Livre como um passarinho que fugiu da gaiola, saiu a passear pela pequena cidade. Sentia-se alegre, leve. Todo aquele peso que estivera sobre sua cabeça durante os últimos anos desaparecera.
Parou o carro em uma farmácia e desceu para comprar uma loção pós-barba. Só tinha uma pessoa atendendo e nenhum outro cliente. Em frente ao armário de perfumaria, ficou olhando, aguardando a vendedora, uma moça morena de pouco mais de vinte anos que, se não era de uma beleza estonteante, também não era feia. Tinha um aspecto até bem gracioso.
Perguntou pelos preços e tentou um início de conversa. Mas, como estava destreinado! E ainda por cima alheio às gírias que os moços arranjam e que mudam de tempos em tempos, de forma que eles parecem ter um dialeto particular, inacessível a quem está fora de seu meio.
Mas, ela parecia cooperar, respondendo às suas perguntas tímidas. Uma hora até pareceu dar alguma corda:
– O tempo está frio, não está?
Cheio de esperança, ele decidiu-se a fazer uma brincadeira, uma frase com duplo sentido e esperar para ver como ela reagiria:
– Tempo bom para arranjar um cobertor de orelha!
As coisas, porém, não correram como desejava. A jovem voltou para trás do balcão e assumiu uma atitude formal. Ele não insistiu e nem procurou mais conversa. Apenas agradeceu e saiu.
À noite, entrou novamente no carro e foi à praça olhar o movimento. Pouca gente, mas, sempre tinha alguma coisa para olhar, algum amigo para bater um papo. Mas, observou curioso que parecia que havia um carro seguindo-o.
Desceu algumas quadras e o outro carro atrás. Acelerou um pouco e o outro fez o mesmo. Dirigiu-se, então, para uma rua mais deserta e parou para ver o que acontecia.
O outro carro emparelhou com o dele e também parou, Olhou para a esquerda e viu a moça da farmácia junto com um rapaz de barba. Num relance, compreendeu tudo: ela contara a ele a conversa e ele estava ali, com o orgulho ferido e cheio de vontade de mostrar sua virilidade!
Simplesmente esperou os acontecimentos, mesmo porque não sabia o que os dois iriam dizer, ou fazer. Mas, logo o rapaz começou a falar alto, dizendo que ela era comprometida e que ele havia faltado com o respeito e que os dois precisavam resolver o assunto...
Tentou dizer alguma coisa: primeiro, que ela não usava aliança de noivado, nem mesmo aquelas de compromisso; segundo, que não os conhecia e muito menos sabia de seu namoro; terceiro, que não fora grosseiro, não insistira e nem dissera nada inapropriado. Apenas uma brincadeira de homem para mulher.
Mas, o rapaz não dava trégua e nem deixava por menos. Parecia querer resolver tudo da pior maneira possível. Entendendo a situação, o homem pensou:
– Se é para brigar, vamos acabar logo com isso. Não adianta ficar perdendo tempo.
Dessa forma, tirou os óculos e colocou-os cuidadosamente no painel do carro, Em seguida, tirou ostensivamente o relógio e pôs ao lado dos óculos. Calmamente, sem dizer uma palavra, pegou na maçaneta para abrir a porta do carro.
Mas, aconteceu o inesperado: o moço, que se calara e observara atentamente seus movimentos, acelerou o carro enquanto gritava:
– Depois a gente acerta isso!
E partiu celeremente, logo desaparecendo na rua mais ou menos escura.