Em vigor desde fevereiro do ano passado, a lei antibullying, que regulamenta e institui o “Programa de Combate à Intimidação Sistemática” nas escolas, completa nesta semana um ano. Desde que foi instituída, tendo sido aprovada em novembro de 2015 e entrado em vigor em 2016, pouco se falou sobre essa lei que, além de definir o conceito de “bullying”, também traz uma série de diretrizes que devem ser abordadas e adotadas pelas instituições de ensino, agremiações e clubes.
Conforme ressalta o juiz da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Sebastião do Paraíso, Jeferson Torres Freitas, a lei ainda é muito recente e visa traçar algumas metas para atingir o principal objetivo, que é o enfrentamento a esta situação (bullying), muito comum nos ambientes de ensino. “É importante destacar o que o bullying representa: a intimidação sistemática, ou seja, que constitui um ato de violência física e psicológica, que impõe um determinado sofrimento, dor ou angústia à pessoa que é atingida, e normalmente esse tipo de postura é praticada individualmente ou por um grupo de maneira intencional e repetitiva”, explica o juiz.
Segundo ressalta, a definição dessa intimidação sistemática vem traduzida em atos, que podem ser xingamentos, uso de expressões injuriosas, que atentem contra a moral da pessoa, ou fisicamente por meio de agressões. “Inclusive, é previsto no texto da lei que até pichação em muro pode constituir como prática de bullying, ou seja, existem várias formas de praticar essa ação, desde que se atinja uma determinada pessoa”, destaca o juiz Jeferson.
O juiz comenta ainda que há na lei um plano de metas de conscientização e de trabalhos, inclusive nos próprios estabelecimentos de ensino. “A lei estabelece que as instituições de ensino, as associações, agremiações e clubes, têm o dever de conscientizar, de combater e de prevenir essas condutas e posturas que ocorrem dentro dos estabelecimentos. É difícil ainda dizer, por ser uma lei muito recente, se vem sendo produzidos os efeitos, mas eu acredito que a lei é muito positiva e o melhor de tudo: ela não é voltada para a punição daquele que pratica o bullying, mas, sim, um trabalho de conscientização, de orientação, de auxílio, de acompanhamento, inclusive técnico, se for o caso, para que essas pessoas deixarem de praticar essa conduta”.
Jeferson Torres ainda desta que é de conhecimento que o ambiente em que mais há relatos da prática de bullying é o escolar, principalmente no ambiente infanto-juvenil. “Nós que lidamos com quentões relacionadas à infância e juventude ouvimos relatos dessas práticas ocorridas em escolas. Às vezes, o educador nem tem o conhecimento de que aquilo está acontecendo porque a vítima se sente intimidada e não repercute no âmbito familiar, nem no âmbito escolar, com as autoridades que ali estão, é uma situação que ocorre veladamente”, avalia.
“É uma lei muito positiva, eu a vejo com bons olhos, nós ainda não temos dados estatísticos, mas existe uma exigência legal de que os estado e municípios façam relatórios para ver as ocorrências e resultados aplicados para minimizar e, se possível, extinguir esse problema”, acrescenta.
CASO DE JUSTIÇA
O juiz comenta que nunca chegou um caso desta natureza à Vara da Infância e Juventude, mas ressaltou que isso pode vir a se tornar uma ação judicial. “A partir do momento em que uma pessoa é vítima de uma agressão física ou psicológica, isso, de alguma forma, pode se caracterizar em um ato ilícito, passível de demandas indenizatórias e na esfera criminal, inclusive. A lei que trata do bullying, não criminaliza a conduta, porque as condutas que resultam no bullying já estão previstas no próprio Código Penal. Assim, esse comportamento pode resultar, sem dúvida, em demandas judiciais, tanto na área civil quando esfera criminal”, explica.
O juiz destaca ainda que estas são situações muito comuns, e que há situação que são muito estremas, que preocupam e que acontecem clandestinamente. “Isso porque a pessoa que é vítima de bullying, está em grau de desequilíbrio muito grande contra aquele que pratica ação e já possui, muita das vezes, um perfil passível; isso pode acabar estimulando o comportamento daquele que é o agressor, e às vezes o silêncio prevalece nestas situações. É óbvio que se isso chega ao conhecimento, as instituições devem tomar uma providência. Eu penso que todas as instituições devam ter suas regras de disciplina, para impor eventuais punições administrativas àqueles que estão ali disseminando ódio, preconceitos, enfim. Há mecanismo para combater isso. E o melhor de tudo: sempre aplicar métodos preventivos, de conscientização e de recuperação, não somente da vítima, que deve ser acompanhada por profissional da área de psicologia, se for o caso, mas aquele que também comete a violência, para entender o que o leva a praticar aquela ação. Então, cabe ao estabelecimento de ensino fazer o diagnóstico do porquê aquilo está acontecendo, prevenir e combater essas situações, isso é função prioritária e expressamente prevista na lei”, completa o juiz Jeferson Torres Freitas.
Para a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em São Sebastião do Paraíso, Rejane Tavares, a lei foi muito bem formulada, mas não tem efetividade. “Isso porque há muitas questões impostas pela própria sociedade, há pessoas, e não são poucas, que comentam que também foram xingadas e nem por isso ‘morreram’, que isso é frescura ou que nem tudo é bullying. No entanto, esses tipos de agressão chegam em cada um de uma forma diferente. Às vezes eu posso ter uma alta estima alta e não sofrer com aquilo, mas talvez eu possa não ter e aquilo me afetar muito”, explica Rejane.
A conselheira, que também é professora na Rede Estadual de Ensino, ressalta que também não percebeu efetividade das escolas na aplicação da lei antibullying. “E não digo que somente no município, mas no Brasil como um todo. A ideia era que se criassem formulários, que essas ocorrências fossem registradas na própria instituição e que se realizassem campanhas; eu não vejo isso acontecer, infelizmente. A proposta era para que se redobrasse o olhar sobre o bullying, e nem os próprios pais percebem. Isso não interfere somente na vida pessoal da criança, mas também interfere nas notas e eu não entendo como as pessoas não percebem que isso acontece. Apesar de ainda ser lei muito recente, eu não vi campanhas sobre isso – se for feita uma análise, nas próprias instituições de ensino, a maioria das pessoas nem sabem que essa lei existe. É uma lei muito bem formulada, com uma proposta boa, mas falta aplicação, interesse e informação”, avalia.
Em sala de aula, Rejane conta que tem conversado com seus alunos sobre o tema. “Estou com uma turma de 3ª ano; no primeiro dia de aula nós já conversamos sobre essa questão de que não se pode xingar o colega, e é colocado nas regras. Mas é um tema que precisa ser trabalhada todos os dias; essas ofensas chegam para cada um de uma maneira diferente. Geralmente a criança que não se importa com as ‘ofensas’, é uma criança estruturada, que tem uma família bem estruturada, e que realça os seus pontos positivos. E vale lembrar, também, que a criança que comete o bullying, tem algum tipo de problema”, completa.
A psicóloga Patrícia Chicaroni, conta que a psicologia trata o paciente como um todo, mas existem enfoques e técnicas específicas para cada área do estudo sobre o comportamento humano. “O bullying sempre existiu, pois sempre existiram as competições e comparações, porém, uma proporção, ou ênfase maior, foi dada de uma década para cá, mais ou menos. Acredito que isso aconteceu em função do crescimento de informações, e um aumento significativo da busca pela ‘perfeição’, entre aspas, pois não existe. Uma Perfeição imposta pela mídia, pela sociedade, e penso que isso começa dentro do próprio lar”, avalia.
“Quando as críticas são naturais, fazendo parte de brincadeiras ou até como atitudes esportivas nas relações de amizade, no trabalho, nas escolas, penso não serem prejudiciais, porém quando essas críticas se tornam repetitivas, com intenção de diminuir ou menosprezar, toma uma proporção desumana, assédio moral, levando a vítima a se descaracterizar diante de outros, denegrindo, não só a imagem, como também o ego do mesmo, já não é natural. O agressor normalmente usa desse método para se sentir com mais poder no grupo, sendo ele tão comprometido quanto a vítima, que se fecha com medo e acaba virando alvo para mais agressões”, explica.
A especialista comenta ainda que já atendeu vários casos, tanto de vítimas de bullying, quando praticantes. “São pessoas frágeis, que se defendem de maneiras diferentes, ambos apresentam conflitos internos relacionados a afetividade e autoestima.
O agressor precisa diminuir a vítima para se sentir melhor, enquanto que a vítima apresenta conflitos com sua autoimagem, dificultando uma postura de respeito, comumente se intimidam, se fecham e permitem a repetição da agressão, que pode deixar marcas dolorosas por toda a vida”, completa a psicóloga Patrícia Chicaroni.