São muito sutis os limites entre o erotismo e a pornografia. Tais conceitos dependem de formação, época, momento histórico, recintos, adequação, motivação. Palavras consideradas de baixo calão, ditas às vezes, na intimidade, são estimulantes eróticos sadios e nada têm de pornográficos. A pornografia é crua, agressiva, contundente, desastrada, grosseira. O erotismo é sutil, delicado, positivo, belo. Os tempos mudam e os conceitos humanos também. Na literatura, livros considerados fortes, indecentes, proibidos para menores, hoje são lidos como obras sérias, de grande beleza. Há quarenta anos Jorge Amado era um autor considerado desaconselhável para menores, pelo seu erotismo exacerbado, agressivo. Hoje seus livros são lidos por qualquer jovem, com maior naturalidade. Mudam-se os tempos ou mudamos nós?
O erótico está ligado à nuance, ao proibido, ao mistério, à expectativa e à criatividade da imaginação. Ele se tornou mais raro e suscetível ultimamente. Onde o erotismo, quando as mulheres estão praticamente nuas nas capas de revistas, na televisão, no cinema e no teatro? Como alimentar o mistério, o ritual da entrega, da iniciação sexual, por exemplo, se hoje é proibido proibir? O mundo tornou-se menos sensual, com tanta liberdade e permissividade. Perdeu-se a beleza que deveria ser conquistada, vislumbrada, desvelada mansamente. A nudez, principalmente a feminina, hoje é explícita e vulgar. As mulheres ousam, conquistam, desnudam-se quando a natureza lhes dá belos atributos. A ousadia é mercantilizada, ou se alicerça, muitas vezes, na conquista preciosa dos altos cargos que elas ocupam, disputando-os em igual condição com os homens, na sua maneira de ser, de agir. Na literatura, o direito da mulher contar seus desejos, de revelar sua intimidade, de fazer confissões mais cruas, ou dar asas a uma imaginação sem limites foi uma conquista morosa.
O cinema, sob esse enfoque, optou pelos extremos. Nota-se que o interesse do público é cada vez maior, quando os filmes exageram na pornografia e na violência. Quanto mais ousados, nos dois gêneros, maior é a demanda. Assim, surgiram os filmes pornôs, que se caracterizam pela total falta de enredo, de arte, para priorizar a cru-eza, a vulgaridade e as aberrações. Em uma locadora, admirada com o número absurdo dos DVDs pornôs, que acabavam de chegar, fui informada pelo rapaz que eram os mais pedidos; fregueses e “habitués” levavam de dez a quinze filmes, todo final de semana. Tal maneira de agir é um prato cheio para os psiquiatras.
Sabe-se que os filmes, as novelas televisivas são o reflexo da sociedade, alimentados pelo rico manancial de enredos, colhidos no dia a dia de todas as classes sociais. Após, eles influenciam o povo. É um círculo fatídico.
Talvez o homem moderno, fruto de uma liberdade extrema e vivendo em meio à violência, esteja perdendo as sutilezas do bom gosto, atraído cada vez mais pelo explícito, o grosseiro, o teratológico. Junte-se a isso a deificação do Moloch do dinheiro e se terá a realidade como o Diabo gosta.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
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