Virgilio Pedro Rigonatti

O que os olhos não veem...

Por: Virgilio Pedro Rigonatti | Categoria: Cultura | 07-06-2016 09:06 | 1985
Foto: Reprodução

Na viagem de nossas férias em Olinda, como abordei na crônica da semana passada, reforçou-me o velho adágio: o que os olhos não veem, o coração não sente. Posso completar que o estômago também não sente.
A cidade de Olinda, tombada pelo patrimônio histórico, é muito pitoresca e guarda construções do tempo colonial. O local foi escolhido em 1535, pelo donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho, para ser a sede da sua propriedade. Ela tinha vantagens estratégicas por ser um morro, o que facilitava a defesa contra ataques de índios e de inimigos vindos pelos mar.
A localidade tem uma vista magnífica do mar e da planície cortada pelos rios Capibaribe e Beberibe, que desembocam no oceano. Tão bonita que provocou uma exclamação do donatário, ou alguém do seu séquito: "Oh, linda situação para se construir uma vila!" A versão é contestada por historiadores, mas na boca do povo ficou a exclamação que teria dado o nome da vila: "Oh, linda!" 
Quando da invasão holandesa, Olinda perdeu a condição de capital, além de ter sido incendiada pelos batavos. Após a expulsão dos invasores, voltou a sua condição anterior, perdendo definitivamente o título em 1837. Em 1827, juntamente com a cidade de São Paulo, ganhou do governo imperial, o curso de Direito, sendo as duas cidades as primeiras a terem cursos jurídicos no país.
Suas construções barrocas são atrações imperdíveis, e a riqueza das igrejas do período colonial é grande, ornada com prata e ouro, mostrando a opulência da província que rivalizava com Lisboa em termos de luxo e ostentação.
Durante os dias que ficamos em Pernambuco, todas as manhãs, após o café, eu reunia a criançada e ia para a praia que ficava a cinco quadras da casa dos meus amigos. 
Era uma festa, pois além das brincadeiras, futebol, mergulhos, sentávamos em um bar ao lado da praia e devorávamos agulhas fritas com refrigerantes para os garotos e uma caipirinha para mim.
Na volta, era sagrado parar em uma sorveteria que ficava a meio caminho da casa. Lá, encontrávamos sorvetes feitos no próprio local com as mais variadas frutas das riquíssimas espécies encontradas na região: acerola, cajá, caju, carambola, coco, graviola, juá, pinha, pitomba, sapoti, tamarindo, umbu, abacaxi, manga, mangaba, jaca, siriguela...
Os sorvetes que faziam eram tão bons que não resistíamos e voltávamos no meio da tarde e à noite, após a caminhada de todos curtindo as agradáveis noites de inverno.
Eu me deliciava experimentando todos os sabores, que vinham com pedaços de frutas. Particularmente, eu gostei mais de jaca e siriguela, pedindo sempre pelo menos uma bola de sorvete destas frutas.
De tanto frequentar, papo vai, papo vem, acabei fazendo amizade com o dono da sorveteria, sujeito amável, conversador, boa praça. Falávamos de todos os assuntos relacionados com a cidade, estado, política e as variadas e riquíssimas histórias interessantes que ele me contava, da cidade e do sertão, de onde ele era originário.
Um dia perguntei a ele sobre o processo de fabricação dos sorvetes. Argumentei que com as frutas como manga, graviola, caju e jaca, por exemplo, não deveria ter muito problema. Era cortar a polpa, colocar no liquidificador e bater. Mas e a siriguela, perguntei, como ele fazia? Afinal a polpa é muito fina, o caroço toma conta de quase toda a fruta. 
— Ah, Pedro, é muito fácil, não tem muito segredo não. Quer ver?
— Se você me permitir, gostaria de ver, respondi.
Então, solícito, ele me levou para a cozinha. Abriu uma cortina de tiras que separava o local da área de vendas e me apontou três rapazes sentados no chão, ao redor de uma bacia. Estavam todos sem camisa, de shorts, em um ambiente extremamente quente pelo calor abrasador que faz no nordeste durante o dia, só com um ventiladorzinho ao lado. Os rapazes pegavam algumas siriguelas e espremiam entre as mãos. O suco da fruta, assim extraído, escorregava das mãos e dos braços dos jovens para dentro da bacia. O problema era agravado pelo forte calor: os rapazes estavam molhados, empapados, de suor, que, escorrendo, se misturava com a polpa espremida e desaguava na bacia.
Até hoje me pergunto por que fui tão curioso. Depois de ver o processo e as condições de trabalho, não tive mais vontade de tomar sorvete de siriguela.




* Virgilio Pedro Rigonatti,  Escritor, www.lereprazer.com.br rigonatti_pedro@terra.com.br autor do livro “MARIA CLARA a filha do coronel” que se encontra à venda nas livrarias Supertog, Estação do Livro e Livraria Beca