Na madrugada do dia 22 de agosto de 1953, os moradores de São Sebastião do Paraíso, no sudoeste mineiro, acordaram nas primeiras horas da madrugada, quando um grande incêndio estava consumindo as instalações da principal oficina de móveis da cidade. Assustados, logo perceberam que se tratava de um acontecimento grave e sem precedentes na história local. Os sinos da Igreja tocavam numa cadência frenética para acordar os moradores, assim como soava a sirene da Empresa de Siqueira Meirelles, concessionária regional do serviço de geração e distribuição de energia elétrica.
O episódio que está registrado no imaginário de muitos paraisenses agraciados pela conquista dos anos longevos é rememorado nesta crônica como reconhecimento histórico da garra e da persistência dos pioneiros da indústria local, imigrantes italianos da Família Mambrini, que tanto contribuíram e continuam contribuindo para o progresso econômico e social da cidade e do país.
Com apenas seis anos de idade, nos idos de 1888, Giuseppe Mambrini chegou ao Brasil, acompanhado de seus familiares, com o sonho de ganhar a vida, como tantos outros milhares de imigrantes, que vieram para trabalhar na cafeicultura ou para exercer seus ofícios. Anos depois, Giuseppe aprendeu o ofício de ferreiro e carpinteiro e fixou residência no promissor polo cafeeiro do sudoeste mineiro, onde começou trabalhando, em 1924, na manutenção de carroções e carros de boi, passando, em seguida, a fabricá-los. Pouco a pouco, transformou o nome de família em respeitada marca de produtos de madeira e, em particular, de carrocerias para caminhões, o que aconteceu ainda na década de 1950. Quinze anos depois, a indústria estava instalada em três dos principais estados brasileiros, conforme consta no site atual da empresa.
Assim, o episódio do grande incêndio de 1953 foi apenas alguns dias de tristeza, bem pontuais e que não chegou a abalar a persistência dos aguerridos empresários. A indústria de móveis e produtos de carpintaria localizava-se na Rua Pinto Ribeiro, poucos quarteirões abaixo da Igreja Matriz. Diante das labaredas jamais vistas no Paraíso daqueles anos, homens, mulheres e crianças, ao se certificarem do ocorrido, se apressaram para fazer alguma coisa. De várias partes da cidade era possível visualizar o grande clarão, assim, chegaram dezenas de moradores para ajudar. Começaram a carregar água, em vasilhas improvisadas, para amenizar o risco de o incêndio espalhar para as casas próximas. O galpão da empresa, todo material nele existente e o depósito de madeira foram consumidos.
Apesar da boa vontade e solidariedade dos moradores, as violentas labaredas consumiram o resultado de décadas de trabalho. Por fim, ficou somente algumas paredes danificadas em pé. Quando o sol nasceu, restava apenas um monte fumegante de destroços e o grande prejuízo, conforme foi publicado em importante órgão da imprensa nacional. Localizei esse registro na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, no jornal A Noite, do Rio de Janeiro, de 26 de agosto de 1953.
Após o triste balanço e a constatação do prejuízo, os proprietários e mestres madeireiros serenaram o espírito, afastaram a tristeza e concluíram que o principal patrimônio não havia sido destruído: a arte e a técnica de trabalhar a madeira e a garra pelo honrado laboro cotidiano. Assim, como acontece no mito grego da ave fênix, ilustrando a capacidade de renascer das cinzas, os empresários iniciaram, logo de imediato, a reconstrução de uma modesta oficina, que, nas décadas seguintes se transformaria em uma das maiores fábricas de carrocerias do Brasil. Lição maior não há para suportar os momentos de crise como esse que o País atravessa.