SUDOESTE MINEIRO

Quilombo do Campo Grande

Uma das origens do Sudoeste Mineiro
Por: Divulgação | Categoria: Cultura | 20-11-2024 14:21 | 107
Mapa do capitão Antônio Francisco França feito entre 1760 e 1763 Coleção da Família Almeida Prado - IEB/USP - foto de 1992/TJMartins
Mapa do capitão Antônio Francisco França feito entre 1760 e 1763 Coleção da Família Almeida Prado - IEB/USP - foto de 1992/TJMartins Foto: Divulgação

Neste dia 20 de novembro, comemora-se a Consciência Negra, e será o primeiro ano que a data se tornará feriado nacional. A referida data tem relação com a extinção do Quilombo dos Palmares, Pernambuco e Alagoas, e de seu “líder” conhecido por Zumbi dos Palmares no século XVII. Desse modo, a designação de quilombo era local “ermo”, nos sertões, para onde os escravos fugiam, se organizavam e agrupavam em busca da liberdade.

É interessante reiterar que em Minas do século XVIII havia a maior concentração de escravos do Brasil, nas minas de ouro e diamante. Portanto, havia também inúmeros quilombos nos “certões” inóspitos, como do Ambrósio e do Campo Grande, sendo os maiores do período. O primeiro ficava na região do Alto São Francisco e atual Centro Oeste Mineiro, e o outro ocupava a região dos sertões do Jacuhy, Sudoeste Mineiro, e se estendia ao norte e ao sul do Rio Grande, também pelo norte paulista. Aqui cabe um adendo, os Quilombos mencionados ocupavam uma vasta região e eram formados por vários quilombos e eram designados como um só, sendo assim uma “confederação”.

De acordo com o pesquisador, Tarcísio José Martins em seu livro “Quilombo do Campo Grande, A História de Minas, Roubada do Povo”, o local do Quilombo era estratégico, além de ser um sertão distante e ficava ao sul e norte do Rio Grande, região até 1764 paulista, portanto, sem a presença do Estado. De acordo com o Martins, o Campo Grande expandiu sua dimensão territorial e populacional após as várias expedições para acabar com o Quilombo do Ambrósio entre 1743 a 1759.

Campo Grande foi sem dúvida o maior Quilombo de Minas, formado por 24 quilombos distribuídos por uma vasta região. Sua aniquilação segundo o Historiador, Waldemar de Almeida Barbosa, no seu livro “Negros e Quilombos em Minas Gerais” afirma que foram três anos de preparativos e transferência do governo para São João Del Rey para administrar a empreitada. Além disso, as quatro comarcas de Minas tiveram que contribuir com grande quantidade de ouro, em que os autores mencionados divergem na quantidade, o primeiro afirma que foram “cerca nove quilos e meio” e o segundo “quinze quilos”, ambos sem contar a contribuição de São João Del Rey, e este ouro era somente para despesas com aquisição das armas, dos soldos e dos preparativos.

Vale observar que para liderar a empreitada fora designado uma “persona non grata” para as autoridades portuguesas, no entanto, devido a suas habilidades e experiência nos sertões era útil ao governo. Assim, Bartolomeu Bueno do Prado, neto do Anhanguera II, organizou e liderou um bando de 400 homens bem armados e treinados para capturar e destruir o Quilombo do Campo Grande. Contudo, era uma força “terceirizada”, por questões políticas e para atravessar ao sul do Rio Grande em 1759, região de litígio, e neste mesmo ano o Bando construiu o Forte em Jacuí, que 1764 ao tomar posse do território, seria a residência do governador.

Os quilombolas eram homens, mulheres e “gente de toda sorte” que fugiam da escravidão das áreas auríferas, ademais, eram também exímios mineradores. Dessa forma, não demoraram para encontrar o metal precioso no Sudoeste Mineiro, e estabelecer um comércio entre os quilombos e os viajantes que percorriam os sertões. Além disso, por essa época, entre 1754 e 1762, o Bandeirante Pedro Franco Quaresma andava realizando vários “autos de posse” na região a serviço da Câmara de Jundiaí, o que significa que eles estabeleceram inúmeros contatos, possivelmente trocas e comércio. Por outro lado, havia uma estrada que ia para o Goiás, a qual atravessava na nossa região; Mococa, Jacuí, São Sebastião do Paraíso, Cássia, Desemboque e Goiás, era, portanto, uma rota alternativa ao caminho do Anhanguera e também conhecida por ser “caminhos dos desvios dos reais quintos”.

Nessa expedição, Bartolomeu Bueno do Prado, dividiu seu bando para cortar a comunicação de um quilombo com outro e aniquilar um por um e não cometer os mesmos erros dos combates estabelecidos do Ambrósio. Assim, foram capturando, prendendo, batizando as crianças e aprisionando cada quilombola vivo. De acordo com Pedro Taques de A. Pais Leme, estudioso e contemporâneo dos fatos, fala que Bartolomeu enviou 3900 pares de orelhas salgadas de quilombolas para São João Del Rey, este número fora reproduzido por vários estudiosos.

Portanto, havia uma recompensa em ouro para o Bando de cada quilombola capturado vivo ou morto, e também doação de sesmaria, mantimentos dos vencidos e poder ficar com as crianças capturadas que eram chamadas de “bens do vento”.  A população do Campo Grande e do Ambrósio “seria de no mínimo 9822, podendo chegar a mais de 15.000 habitantes”. Esses números não refletem a realidade, podem ser subestimados, como defendem alguns estudiosos. Acredita-se que membros do bando tenham vendido os quilombolas em outras Capitanias, devido ao seu valor.

Dessa forma, o Quilombo do Campo, representado no mapa abaixo por um membro do bando, o qual formava uma “confederação” por uma vasta região. Dentre os quilombos, podemos mencionar alguns, que Tarcísio cita no seu livro, como o do Zundum (100 casas), Gondu (80 casas), Paiol, Cascalho 80 (casas), Quilombo das Pedras, Oopeo (137 casas), Angola, Nova Angola (90 casas), Pinhão (100 casas), Caetê (90 casas), Cala Boca (70 casas), Goiabeiras (90 casas), Do Careca (220 casas) e muitos outros. Para além disso, sobre as cinzas, o sangue, a terra desses quilombos surgiram vários arraiais, freguesias, vilas e mais tarde cidades.

Com isso, o seu legado permanece por meio de manifestações culturais, religiosas, na culinária, nas festividades, no cotidiano e no sangue que permeia nossas veias. Por fim, a ironia da história é que Bartolomeu Bueno do Prado quando morreu, fora enterrado numa Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos e pardos.

Dialon J.TeófiloProfessor / pesquisador do Século XVIII e XIX do Sudoeste Mineiro e Norte Paulista