido, pobreza. Não desta vez. Decididamente o caso era insólito, raro, até com laivos de mistério.
O chofer de táxi entregou-me o achado, explicando. Um catador de papel encontrara aquilo em uma caçamba, diante de uma casa, no bairro nobre. Era um álbum de casamento, novo ainda, com data de um ano atrás. Perguntou-me se eu conhecia aquelas pessoas. E mais, o que ele devia fazer com aquilo?
Abri-o curiosa. A cerimônia rica, um exagero de flores, os noivos jovens e belos, trajados com elegância e bom gosto. Quem eram? O que acontecera com a alegria, os sonhos, os planos, o amor? O que move alguém a jogar no lixo fotos que documentam um dos momentos mais belos de duas vidas?
Reparei nos detalhes. A beleza e juventude do jovem casal. As vestimentas caras e finas. A alegria nos rostos, algumas fotos artísticas. Uma delas focalizava em close a mão da noiva, com uma aliança imponente, larga, aparentemente de ouro puro. Fotos dos possíveis pais dos cônjuges, padrinhos, amigos.
Deixei o chofer com seu achado e suas dúvidas. Raiva e ódio moveram o rapaz ou a moça a jogar o álbum no lixo? Casamento desfeito? Desencontro, traição, incompatibilidade de gênios? Uma possibilidade diferente: ladrão invadira a casa, roubara a caixa e depois descobrira que não era objeto de venda.
À noite, mergulhei em cismas, pensando nas fotos. O mais chocante eram a juventude e a alegria dos noivos, tudo terminando de maneira drástica, definitiva, epílogo simbolizado pela destruição do documento poético de um enlace: o álbum de casamento.
O mistério insondável incomodava, deixando-me insone. Era muito curto o tempo entre a realização do grande dia e o destino do álbum descartado de maneira expressiva. Não bastou o rompimento. Foi preciso jogar no lixo a prova ultrajante, como se fora um dejeto, algo desprezível. A simbologia era forte. Alijar de sua vida qualquer resquício do grande dia. Sepultar a opção, a escolha, o momento que deveria ter sido um dos mais importantes da existência do casal.
Nada mais eu soube do achado do taxista. Dissera ele que telefonaria para o fotógrafo que montara o álbum. Talvez ele tivesse notícia do acontecido. De propósito, nunca mais perguntei sobre o fato inusitado, muito bizarro. Preferi deixar as elucubrações várias que comprovam o já sabido: o ser humano é um animal complexo, insciente, que caminha no fio da navalha da vida.
A única coisa que realmente se sabe é que criaturas humanas nada sabem. O resto é espera, dúvida, sonhos. Quimeras.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora.
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