É SÓ COMPARAR
Juscelino Kubitscheck e a irmãzinha ficaram órfãos de pai logo na tenra infância e passaram a ser sustentados pela mãe, que de tão pobre somente encontrou emprego em uma escola rural no lugarejo de Grupiara, no meio do sertão mineiro, onde podia morar e alimentar a pequena família entre as aulas de ensino primário que ministrava para os filhos da população preponderantemente rural do início do Século XX. Na adolescência, JK, sem recursos para estudar, foi mandado para um seminário de onde saiu poucos anos depois para passar nos exames admissionais – hoje “vestibular” – do já então concorrido curso de Medicina. Com vinte e poucos anos era médico, depois político e o resto virou lenda. Luis Inácio Lula da Silva nasceu cinquenta anos depois, teve vários irmãos e muito mais acesso à educação do que Juscelino. Empregou-se cedo e cedo poderia ter custeado seus estudos. Aposentou-se por invalidez porque perdeu um dedo, ainda na casa dos trinta anos, e de novo poderia ter estudado. Esquivou-se dos livros aos argumentos da falta de recursos, da pobreza, da necessidade de ganhar o pão para a família – desculpas que graças a Deus não são utilizadas pelos inúmeros e bravos estudantes pobres do país. JK construiu Brasília, Lula e seus seguidores reformaram e construíram estádios de futebol superfaturados para a Copa do Mundo de 2014. Leitor de esquerda, isso é para você: leia, compare, reflita.
SÓ PARA DESCONTRAIR
Dona Sarah Kubitscheck era tão brava, mas tão brava, diante dos arroubos mulherengos de seu marido JK, que seus cronistas mais fiéis narram um incidente curioso. Certa feita Juscelino e amigos se divertiam em uma festinha de arromba em um casarão da Gávea, na então capital federal do Rio de Janeiro. Aproximou-se um carro preto e alguém preveniu nosso ex-presidente de que ao volante estaria a primeira dama furibunda com aquele sarau boêmio. Sob as ordens de JK, apagaram-se as luzes, silenciou-se a vitrola e foi um tal de casal esconder em armário e debaixo de cama, mulheres vestirem roupas e se afugentarem dentro de cômodas e atrás de cortinas, em silêncio absoluto e sepulcral até que o carro, que afinal não era da primeira dama, passou inocentemente pela mansão e seguiu adiante. Descoberto o alarme falso, voltou o som e a esbórnia, com enorme alívio para Juscelino e seus convidados.
MAS O QUE É DEMOCRACIA?
O economista inglês John Stuart Mill, pai do liberalismo, alertava para que não se confundissem conceitos: uma coisa é a democracia, outra a ditadura democrática da maioria. O conceito de democracia é deturpado desde o seu nascedouro, na antiga Grécia. O governo do povo, para os gregos, era na verdade e de fato exercido por um Senado escolhido entre patrícios nascidos exclusivamente em terras gregas e composto por proprietários de terras e nobres. Ficavam alijados do poder escravos, estrangeiros, pobres e mulheres. Foi um marco histórico porque representou um divisor de águas precoce na política absolutista que concentrava o poder exclusivamente nas mãos de um soberano despótico. Desde então, todavia, se deixou bem claro que a democracia sempre seria “em termos” – é o exercício do poder pelo povo, mas através de representantes de sua elite, seja ela econômica, militar ou aristocrática. O voto do cidadão negro e das mulheres, em muitos países do mundo, só foi possível na segunda metade do Século XX, e ainda hoje há países que discriminam minorias, impedindo-as de escolher seus representantes populares. Mesmo onde o direito ao voto é amplo, geral e irrestrito, há o perigo preconizado por Stuart Mill, mais de cem anos atrás: se a maioria pensa como o déspota, restamos tiranizados da mesma forma.
O PENSAMENTO LIBERAL
O liberalismo de John Stuart Mill evoca a ideia de coexistência e não de tolerância. A própria ideia de “tolerância” transborda de significados perniciosos, do relacionamento entre vencedores e vencidos, comandantes e comandados, poderosos e a ralé. Curiosamente, todo regime socialista do mundo, sem exceções, se organiza em torno de uma poderosa hierarquia estatizante voltada para a ilusão de um progresso sem limites como ideal de bem estar social, o que Mill combatia ardorosamente em seus ensaios ao científico argumento de que a economia só fomenta o enriquecimento proporcional do povo se for estacionária e não expansionista. Pouco importa que o governo seja imposto pelo voto ou por baionetas, o ideal progressista de uma sociedade cada vez mais rica e independente esbarra no conceito matemático da finitude de recursos e de meios e na inadequação de projetos expansionistas sem o pré-requisito da necessidade efetiva do acúmulo de riquezas. Como Malthus e muitos outros, sempre defendeu o controle da natalidade como mais importante remédio para redução das desigualdades sociais e êmulo para a mais justa participação do proletariado na distribuição de renda.
O DITO PELO NÃO DITO.
“O homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não derrotado.” (Ernest Hemingway, escritor americano).
RENATO ZUPO, Magistrado, Escritor