Sempre soube que nós, seres humanos, somos poços de obscuros mistérios. Pela vida toda, só percebemos alguns. Há pessoas que nada captam, preocupadas com os problemas concretos que as rodeiam. Sentir esses outros, metafísicos, é um prêmio ou castigo?
Inocentes e meio cegas, algumas pessoas creem (e até afirmam categoricamente) que são donas de seu destino. Ledo engano! Tomados pela insciência da vida, somos meros joguetes, marionetes desarvoradas de um poder invisível, muito maior. Inocentes crédulos, julgamos que temos a liberdade de optar, escolher, mas na verdade não somos nós quem dá a sentença. Recebemos um presente de grego, o livre arbítrio, falsa impressão do poder de escolha. A vida, todavia, é uma eterna acareação. Nós, os réus, inseguros, às vezes até sentimos que somos donos do epílogo, entretanto, tudo é mistério.
Na realidade, estamos sempre diante de autoridades maiores: no centro, Deus, senhor dos destinos humanos; vêm após, as autoridades menores. Ainda há uma certa eminência parda que dirige o espetáculo. O final é sempre duvidoso. O consolo é o réu pensar que tem algum poder. Quantas vezes nós, os artistas centrais de cada peça, temos a doirada impressão que há um script coerente e definitivo, lógico, que somos os donos da história, com a certeza de que haverá um happy end. Há finais abertos, fechados, com anticlímax e clímax, dificilmente algo belo, róseo e lírico.
Primeiro, jamais há um script prévio. Toda vida é um happening, peça teatral duvidosa, dinâmica, onde cada ator e atriz encenam seu papel, conforme pode, de acordo com seu talento artístico. Quantas vezes eu, você, todos, planejamos, optamos por um caminho que julgamos certo e feliz. E o que acontece quase sempre? O Diabo, sem ser convidado, surge na peça, distorce o pretenso script original e a história muda, desanda, declina, reverte.
Os otimistas são os que mais sofrem com essas mudanças inesperadas. Mas teimam, recomeçam, são verdadeiros Sísifos na montanha da existência. Os pessimistas são os olheiros amargos, que parecem dotados de possíveis antenas capazes de captar, metafisicamente, a tragicidade da vida; lembram hienas, urubus e certos bichos carniceiros, que comem carne podre.
Todavia, quem escreve poemas, crônicas, contos ou romances, já deve ter percebido que às vezes até os textos parecem ter um certo poder, como se tivessem vida própria. Apesar do autor, eles dão a impressão de serem independentes, de escolher seu final. Assim é a vida. O que sobra é uma certa beleza nos heróis humanos, que teimam em lutar, alcançar o pomo dourado da felicidade. Grandeza, mérito não será isto?
O que se pode fazer em realidade tão complexa? Como reagir diante da nossa impotência, o total desamparo no enfrentamento de algo sem solução, sem Manual de Instrução, nem o direito de acionar o CNJ (Conselho Nacional de Justiça)? Um exemplo contundente e inquestionável: a inexorabilidade do envelhecimento e da morte. Alguém ainda se julga dono de seu destino?
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
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