A DEPRESSÂO DIVINA

Por: Redação | Categoria: Cultura | 28-02-2017 08:02 | 1382
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(*) Ely VIeitez Lisboa




 




Tento imaginar Deus com uma infinita depressão diante do mundo moderno. Ou de sempre? É claro que Ele, na sua onisciência, já previra isto. Mas os seres humanos extrapolaram.




É algo insólito. É certo que Criador fez os homens para serem bons e perfeitos. A intenção era reta, a receita boa, os objetivos óbvios: deveriam ser os senhores do Universo, cuidadosos, cheios de generosidade, fraternos, retos e íntegros. O que aconteceu? Por que tudo vem deteriorando, abastardando?




Os jornais televisivos veiculam tanta maldade, tanto horror e monstruosidades, que pessoas sensíveis optaram por ignorá-los, fugir deles. Mas a alienação também não é uma saída. E o que mais impressiona é o absurdo, o total nonsense da maldade. É o mal gratuito, sem explicação nem lógica.     




Achava-se que os roubos, assassinatos eram movidos por necessidade, carência, falta de recursos, pobreza. Hoje, mais do que nunca, a ambição não tem limites e não necessita de logicidade. Há monstros em todas as classes sociais, até nas mais abastadas. Há criminosos cultos, pretensamente inteligentes e a corrupção está em toda parte, inclusive  nos altos escalões do governo; enfim, a baixeza humana, principalmente movida pela ambição,  é um cancro incurável, para o qual não há terapêutica nem cura.




Veja-se a violência, que grassa como uma erva maldita, banalizou-se, nas ruas, nas escolas, nos lares. É como uma lepra sem cura, principalmente pelo vício das drogas, que envenena e apodrece o mundo, fazendo-o um circo de horrores.




Se todos os seres humanos fossem maus, se eles tivessem se transformado em apenas adeptos do Mal, dos vícios, se a podridão humana fosse geral, a degeneração comum a todos, seria fácil de detectar as causas da síndrome nefasta. Mas não. Tudo é muito complexo e incoerente.




De um lado, o exército maldito dos criminosos, dos asseclas da maldade, dos monstros. E em meio a este pântano brotam, de vez em quando, flores puras, belas. Surgem homens e mulheres que fazem o bem, praticam a caridade, dedicam-se a sanar o sofrimento do próximo, em uma generosidade gratuita, excelsa. São criaturas raras, como uma madre Tereza de Calcutá, um Chico Xavier, uma Gilda Arns e outras pessoas humildes, anônimas, que, à sombra de sua humildade, praticam o bem, como uma missão.




Um dia desses, conversando ao telefone com uma parenta afim, soube por que razão ela não poderia vir visitar-nos. Toma conta de idosos, dá assistência a tantos parentes, amigos, vizinhos, pessoas necessitadas, que jamais poderia sair da cidadezinha longínqua, onde ela reside. Surpresa e meio constrangida, brinquei se ela não percebia ainda que lhe nasciam asas... Ou se ela tinha dores de cabeça, por causa da aureola... Na realidade, meu sentimento era de surpresa e comoção. Comecei a admirar muito aquele exemplo de amor vivo e belo.




Ora, o que não confessei nem a mim própria, era uma certa vergonha pelo pouco que já fiz, tenho feito e faço pelo próximo. Para fugir do meu remorso, pus-me a suscitar elucubrações metafísicas, talvez para acalmar meu coração. Se não há nenhuma certeza da existência de céu ou inferno, como Deus fará o ajuste de contas deste malfadado mundo, no final? Fui além. Pobre Deus. Que sentirá Ele, diante da complexidade da Criação, da obra Sua?




(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora




 




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