Ninguém sabe de onde eles vieram. A casinha branca, de janelas azuis, com floreiras de gerânios. Ao redor, lírios leitosos esparramam pólen doirando a grama. Há sempre um perfume adocicado no ar. Dizem que ela, com seu corpo alvo, às vezes passeia nua, entre as flores, e muitos afirmam que os dois brincam nus, no pequeno quintal ou fazem rumores roucos, de sons veludosos e abafados, à noite, como gatos no cio.
Impossível aceitá-los. Sua felicidade é uma afronta, a despreocupação, um acinte. Não trabalham, não amealham riquezas, não se preocupam com as leis vigentes. E filhos?
Não procriam, naquele egoísmo a dois, de corpos sôfregos que se embriagam e se bastam.
Não fazem compras, há sempre misteriosas frutas frescas e água cristalina em grandes jarros de barro. Nenhum móvel. Só o grande tapete rústico e um acolchoado macio de paina, já com o molde de dois corpos. Ou de um?
Os dois nem percebem quando, à primeira noite, um estranho vem e rouba uma flor do jardim. Eles estão embebidos um no outro, nas carícias, no infindável examinar dos corpos que amam.
Na segunda noite já são muitos. Pisam nas flores, que tentam avisar aos Amantes, aumentando seu perfume. Mas eles estão lá, mergulhados um no outro, alheios a qualquer perigo, pretensamente protegidos no seu sentimento.
Um mais afoito entra na sala e posta-se lá, estranho, de olhos perquiridores, inquisidor. Os Amantes, inocentes diante de qualquer receio, entregam-se com tal volúpia, que nem os dois olhos acusadores podem deter sua entrega, sua sede nos corpos de água jovem.
De repente eles param. Ainda entrelaçados, os corpos úmidos e mornos sentem, pela primeira vez, a ameaça e têm medo. O inquisidor sorri e reconhece o início da vitória. Lança-se sobre eles e arrebata-lhes o desejo, o ardor, a mocidade, a ousadia.
Os lírios murcharam, a casa foi aos poucos tomada pelo mato, o perfume desapareceu. Estranhamente, nascem duas grandes flores brancas, desconhecidas, vicejando ali perto, frescas, belas, eternas.
Vieitez Lisboa é escritora.
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