O advogado José Editis David a vida toda tem buscado lutar pelos direitos cerceados daqueles que sofrem para prover o sustento de suas famílias. Ainda na infância presenciou a luta dos pais que chegaram, inclusive, a se submeterem a um regime de trabalho que hoje ele reconhecer ser algo análogo a escravidão. Filho mais velho de nove irmãos, nasceu no bairro rural de Nossa Senhora das Mercês, onde os pais, o senhor Benedito David e Placidina Augusta David, se radicaram até ele completar nove anos e a família decidir se mudar para São Sebastião do Paraíso, onde a vida começou a melhorar. Aos 65 anos, Editis já foi de tudo um pouco: professor, locutor de rádio, diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis de São Sebastião do Paraíso, presidente da 41ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil por três mandatos, vereador, entre muitas outras atividades exercidas ao longo de toda sua trajetória. Casado com a professora de Língua Portuguesa, Célia Benedita Braghini David, e pai da médica ginecologista obstetra, Ester de Fátima, do engenheiro agrônomo, Marco Túlio e da socióloga Eloíse Iara, José Editis relembra um pouco do passado difícil e de toda a luta que foi para se tornar o profissional respeitado que é em sua área.
Jornal do Sudoeste: Hoje você tem o título de cidadão paraisense, pelos serviços prestados a comunidade, mas de onde você é natural?
José Editis David: Eu sou natural de Itamogi, nasci no bairro rural de Nossa Senhora das Mercês. Meu pai, natural de Passos, sempre foi trabalhador rural e ao se casar com minha mãe, que é natural de Pratápolis, mudou-se para a região rural de Itamogi, e lá se radicaram, onde aconteceu meu nascimento.
Jornal do Sudoeste: E como foi essa infância nas Mercês?
José Editis David: Toda a minha infância foi na zona rural auxiliando meu pai e a minha mãe na lavoura. Foi uma fase de muito trabalho e muita dificuldade, porque onde nós vivemos era um verdadeiro regime de escravidão, meu pai não recebia salário. Na fazenda que trabalhávamos, caso precisássemos de um sal ou um litro óleo, pegávamos na fazenda e ao final de cada ano fazia-se um acerto entre meu pai e o patrão e no final das contas meu pai sempre ficava devendo, já que não tinha conhecimento de quanto ganhava verdadeiramente e, apesar de ter escolaridade, o sistema e o meio não abriam portas para se questionar isto.
Jornal do Sudoeste: Em que época foi ? Era comum naquele tempo?
José Editis David: Sim, era muito comum. Foi por volta de 1958, 59 e 60. Vivemos bastante tempo sem receber salário e passando por extrema dificuldade. Era um sistema muito comum para a época, porque o trabalhador costumeiramente ia ao empregador para se refazer das suas necessidade e aquilo era uma bola de neve, e você ficava dependente daquela pessoa para tudo. O arroz e o feijão você conseguia cultivar, às vezes criava um porquinho, mas dinheiro, meu pai não pegava.
Jornal do Sudoeste: Como vocês vieram para São Sebastião do Paraíso?
José Editis David: Isso foi em 1963, a partir daí a história já tomou um novo rumo porque um tio meu, que já estava aqui na cidade, arrumou uma vaga para meu pai em um curtume e viemos para Paraíso. Passamos a pegar algum dinheirinho e poder experimentar a forma de administrar aquela renda de acordo com aquela que era a vontade.
Jornal do Sudoeste: E como ficou a sua formação escolar naquele período?
José Editis David: Somente vim a estudar na cidade. Quando ingressei na vida escolar tinha nove anos de idade. Nas propriedades rurais, por onde andamos, até tinham escolas, não sei dizer o que houve, talvez a grande vontade dos meus pais de se mudarem daquela região acabaram atrasando essa minha vida escolar. Somente depois que nos mudamos tive o prazer se experimentar o que era uma vida de estudante, que começou no Grupo Escolar Campos do Amaral.
Jornal do Sudoeste: Foi difícil correr atrás desse prejuízo?
José Editis David: Até hoje estamos correndo atrás (risos). Esse atraso na vida escolar acaba refletindo na vida e, até hoje, essa dificuldade é sentida. Por isso temos que multiplicar o trabalho exatamente porque faltou a oportunidade no momento em que ela deveria ter acontecido e isso nós não tivemos.
Jornal do Sudoeste: Você tinha quantos anos quando pôde entrar em uma faculdade?
José Editis David: Eu ingressei na faculdade aos 22 anos. Essa oportunidade foi muito grande. Antes disto, fiz o segundo grau na Escola Técnica de Comércio por uma graça e bondade do pároco Monsenhor Mancini, que foi uma pessoa que me ajudou muito. Ele me deu a oportunidade de trabalhar na Rádio Difusora Paraisense, deu-me a oportunidade de lecionar na Escola Técnica de Comércio, que foi uma sequência, já tinha um vínculo com aquela célula e recebi esse convite, fiquei lá por bastante tempo. Em razão do trabalho que eu já desenvolvia, também tive a oportunidade de lecionar no Colégio Paula Frassinetti.
Jornal do Sudoeste: E onde você fez o Direito?
José Editis David: O Direito eu fiz na Faculdade Municipal de Franca, mas conhecida como Brejão. Eu tinha que ir e voltar todos os dias e fazíamos o percurso via Batatais porque esta rota atual – São Tomás, Itirapuã e Patrocínio Paulista – não tinha asfalto, então tínhamos que fazer esse percurso mais difícil, e o meu curso era diário, foi muito puxado.
Jornal do Sudoeste: A escolha pelo Direito pela sua área de atuação teve influência dessa infância em Itamogi?
José Editis David: Sim. A infância influenciou muito na minha vida. Uma das coisas que sempre me incomodou foi injustiça e é este um dos motivos pelos quais eu luto para tentar amenizar esta situação. Acho que aquela infância um pouco difícil que enfrentamos, acredito, fez com que eu me rumasse para o mundo da advocacia. É uma profissão que eu exercito com o maior carinho, atendendo pessoas e estendendo a mão tentando amenizar injustiças.
Jornal do Sudoeste: Como você encarou o anúncio da “reforma trabalhista”?
José Editis David: Esta “reforma” foi uma surpresa muito grande e a considero uma volta ao passado, àquilo que eu vivi no início da minha vida. Como a questão financeira se sobrepõe, o discurso abraçado pelas autoridades, pelos legisladores, é no sentido de que essa reforma é para melhorar a vida do trabalhador, do empresário. Então, no dia de hoje, vivo como um expectador, porque eu já vivi o outro lado, vivi esta reforma antes dela acontecer, na zona rural, num momento em que sou obrigado a dizer que experimentava um regime de escravidão, ou melhor dizendo, estava em uma unidade familiar que experimentava esse regime, porque somente o fato de você não saber o quanto receberá no final do mês, para mim isso é escravidão, não tenho a menor dúvida.
Jornal do Sudoeste: Para você, existe algum aspecto positivo nessas novas regras?
José Editis David: Ela traz algumas regras modernas, que segundo legisladores irão melhorar sobremaneira a vida do trabalhador, mais a vida do empresário. Dizem que o objetivo é gerar emprego, apesar de que estamos sentindo os efeitos da reforma com a redução da busca do trabalhador pelos seus direitos. A reforma ainda é muito nova, então estamos na expectativa de que os benefícios venham e tomara que venham, estamos aqui para aplaudir mais empregos, nosso povo precisa disto, uma vez que estão se avolumando o número de processos criminais, processos de divórcios, de filhos entrando na justiça para cobrar pensão alimentícia do pai, porque tudo isso é reflexo do desemprego, se está tendo aumento de processos criminais, é porque está faltando dinheiro, e se está faltando dinheiro é porque está faltando emprego e oportunidade para o cidadão trabalhar e obter a sua renda.
Jornal do Sudoeste: Para o advogado trabalhista, quais foram os impactos?
José Editis David: Para o advogado trabalhista trouxe impactos profundos, pelo menos 40% de redução no número de ações trabalhistas que o advogado ingressava no judiciário. Isto está ligado à regra de que se o trabalhador, hoje, reivindicar um direito e não obtiver sucesso naquilo que ele está pleiteando, ele tem que arcar com os ônus sucumbenciais, ou seja, está sujeito a indenizar a parte contrária e isso fez àqueles que já não tem nada, ficarem com medo de buscar o seu direito, pelo receio de que o insucesso na entrada do processo possa lhe trazer penalidades, como pagar do próprio bolso com outros recursos que ele terá que trabalhar para poder repor já que teve um insucesso na propositora de um processo.
Jornal do Sudoeste: Podemos dizer que se criou um medo pela busca dos próprios direitos?
José Editis David: Sem dúvida. O trabalhador nos procura, pergunta, mas no momento de decidir em entrar com o processo ou não, ele reflete muito sobre o caso e desiste, porque sabe que pode vir a ser profundamente penalizado e que, na maioria das vezes, terá que tirar do próprio bolso para pagar o insucesso de um processo.
Jornal do Sudoeste: Como está hoje a situação do trabalhador paraisense nesta busca pelos direitos?
José Editis David: A procura pelo advogado ainda é grande, porque o empregador paraisense ainda tem uma dificuldade em antecipar e reconhecer o legítimo direito do cidadão. Na maioria dos casos preferem ser acionados para negociar ou pagar um pouco menos ao passo que o melhor conselho e recomendação seriam a prevenção, que vem dessa antecipação em reconhecer o direito do cidadão e dar a ele o que efetivamente lhe é de direito.
Jornal do Sudoeste: Diante de toda essa luta e dificuldades, já pensou deixar Paraíso?
José Editis David: Algumas vezes pensei, sim, em sair de São Sebastião do Paraíso, mas apesar de todas as dificuldades que nós enfrentamos, sou obrigado a dizer que é uma cidade acolhedora, de pessoas boas e onde consegui encontrar um espaço muito bom, aqui consegui me formar, me formei administrador de empresas, como advogado e, como advogado, fui presidente da 41º subsessão da Ordem dos Advogados do Brasil por três mandatos. Eu fui diretor pedagógico da Faceac, que hoje é a Libertas – na minha época tinha apenas os cursos de Ciências Contábeis e Administração de Empresas. Então, eu me realizei muito. Aqui me casei, tive meus filhos, consegui exercer minha profissão, então essa ideia do “ir embora”, cedeu espaço diante de planos maiores e melhores que eu consegui.
Jornal do Sudoeste: Você é pai de três, um deles, a Eloíse, que é socióloga. Essa energia dela veio de você?
José Editis David: A Eloíse é um gênio que Deus nos deu de presente em casa, não posso dizer que esse engajamento dela pelas causas todas seja nossa influência, mas ela sempre presenciou a nossa luta, a luta desse núcleo familiar e acho até que essa constante busca pela justiça possa ter influenciado, sim, na maneira dela conduzir a sua vida; é muito geniosa (risos). Meus outros dois filhos também são formados, a Ester é médica ginecologista e obstetra e o Marco Túlio é engenheiro agrônomo.
Jornal do Sudoeste: Você foi professor e sempre manteve laços muito fortes com a educação. Como você avalia a situação dela hoje no país?
José Editis David: Na verdade fico muito revoltado com as coisas que eu vejo. O trabalho de base para com esses jovens é de suma importância, toda e qualquer formação começa na educação. Apesar da luta dos órgãos públicos em tentar manter uma célula educacional, observamos que a falha é muito grande e isso precisa ser repensado, porque sem investimento maciço na educação, nós não vamos obter melhora. Essa mudança, essa melhora, tem que ser com relação a estrutura para o alunado e, aliado a isto, a modernização tecnologia e uma reciclagem adequada de professores e, consequentemente, um pagamento adequado desses profissionais. Desde um primeiro momento, temos visto um trabalho das autoridades nas creches, mas entendemos que esse trabalho precisa ser dinamizado porque estamos vendo uma substituição: as crianças estão ficando nas creches o dia todo e a formação, a educação delas estão sendo dada por essas monitoras desde os primeiros momentos de vida dessas crianças. Isso precisa ser melhorado, porque se essas unidades estão em apoio à formação familiar, ela tem que ser bem estruturada para melhorarmos a educação para o futuro. Se eu não investir em educação, se eu não melhorar essa educação, eu terei um maior número de problemas amanhã em todos os sentidos, inclusive o criminal.
Jornal do Sudoeste: Nossas autoridades não entenderam que e devolvendo econômico e social está na educação...
José Editis David: Os nossos gestores não estão pensando assim, ou se estão, não estão executando essa ideia, porque a educação é basilar. Sem a educação eu não vou conseguir melhora nenhuma.
Jornal do Sudoeste: Finalizando, qual o balanço que você faz desses 65 anos de vida?
José Editis David: O balanço que eu faço é que vale a pena insistir, vale a pena persistir, vale a pena trabalhar, sonhar com razoabilidade e trabalhar sempre, sem se esquecer da religiosidade, é muito importante a religião na vida das pessoas. Respeitar os direitos, porque todas as vezes que eu me empenho no trabalho, respeito os direitos das pessoas, que eu procuro conter os focos de injustiça e busca a religiosidade, estou preparando um caminho para uma vida melhor e mais tranquila, pelo menos é assim que temos conduzido nossas vidas.