Para quem não sabe, o verdadeiro nome das flores conhecidas como Primaveras é Buganvílias. O povo, como sempre, optou por algo mais simples, menos pomposo, erudito. Por toda a cidade, as Primaveras coloridas enfeitam os muros, as casas, em um festival de cores. Elas são alvas, cor de palha, amarelas, róseas, vermelhas, cor de maravilha.
As flores são vistas de acordo com nosso estado de alma. Por isso riem, dançam ao vento, inclinam-se em graciosas reverências, pranteiam os mortos. Minha casa é rodeada de verde, protegida por cercas vivas de murta fresca, que brincam com a brisa. No chão, a grama esmeralda. Resolveu-se então enfeitá-la de pés esguios de Primaveras que, alegres, em pouco tempo explodiram em flores. Há uma que nos presenteou com uma inacreditável penca florida, rósea, que permaneceu bela por um mês inteiro. Defronte nosso quarto, uma delas, de metro e meio de altura, encheu-se de campânulas rubras, sensuais e ousadas. Há arbustos pequeninos tão cheio de flores, que as folhas quase não aparecem. As brancas são um deslumbramento.
Meu primeiro livro de poemas, "A Encantadora de Serpentes", é triste e sombrio. Documento de tragédias. Lembro-me do menino de dez anos, pedindo-me para lê-lo. Mas, meu querido, disse-lhe eu, você não vai gostar, o livro é muito amargo... Jamais me esquecerei de sua resposta inesperada: Mas eu adoro livro amargo...
Realmente, o livro é um estado de alma. Indiscutível, é ser também a literatura uma válvula de escape. Escrever é catártico. Assim, um mesmo autor pode ter livros amargos, pessimistas, cheios de dor ou de alegria. Alguns anos depois de escrever A Encantadora de Serpentes vieram à luz dois livros de poemas: Paixão Desmedida e Cânticos de Amor ao Amado. O primeiro foi escrito durante um mês, na Europa , em plena primavera. Como produzir literatura triste e cheia de dor, quando se está rodeada de tanta beleza florida, de bosques belos, céu azul, brisa doce brincando nos cabelos?
Outra lição que a literatura nos dá é sobre o dinamismo da vida, de tudo. Não há dor que não se acabe, nem atestado de garantia da felicidade. Assim, a filosofia de Horácio parece ser mais sábia. O Carpe Diem: aproveite o momento, viva à exaustão todo minuto do presente, quando a vida lhe presenteia com algum mimo, com alguma surpresa boa, alegrias. Tudo é célere, efêmero, falaz. Como o próprio homem.
Na página 77 do meu livro cinzento (a alma também estava...) há um poema com o título Buganvílias. As duas primeiras estrofes descrevem um muro branco, coberto de buganvílias "alegres, roxo-vivas, alvissareiras". As duas últimas são o retrato da tristeza: "Coloridas primaveras nos meus níveos muros, / murcharam rápidas, sem doces eflúvios, / céleres, efêmeras, desvanecidas... / Para onde foram minhas pobres flores? / Por que tanta solidão no muro vazio, / no branco vago desta insulsa vida?".
Olho para o passado triste, mas quem me consola é o presente poético, cheio de paz. A alma agradece.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
E-mail: elyvieitez@uol.com.br