DOS LEITORES

A greve dos caminhoneiros e a mobilidade urbana

Por: Redação | Categoria: Cidades | 16-06-2018 12:06 | 4577
Erika Moreira Coelho - Arquiteta, Urbanista e Paisagista
Erika Moreira Coelho - Arquiteta, Urbanista e Paisagista Foto: Reprodução

A recente paralisação dos motoristas de caminhão mobilizou toda a população brasileira atraindo a atenção da mídia. Mais parecia que estávamos à beira de uma catástrofe, tamanha foi a busca por suprimentos, medicamentos e combustíveis. Todos os setores da economia se viram ameaçados e até mesmo a educação, o saneamento básico, a segurança e a saúde estiveram em risco. Nos demos conta da importância que a classe dos caminhoneiros tem na nossa vida diária e o quanto estamos reféns dos meios de transporte movidos a diesel, gasolina e etanol. Pudemos assistir às multidões nas estações de trens e metrôs - nas poucas cidades onde esta é uma opção, enquanto os carros ficaram nas garagens e as bicicletas foram para as ruas.
Embora esta greve tenha resultado em grande prejuízo de um modo geral, ela nos fez refletir, eleger prioridades e sair da zona de conforto. O cotidiano nos leva a agir de forma automática e muitas vezes incorporamos algumas ações como se não tivéssemos outra escolha. Não percebemos que “outros” estão fazendo a escolha por nós seguindo seus interesses e prioridades. E é nesses momentos de crise, quando a ordem estabelecida é ameaçada, que temos a oportunidade de rever nossos conceitos, nosso estilo de vida, enfim, nossas “escolhas”.
Por que o transporte rodoviário de cargas é praticamente a única opção? Como os combustíveis se tornaram indispensáveis nos nossos deslocamentos diários? Nossa rotina não seria mais fácil se usássemos os transportes coletivos? E se pudéssemos contar também com os transportes ferroviário e fluvial? A quem interessa a presença de tantos carros e motocicletas nas vias? 
Se optássemos por nos locomover dentro das cidades utilizando o transporte público e/ou as bicicletas faríamos uma imensa economia: em primeiro lugar não precisaríamos adquirir o carro; nem pagar as taxas relativas a sua aquisição ou fazer o seu seguro; não compraríamos combustível; nem gastaríamos com serviços de manutenção mecânica ou lavagem; e não pagaríamos estacionamento. Sendo menos sedentários e estando menos expostos ao estresse e à poluição resultantes do trânsito de veículos motorizados, seríamos mais saudáveis, economizando também em consultas médicas e medicamentos.
Mas as vantagens não se restringem apenas à economia pessoal de cada cidadão. O meio ambiente agradeceria, pois menos gases tóxicos estariam sendo produzidos e menos recursos naturais consumidos. Os governos municipais teriam menos gastos com saúde pública e manutenção de infraestrutura viária, podendo investir este capital para sanar setores deficitários. E ainda assim, contribuindo para o planeta e para a coletividade, cada um de nós seria beneficiado.
Temos muita dificuldade de pensar coletivamente e planejar, pois o individualismo e o imediatismo são a “ordem do dia”. E é em momentos de crise, como o que a greve dos caminhoneiros provocou, que somos obrigados a pensar e agir em grupo, priorizando o bem comum; às vezes em detrimento do individual. Temos que quebrar paradigmas sociais, econômicos e até mesmo culturais em favor da vida humana que está ameaçada.
Os problemas gerados por tal paralisação pode servir de inspiração para muitas mudanças a serem promovidas em todos os setores afetados. Como urbanista, ressalto a necessidade da melhoria no planejamento da mobilidade urbana promovendo a diversificação dos meios de transporte e o pedestrianismo.  Adotando uma política de investimento em transporte público eficiente, seja ele rodoviário, ferroviário ou fluvial, se proporcionaria qualidade e economia nos deslocamentos longos. Já o investimento em uma malha cicloviária e na melhoria dos passeios públicos - tornando-os acessíveis, estimularia o uso das bicicletas nos percursos médios e a opção de vencer as curtas distâncias a pé.
Estas são propostas possíveis, desde que sejam planejadas e executadas de forma técnica e responsável pelos nossos governos, e que contem com o apoio consciente da população. Seus benefícios seriam sentidos imediatamente na fluidez do trânsito urbano, e no bem estar, na saúde e no bolso da população.
Políticas públicas equivocadas têm resultados desastrosos, e custam a vida de milhares de pessoas: seja no trânsito ou nas portas e corredores de hospitais; vítimas da violência ou da ignorância que a falta de investimento na educação gera. E a crise pela qual o país está passando tem tornado ainda mais evidente a importância que cada cidadão tem na melhoria da gestão da economia nacional, pois, como a greve dos caminhoneiros nos mostrou mais uma vez, somos nós que pagamos a conta.
Investir em mobilidade urbana é uma das maneiras de reduzir esta conta, promovendo pequenas mudanças de hábito que resultarão em grande melhoria na nossa qualidade de vida.
ERIKA MOREIRA COELHO - Arquiteta, Urbanista e Paisagista. CAU 203764-5