O músico e publicitário, Marlon de Oliveira Vieira com os seus 29 anos entende mais sobre a vida que muitas pessoas com o triplo da sua idade, e isso fica evidente com apenas poucos minutos de conversa. Comunicativo, despojado e muito antenado pelo universo a sua volta, desde muito cedo teve as melhores referências que o conduziram ao caminho da música e, mais tarde ao caminho da publicidade. Natural de Cássia, foi criado até aos 11 anos em Capetinga, quando sua família decidiu de mudar para São Sebastião do Paraíso onde se estabeleceram. Filho caçula do casal José Tárcio Vieira e Maria Aparecida de Oliveira Vieira, tem outras duas irmãs, a Clarissa e a Flávia, hoje proprietárias do Laboratório HermoSul, negócio que seus pais tomaram conta até decidirem se aposentar. Hoje, além da empresa que ele criou, aos 18 anos, a ImaginaSOM, divide seu tempo entre os negócios e a música, realizando diversos show em Paraíso, região e também participando de festivais pelo Brasil.
Jornal do Sudoeste: como foi o processo de mudança de Capetinga para Paraíso?
M.O.V.: Foi um processo doloroso, porque interrompeu uma fase da minha vida. Eu tinha amigos estabelecidos e foi difícil deixar isso para trás. Mas, eu era totalmente dependente de meus pais na época e tive que os acompanhar. Porém, isso foi muito bom para mim, hoje enxergo isso. A minha cabeça deu um salto social muito grande, de uma cidade de interior para uma cidade um pouco maior. Capetinga tem aproximadamente sete mil habitantes. Depois vieram cidades maiores, como Belo Horizonte, Uberlândia e depois Franca.
Jornal do Sudoeste: E como foi essa infância lá?
M.O.V.: Foi uma infância maravilhosa, de brincar de bolinha de gude, pião, pé na bola, foi uma infância poética onde ainda existia o mundo fantástico e que hoje as crianças somente conhecem pela internet. Não existe mais uma liberdade de se viver dentro desse contexto de libertação, daquela vida interiorana, sem pensar em violência, sem pensar em coisa mundanas que hoje, também, prosperam no mundo atual e que tem que se tomar cuidado. Hoje, é um mundo eletrônico. Quando vou a Capetinga, não vejo mais os meninos como a minha geração era: fazíamos campinho de jogar bola nos terrenos baldios e lotes de construção, onde brincávamos, sujávamos, púnhamos o pé do barro. Descarregava essa energia. Quando me mudei para Paraíso, eu perdi tudo isso, porque aqui já era mais desenvolvido e com questões que uma sociedade maior proporciona, como a violência. Enfim, foi uma infância riquíssima, de aventura, liberdade de criação, do pensamento... eu voava. Quando você tem uma infância assim, isso reflete em você para o resto da vida e, até hoje, quando faço uma criação publicitária, aquela fase está presente no meu trabalho. Estou sempre resgatando.
Jornal do Sudoeste: De onde vêm suas influências musicais?
M.O.V.: Meus avós são pessoas extremamente íntegras. O pai do meu avô, major Antônio Vieira, há uma rua em São Sebastião do Paraíso que leva seu nome, inclusive, é daqui. Ele ajudou a construir Capetinga, juntamente com o capitão Antônio Teodoro de Souza, fundador da cidade. Na época, havia dois telefones, um na fazenda do meu bizavô e outro na casa dele em Paraíso, o que era muito difícil. Ele foi um grande empresário da área do café, e minha família até hoje segue essa tradição. Por parte de mãe, o vovô Fião Sebastião dos Reis Oliveira e avó Rita Fernandes de Oliveira. Meu avô é um cara que veio da música brejeira, aquela música do Congado, do folclore, que pouquíssimas pessoas conhecem por gênero brejeiro e que é um gênero lindo e muito presente em festivais. Do lado do meu pai, o meu avô Antônio Vieira de Andrade e minha avó Adenir de Souza Vieira, que era uma doceira de mão cheia; fazia doces nos tachos de cobre e tinha que mexer por oito horas seguidos para fazer as geleias. Era isso que eu assistia na infância. O meu avô tocava gaiata, mas antes disso tocava sanfona de oito baixos, até que sua mãe, a Ermilinda de Souza, que não gostava daquilo, quebrou essa sanfona; ele tinha oito anos e tocava de ouvido. Meus dois avôs, por parte de mãe e pai, tocaram sanfona. Esse vô, por parte de pai, depois disso comprou uma gaita, que o acompanhou até aos 87 anos, hoje ele está com 94. Ele tocava Roberto Carlos, Maiza, tocava foxtrot (quem toca isso hoje em dia?)... Meu tio Carlinhos foi cantor de baile juntamente com a Babaya, proprietária da Babaya Escola de Canto, onde eu fiz aula de canto em BH, e hoje é educadora vocal de canto dos atores da Rede Globo. Ele tinha essa banda, com alguns integrantes da cidade como o Chiquinho Brandão, no violão, no baixo o Isolino Teodoro, o Ronald Carvalho, uma banda completa. Foram referências na minha vida de música e de graça. Minha família sempre muito musical.
Jornal do Sudoeste: Como foi quando você chegou aqui, nessa fase que se transita entre a pré-adolescência e adolescência?
M.O.V.: Foi bastante doloroso também. Quando eu cheguei fui estudar no Clóvis Salgado, foi um choque muito grande, mas logo passei para o Paraisense, onde fiz até a oitava série. Depois fui para o Colégio Paula Frassinet-ti. Essa oportunidade me deu chances de acesso mais amplo ao conhecimento, era o método do apostilado, o método Pitágoras. Essa fase me deu bases que outras escolas não tinham me dado até então. Foram três anos que mudaram completamente minha visão de mundo, à época era a irmã Rosarita a diretora. Eu morava no edifício Mambrini, onde fiz muitas amizades e era muito próximo ao Colégio, foi um ambiente muito saudável.
Jornal do Sudoeste: E como foi o processo de ingresso à universidade?
M.O.V.: Com 18 anos fui para Belo Horizonte, onde fui estudar música na Pro-Music - estudei violão clássico e canto na escola da Babaya, mas concluí no Conservatório de Música Villa Lobos, em Ribeirão Preto. Enquanto tudo isso acontecia eu estava prestando vestibular. Passei na UFO de Uberlândia, em Administração, mas fiquei apenas um mês. Eu tranquei o curso e fui para a Uni-FACEF, em Franca, onde estudei publicidade e me formei. Dei-me muito bem com o curso, é algo que eu amo muito. Fiz vários cursos extracurriculares depois disso, como formação especial de marketing e áudio.
Jornal do Sudoeste: E por que publicidade?
M.O.V.: Com 15 anos fui convidado para fazer jingles, por um estúdio de Paraíso, do Cristiano Machado da Extreme Studio. Os jingles me abriram esse leque que me fez pensar em estudar essa área de conhecimento, que era a publicidade, mas a influência da família a época me fez prestar Administração, o que não tinha nada a ver comigo. Quando cheguei à faculdade e comecei a estudar cálculo I e cálculo II, eu me questionei o que estava fazendo alí. Tranquei o curso e fui estudar Publicidade. A Publicidade me abriu muito a cabeça para o mundo, para o mundo da música. Essa minha estrutura de publicitário, permitiu-me entender a música, entender o mercado, as relações comerciais. O segredo é estudar, estudar e estudar, para ser o melhor que a maioria, não é que tem que ir para a faculdade para ser o melhor, você precisa ter suas buscas, amadurecer ao ponto de não precisar ter rótulos, mas fazer os seus próprios. A publicidade me completa.
Jornal do Sudoeste: Foi um sacrifício?
M.O.V.: Sim. Mas se não houver sacrifício, não há retorno. É o que o jovem de hoje não entende. Eles querem rapidez, não apenas o jovem, mas os empresários também. Hoje o empresário monta uma empresa e quer lucro em três meses, enquanto o empresário europeu, por exemplo, projeta o lucro para três anos, e leva prejuízo durante esse tempo todo. Não é culpa do brasileiro, é culpa de toda uma cultura que força o microempreendedor a obter um lucro rápido ou senão no segundo mês ele já está falido. O brasileiro é um artista, é diferente do resto do mundo, é um povo que vive com salário mínimo e está rindo, embora toda essa situação política tenha deixado a população triste.
Jornal do Sudoeste: Como foi o início de carreira?
M.O.V.: Eu não fiz estágios em agências. Aos 18 anos eu montei a ImaginaSOM Produções, que é a minha empresa até hoje. É uma empresa que passou por várias transições ao longo desses anos e no início fazia apenas jingles e tinha parcerias com algumas agências, era uma produtora, hoje sou uma agenciadora. Além da produção, também faço o agenciamento de algumas peças. Tenho parceria com o Gabriel Longo, que é um mega criador de identidades visuais e também com uma empresa de São Paulo para criação de vídeos para mídias sociais. Hoje minha empresa está voltada 50% para as mídias sociais e 50% de consul-toria. Eu a montei em Franca e conquistei cliente aqui, com um trabalho que eu já fazia. A música são Ns nichos de mercados, casamentos, hotéis, e festivais (que além de pagar os gastos, você ainda pode levar o prêmio). Hoje eu já prefiro participar de um festival que fazer um show, porque lá você conhece um mundo de pessoas, são gêneros diferentes, tendências... é como a moda. Não podemos ser tradicionalistas, ao ponto de não se misturar, a sua música pode ganhar muito com isso.
Jornal do Sudoeste: Há um artista que você destaca?
M.O.V.: Hoje, um dos artistas que tenho ouvido muito é o Emílio Santiago, que eu amo muito e acredito que ele não teve um reconhecimento merecido, acho que teve pouco pelo o que ele é; hoje você pega determinados cantores que são bem menos em complexidade, em poesia, e que estão despontados. Hoje se analisa música como algo comercial, dessa maneira. Do meu ponto de vista, música é uma mistura de emoção, ritmo, melodia e harmonia, sendo a emoção em primeiro lugar. Isso é música, se não houve, principalmente emoção, pode ter a melodia mais extraordinária, que não irá mexer com as pessoas. É importante que a arte tenha impacto e ajude a vida das pessoas. Nós, como artistas, temos o dever de fazer arte que chegue ao coração das pessoas naturalmente e acredito que isso foi uma das dificuldades do Emílio: a falta de conhecimento mais ampla sobre música, sobre arte, sobre mundo, acredito que o brasileiro sofre muito com isso.
Jornal do Sudoeste: Você acredita que há uma valorização do que é “mais pobre” musicalmente falando?
M.O.V.: Eu demorei muito para entender isso e hoje posso dizer, com certeza, que música é um mercado “comprado”. Os melhores músicos, as melhores músicas, as melhores canções, não estão na mídia por um motivo: dinheiro. Não há como esses artistas entrarem nesse meio. Os artistas grandes, como o Luan Santana, por exemplo, já têm um orçamento anual de investimento em mídias. Como estudei publicidade, isso me ajudou a entender mais ainda esse meio, que já está pré-estabelecido. Se as mídias não pararem de se vender, e tudo girar em torno do dinheiro, é uma realidade que não será mudada. O cara que tem uma arte bacana, grande chance de ser alguma coisa, ele está ofuscado pela mídia comprada, já que não tem capacidade financeira de entrar nesse meio, o que gera uma deficiência no mercado da MPB, por exemplo, cujos artistas que estão no mercado, fazendo sucesso, são os mesmos de sempre. As pessoas vão em busca do que já está na rádio, na televisão e etc.
Jornal do Sudoeste: Você acredita na força da música?
M.O.V.: Sim. Quando você faz uma arte, as pessoas compram essa ideia, está muito além da troca financeira, está no consumo de informações. Existe um lado, que estou inserido há pouco tempo, que se chama festivais. Há um portal, o festi-vaisdobrasil.com.br que esta aí, para quem tiver interesse, e que é difícil de se inserir nesse meio porque há uma peneira muito criteriosa. Existem pessoas fazendo qualidade, arte verdadeira e estão nesses festivais. Eu vi pessoas como Bruna Moraes, hoje uma grande amiga, pessoas como Thiago Ká, 5 à Seco, isso tudo no mesmo Festival Nacional da Canção (Fenac). É aberto a todos, mas que para quem queira participar, tem que passar por uma peneira muito rígida, em resumo: tem que ser profissional. Eu demorei uns 12 anos para conseguir entrar no Fenac, algo que vinha tentando desde que me tornei músico.
Jornal do Sudoeste: Em sua opinião, por que essa música a que você se refere não chega a população?
M.O.V.: Acredito que não há esse interesse, a internet está aí para todos, talvez seja uma culpa educacional... como é possível alguém se preocupa em procurar algo que ela não conhece, algo que não existe uma preocupação em ser repassado, pelos pais ou pela escola? Não há musicalização nas escolas, ninguém sabe o que é nota musical. Mas o brasileiro não é culpado disto, ele é refém da política, de malandragem que vem de 1500 para cá, que vem de sesmarias, de distribuição errada de terras, da exploração de madeira, ouro, de todos os tipos dentro do Brasil. Todo o nosso reflexo cultural, vem disto.
Jornal do Sudoeste: Que tipo de música você gosta de ouvir?
M.O.V.: Eu amo música. Para mim existem dois tipos: a que eu gosto e a que eu não gosto, o gênero não importa. Eu gosto de alguma coisa de Anitta, gosto de Djavan, James Taylor, isso não faz diferença. Bateu no ouvido, me agradou, eu ouço. O que eu não vou escutar é o que eu meus sentido dizer para não escutar, e isso é natural. Às vezes eu erro, sou ser humano, todo dia erro e graças a Deus que isso acontece. Eu gosto de errar, errar é uma oportunidade que você tem para aprender. O ser humano não é feito em uma forma de bolo. Por isso eu falo de conhecimento, nós somos formados: a formação você escolhe todo dia, você escolhe com quem você se relaciona. Um ditado que minha avó dizia e é excelente para os dias de hoje: “Diga com quem tu andas, que eu digo quem tu és”. Isso é errado e certo ao mesmo tempo: certo no sentido de que você se forma com quem você anda, errado pela questão do pré-julgamento.
Jornal do Sudoeste: Você lançou um CD há pouco tempo. De onde vem “De gato e Sapato”?
M.O.V.: O disco foi lançado em 2016. Esse “De gato e Sapato” é uma mistura de Brasil e achei que esse título, publicitariamente falando, casava bem com o que eu queria dizer. A música brasileira é isso, é de gato a sapato. A marca “Marlon Vieira: de gato e sapato”, soou muito bem e vendeu muito bem esse trabalho, ainda tem vendido. Estou gravando meu segundo CD, é mais intimista, feito à voz e piano, mais nesse sentido, não será um CD muito comercial, já é algo que estou produzindo, com produção minha, para me expressar. “Gato e Sapato” teve produção do André Bolela, mixado e lançado pela Maximus Brasil, que é uma empresa idônea e lançou artistas como Jorge Vercillo, Djavan e muitos outros artistas e foi um presente ser lançado por ela, ainda mais como artista independente e conseguir colocar mais de três mil cópias em um mercado que não tem mais aceitação de CDs tendo em vista as vendas digitais. Foram vendas de mesa a mesa, nos shows, muito mais que pelos pontos de venda, que me deram pouquíssimo retorno, as pessoas não vão lá para comprar, mas no cara a cara, sim. Isso porque você tem uma aproximação da arte com o público, a pessoa entende o que você está vendendo.
Jornal do Sudoeste: E o que é “De gato e Sapato”?
M.O.V.: Poucas pessoas vão entender. Tem cara de samba, cara de forró, eu não sei, eu só joguei a ideia e quero ver como as pessoas decodificam isso. Acabou que “De gato e Sapato” acabou virando uma banda de Forró. Hoje, Marlon Vieira: de gato e sapato é uma coisa e a banda “de gato e sapato” outra, é uma banda de forró de pé de serra, forrozinho Falamansa, forro de Alceu de Gonzagão.
Jornal do Sudoeste: Há alguma letra especial para você?
M.O.V.: Sim, se chama “Lamento do Sol”. “Quem é a lua minguante? Pra completar meu pedaço, e descansar meu cansaço, nas noites de frio, O céu é pleno vazio: Solidão. Lua ‘te’ trago poesia, eu sou a estrela guia, vivo sem direção a ‘te’ procurar no infinito, sem destino... Lua te dou a minha luz, os meus olhos azuis, em um pouco de veneno pra ‘te’ serenar, e pra ‘te’ condenar: O céu e o mar!”
Jornal do Sudoeste: Qual é o balanço que você faz desses 29 anos?
M.O.V.: É um balanço de muita luta e superação, de muitos obstáculos. Acredito que eu tinha tido uma vida muito boa. Agradeço a Deus pelos talentos que Ele me proporcionou, por ter nascido nessa família e ter me dado essa genética. Eu colocaria Deus em primeiro lugar para fazer uma análise da minha vida, porque sem fé e sem esse crédito na vida, não adianta viver. Sem crédito na vida, você não faz nada. Deus como crédito na vida é o balanço, quebra de paradigmas sempre, luta pessoal, luta contra os monstros, para ser melhor como pessoa, como gente. Equilíbrio: físico e emocional, para agente não ser de mais, não ser de menos, e valorização do hoje. A valorização do hoje, que acho que é uma dificuldade e passei por isso, é preciso ter. É preciso a valorização do presente e do que você se torna a cada dia. Se você faz uma projeção para futuro e chega até lá, você deve valorizar suas conquistas. Conquistas não param, todo dia é uma conquista nova e precisamos saber valorizar cada uma dela, para ser mais felizes. Com 29 anos, ainda sou um garoto, mas o que posso deixar de legado é o pensamento positivo. Temos que viver intensamente, com verdade e com positividade, viver com positividade é viver melhor.