A advogada Daiane Jesus de Oliveira Andrade é uma baiana “arretada” que veio a São Sebastião do Paraíso para passar uns dias, mas decidiu ficar de vez. Aqui, concluiu sua faculdade de Direito e passou a lutar por causas nobres, entre elas defender os direitos dos animais e, como advogada do Sindicado dos Servidores Público Municipais, dos servidores da Prefeitura, tendo passado por maus bocados nos idos de 2016, quando a categoria deflagrou greve e, diante do seu posicionamento firme, quase levou a prisão do ex-prefeito Reminho, por descumprimento de decisão judicial para reintegração de cargos de servidores que haviam sido mandados embora de forma arbitrária pelo Executivo. Passado o caos, essa mulher de fibra, natural de Castro Alves, mas criada em Salvador, filha mais velha do casal Carlos (já falecido) e da dona Josecy Jesus de Oliveira e irmã de Lilian, aos 31, casada com o advogado Renato Parada, hoje Daiane espera poder continuar desempenhado seu trabalho de forma tranquila e sempre em prol da causa animal, uma luta que tem sido diária, porém, como ela mesma define: gratificante.
Jornal do Sudoeste: Você é natural de qual cidade baiana?
D.J.O.A.: Sou natural de uma cidade do interior da Bahia chamada Castro Alves, não muito distante da capital. Porém, mudei-me na adolescência para Salvador, quando tinha de 13 para 14 anos. Até então vivia em uma cidade muito pequena e não era fácil. Todos os interiores são muito parecidos, ali você conhece todo mundo, tem um apoio maior da família e Salvador, com dizem, era uma selva, uma cidade mais complicada para quem estava iniciando a adolescência. Apesar de tudo foi muito bom, foi um crescimento pessoal muito grande, foi em Salvador que eu conheci a minha profissão, até então eu não tinha ideia do que fosse e a cabeça de interiorano não almeja essas coisas. Em Salvador eu passei a trabalhar em escritório e a pensar em ingressar na carreira jurídica.
Jornal do Sudoeste: Você sempre teve que trabalhar duro para conseguir alcançar esse sonho, não?
D.J.O.A.: Sim. Foi bem difícil, eu sempre tive que manter dois trabalhos para poder estudar. Sempre trabalhei nos fins de semana, pois venho de uma família de origem muito humilde. Foi complicado, cheguei a trabalhar em banco e durante 15 anos fui cuidadora de idosos aos finais de semana. Desde muito nova eu conciliava o trabalho durante a semana com o trabalho de cuidar de idosos no sábado e domingo, o que fazia desde os 12 anos. Foi uma trajetória bem árdua, mas pela construção da pessoa que eu sou hoje, valeu muito a pena e cresci muito, espiritualmente falando.
Jornal do Sudoeste: Como foi esse processo de formação acadêmica?
D.J.O.A.: Na Bahia, comecei a estudar Direito na Faculdade Dom Pedro II e quando me mudei para Paraíso concluí na Libertas Faculdades Integradas. Eu parei muitas vezes por falta de condições, parava para cuidar um pouco da casa, da mãe, da irmã, depois retomava novamente. Foi uma fase bem delicada, com muitas paradas e eu demorei bastante para concluir o curso que comecei aos 18 anos e concluí praticamente nove anos depois, aqui em Paraíso. Era algo que eu queria muito e não sabia qual área seguiria, mas a advocacia é algo que sempre me encantou!
Jornal do Sudoeste: Como surgiu Paraíso nesse caminho?
D.J.O.A.: Eu tinha uma amiga que morava aqui e me chamou para passar uns dias, fiquei uns 15 dias e gostei muito da cidade, mas retornei para Salvador. Nesse meio tempo recebi uma proposta de trabalho no Buffet Itália e voltei para cá, e comecei a tocar minha vida aqui, a cuidar de idosos nos finais de semana, trabalhava como garçonete nas festas, trabalhei muito a noite e fui construindo minha vida aos poucos. Retomei a faculdade na Libertas onde concluí; foi bem difícil porque eu trabalhava e na sexta não tinha como assistir aula, também tinha o trabalho de cuidadora de idosos, foi muito complicado, mas me encantei muito por esta cidade.
Jornal do Sudoeste: Como foi sua adaptação?
D.J.O.A.: Sim. Aqui a gente sente um pouco de um conservadorismo por parte das pessoas e tive um pouco de dificuldade em me adaptar por ser mais “pra frente”, mais espontânea. Porém, isso não interferiu em nada nas minhas relações de amizade. Graças a Deus fui muito bem acolhida aqui em Paraíso e durante tempo fiquei sozinha, contava com meus amigos para tudo, até que depois de certo tempo conheci meu marido, o Renato, que também é advogado.
Jornal do Sudoeste: Como foi seu começo profissional?
D.J.O.A.: Comecei a trabalhar em um escritório que prestava serviços para a Cooparaíso, à época ela já estava em uma situação um pouco complicada, estava fechando, mas depois de certo tempo montei meu escritório e comecei a trabalhar por conta própria. Logo depois comecei a trabalhar com o Sindicato dos Servidos Públicos Municipais (Sempre), quando ainda era a gestão Reminho.
Jornal do Sudoeste: Não deve ter sido uma fase muito fácil para você, tendo em vista a greve que aconteceu naquela época.
D.J.O.A.: Não, foi uma fase muito difícil, mas que me fez crescer muito profissionalmente. Para mim foi muito diferente, porque eu estava diante de direitos administrativos, direitos de greve, foi um caos. O servidor público já estava abalado emocionalmente, e isso já vinha de muito tempo e acabaram extravasando naquele momento, todo o sofrimento e perseguições que vinham sofrendo. Eles viram no Sindicato, e principalmente no jurídico, uma luz para reverter tudo o que estava acontecendo, não somente durante a greve, mas também em relação às perseguições que aconteceram antes. Apesar de todo o sofrimento, tivemos muitas vitórias, o Sindicato conseguiu reverter todas as arbitrariedades; recordo-me que à época houve demissão em massa de quase 50 servidores e as pessoas, que eram mais humildes, trabalhavam a maioria no pátio de obras na coleta, foram muito perseguidos.
Jornal do Sudoeste: Como você lidou com toda a situação?
D.J.O.A.: Além do período de greve, que durou 15 dias, a situação se prolongou por mais 15 porque a mando do Executivo os chefes de setores não deixavam as pessoas entrar para o serviço e bater o seu ponto. Tivemos que manter todos tranquilos, porque foi uma situação muito desesperadora para eles. Até então, na esfera administrativa eu não tinha vivido nada parecido, mas tive um apoio muito grande, os diretores do sindicato estavam muito dispostos a lutar e a presidente, Maria Rejane, que também é nordestina, foi uma pessoa de muita fibra. Foi um trabalho conjunto e que se não fosse o apoio dos servidores, não teríamos conseguido. Os servidores se mantiveram firmes, acreditaram em nós, até que conseguimos reintegrar esses trabalhadores.
Jornal do Sudoeste: E como ficou seu emocional diante disso tudo?
D.J.O.A.: Fiquei muito abalada, passado todo esse caos cheguei ficar uns 15 dias de cama. Às vezes eu trabalhava até às 3h da madrugada e às 5h recebia uma ligação sendo informada que foi acionada a polícia porque os grevistas não queriam deixar os caminhões saírem do pátio do Obras. Foram meses de luta, porque depois da greve e reintegração dos cargos, continuávamos com os problemas que era o não pagamento de salários atrasados, foram muitos boletins de ocorrência, quase que diariamente. No momento eu estava muito forte, mas depois baqueei bastante. Tive muito decepção porque você está nesse meio jurídico, sabe o que é certo, mas nem sempre o resultado é o que se espera. Porém, conseguimos reverter a parte que era correta e justa, a Justiça funcionou. Além dos prejuízos emocionais, os servidores não tiveram muitas perdas e conquistaram um espaço e sentiram a força que tem os trabalhadores.
Jornal do Sudoeste: Atualmente como está a situação do servidor público?
D.J.O.A.: A era pós-Reminho por si só foi um alívio. Temos o antes e o depois. Continuamos com muitas lutas, e não é fácil. Hoje a prefeitura conta com praticamente dois mil servidores entre contratados e efetivos e ainda temos muitos problemas, mas que conseguimos resolver, há diálogo, diferentemente daquela época que era tudo resolvido na base da Justiça e boletim de ocorrência. Há divergência do ponto de vista jurídico, mas não há perseguições como ocorria e, quando há algum problema, temos abertura com o prefeito, sentamos e discutimos a situação.
Jornal do Sudoeste: E quando surgiu a ONG Anjos de Resgate na sua vida?
D.J.O.A.: Eu sentia um vazio e sempre gostei muito de animais, mas não podia ter um por sempre trabalhar muito. Fazia o que podia, sempre discretamente, mas não tinha como me envolver na causa até que, há cerca de dois anos, passei a conhecer melhor o trabalho a Vânia Mumic, que é minha inspiradora, e graças a Deus consegui me realizar, para além do sentido profissional, realizar-me como ser humano, que é poder estar contribuindo com uma causa tão nobre. Um dos momentos de desespero da Associação foi quando ela recebeu uma ordem judicial para desocupar um imóvel no Centro e nós fomos para lá. As meninas tentavam tirar os animais às pressas para não serem levados para o Canil Municipal e, naquele momento, eu senti todo o fervor da causa e decidi me dedicar mais. A partir de então comecei a me aproximar mais do pessoal da proteção aos animais, inclusive da Gislaine, que me ajudou muito no início desta empreitada porque você começa sem saber o que fazer.
Jornal do Sudoeste: Hoje há uma atenção maior a causa animal?
D.J.O.A.: Sim, apesar de que ainda muito tímida, a causa animal tem alcançado a simpatia da população, apesar das dificuldades financeiras (porque são sempre as mesmas pessoas que ajudam). Porém, ainda temos o apoio incondicional da maioria e isso é gratificante, porque de uma pessoa que é contra a causa, há cem que são a favor. A melhor recompensa é ver que conseguimos tirar um animal de uma situação de risco – e na maioria das vezes ele volta da morte e você desacredita que um profissional é capaz de reavivar esse animal –, e consegue arrumar um lar para ele. Cada animal que você consegue salvar é como se várias almas fossem salvas.
Jornal do Sudoeste: Ainda se fala muito pouco dos direitos dos animais, são leis recentes?
D.J.O.A.: Não é que seja recente, mas agora eu sinto que está tendo mais visão e o apoio da população tem sido fundamental. Em Paraíso tínhamos duas leis que existiam no papel e que não eram cumpridas, uma era a que autorizava criar o Conselho Municipal de Defesa e Proteção dos Animais (CMDPA) e a lei de proteção aos animais. A nossa maior vitória este ano foi a criação do Conselho, do qual a Vânia Mumic é presidente. Esta-mos no começo, mas já colhemos bons frutos. No aspecto municipal, caminhamos devagar, temos o apoio da Câmara Municipal e da Prefeitura no sentido de auxiliar na parte burocrática, e também estamos lutando para buscar a garantia desses direitos frente aos agentes de segurança pública e há um despreparo por parte de alguns, é o que sentimos.
Jornal do Sudoeste: O que representa a criação deste Conselho?
D.J.O.A.: A criação do Conselho foi de suma importância porque, além de trabalhar a parte da punição, temos o papel de instrumentalizar a conscientiza-ção. Serão feitos trabalhos dentro de escolas, no trânsito, na rua, além de palestras. O intuito é que o Conselho viabilize toda esta parte de conscientização para que as crianças cresçam sabendo que o animal precisa ser alimentado, tratado com carinho, que não pode ficar jogado ao sol ou chuva. É um trabalho para prevenir os maus tratos e, também, punir os casos que acontecem porque, infelizmente, algumas pessoas só aprendem quando sentem no bolso.
Jornal do Sudoeste: Recentemente um homem chegou a ser preso por maus tratos, até então isso nunca tinha acontecido em Paraíso. Como foi isso?
D.J.O.A.: Recebemos esta denúncia e essa pessoa em questão já tinha um histórico anterior de maus tratos a animais, mas não tínhamos testemunha. Tanto que quando o caso ganhou repercussão na internet, alguns internautas se manifestaram, dizendo que sabiam que ele fazia aquilo. Felizmente, sentimos a diferença no trato deste caso para casos anteriores: houve atuação da Guarda Municipal, que inclusive faz parte do CMDPA, e apareceram muito rápido, houve apoio da PM, que prendeu esse homem em flagrante e o conduziu até o posto policial onde ele assinou um TCO e se comprometeu a comparecer em juízo. Ele foi liberado após, mas já é um avanço esse homem ter sido conduzido e por responder pelo crime de maus tratos. Isso mostrou para as pessoas que o animal deixou de ser lixo e que as pessoas não podem fazer o que querem com eles. Claro que ainda são passos lentos, estamos no inicio de um trabalho, até então a “proteção aos animais” era socorrer um animal em situação de risco, garantir sua sobrevivência e dá-lo para adoção. Mas o papel das ONGs vai muito além disso, temos que ir na base, que é a conscientiza-ção, para depois punir as pessoas que não obedecem e seguem essas leis.
Jornal do Sudoeste: Mas há avanços à causa?
D.J.O.A.: Sim. Inclusive teremos uma audiência pública em prol da causa animal em breve, na Câmara Municipal, na qual nós convidaremos todas as autoridades da cidade para que de fato e de forma oficial todos conheçam o problema da causa, que é um problema de saúde pública, então não podemos deixar que as autoridades fechem os olhos para isso. A causa animal é conhecida mundialmente e Paraíso é uma cidade com pessoas muito cultas, que conhecem legislação, então não podemos admitir o que tem acontecido: a quantidade de animais abandonados; precisamos mudar esse cenário. Paraíso é uma cidade maravilhosa e tem tudo para ter um cenário diferente.
Jornal do Sudoeste: Hoje há uma nova postura do cidadão frente à causa animal
D.J.O.A.: Sim. Com o passar do tempo temos sentido que as pessoas estão mais dispostas a denunciar e a testemunhar casos de maus tratos, antes havia muito medo em fazer isso. As pessoas têm visto que estamos fazendo um trabalho sério e confiam na gente para testemunhar e denunciar os casos que têm acontecido. Apesar das situações, temos tido finais felizes.
Jornal do Sudoeste: É uma responsabilidade compartilhada, não?
D.J.O.A. Sim, e a população precisa entender isso. De um lado tem o Poder Público que precisa fazer a castração dos animais de rua, e do outro o cidadão, que também precisa castrar o seu animal. A superpopulação de animais abandonados precisa diminuir e temos feito um trabalho muito forte neste sentido, tanto que todo o animal que é colocado para adoção por nós, é castrado. A população tem que ter essa consciência e não deixar o animal dar cria, às vezes ela até cuida do animal, mas depois entrega um filhote para alguém que não fará a castração, e isso é necessário. Não existe essa história de que é preciso que a fêmea tenha que ter uma cria antes da castração, pelo contrário, isso evita inúmeras doenças no animal. Então, a responsabilidade é compartilhada. Além disto, as pessoas precisam ter essa consciência de que tem que ajudar, não precisa bater a porta na cara de um cachorrinho faminto. E se você tem um cachorro macho, castre, porque é natural que eles fujam quando se está no cio e isso pode causar acidentes e problemas mais graves.
Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz desses 31 anos?
D.J.O.A. Graças a Deus, são 31 anos com a vivência de muito mais. Apesar de tudo, acredito que estou começando minha vida agora. Paraíso é uma cidade que me adotou e que eu adotei também. Aqui me trouxe muitas realizações, foi aqui aonde me casei e consegui conquistar tudo o que sempre almejei no campo profissional. Hoje, trabalho com o que gosto e posso utilizar isso em prol dos animais, o que me traz uma felicidade imensa e sou muito realizada por isso.