ELY VIEITEZ LISBOA

Relendo o grande clássico

Por: Ely VIeitez Lisboa | Categoria: Cultura | 30-06-2017 21:07 | 985
Foto: Reprodução

No famoso Sermão da Sexagésima, Vieira ensina: "No pregador podem-se considerar cinco circunstâncias: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo, a voz. A pessoa que é, a ciência que tem, a matéria que trata, o estilo que segue, a voz com que fala".  Pretensamente, o ensinamento era para os pregadores, mas, na realidade, é lição sábia para professores, advogados, intelectuais e pais. 
Se alguém quer colher frutos, precisa ficar atento a estes itens. Integridade, sabedoria, conhecimento, estilo próprio e até voz forte e convincente. Afinal é ela que canaliza a mensagem, os ensinamentos. Após virá a lição maior, sem a qual jamais se obterá qualquer resultado; o exemplo.  "Palavras sem exemplo de vida são uma farsa, um sofisma. Como ensina Vieira, são tiros sem bala, atingem, mas não ferem". O que ensina é o espelho. 
A vida comprova uma realidade inquestionável. Caráter, tenacidade, capacidade de vencer, nada se obtém sem muito exercício e aprendizagem. Se enquanto for jovem, não se exercitou na seriedade responsável, não aprendeu a lutar e conseguir suas próprias vitórias, não assumiu a guerra do dia a dia, provavelmente será um fracassado. A vida o vencerá sem golpe de misericórdia.
Vejamos um exemplo no contexto. O nascimento de um filho é sempre algo assustador. Ele chega com uma carga genética desconhecida e sem Manual de Instrução. Se ele nasce inoculado pela preguiça, a luta será inglória. Não é casual que a Igreja coloca a Preguiça como mãe de todos os vícios. O preguiçoso é presa lerda, fácil de ser abatida. Quando muitos chegam ao final da corrida, ele titubeia ainda no começo.
Utópico, mas notável, se pudéssemos encomendar os filhos, com bula: como funcionam, características, que males podem causar. Indicações e contra-indicações; precauções, posologia (para orientação e educação); reações adversas: eles causam, às vezes, estados graves de confusão mental, nos pais. Cuidado com pais sem autoridade, permissivos, exageradamente emocionais. 
E os perigos não param por aí. A receita é boa, o Laboratório tem credibilidade e ótimas intenções. Por que desastres acontecem? Os medicamentos têm vontade própria. São eficientes apenas quando eles desejam a cura, querem que a terapêutica dê certo. Não acontecendo isto, podem se transformar em remédios letais, venenos que matam a união familiar, o ideal dos pais, os sonhos. 
Há algo ainda assustador. A ausência, a desunião, o mau exemplo, a falta de pulso ou o amor em exagero, aquele que cega e tudo permite, também estragam a receita. O amor exagerado não constrói; ao contrário, destrói. E os pobres pais, inconscientemente, não são carrascos ou culpados, apenas vítimas crédulas e desatentas. 
É quando Deus, vendo o resultado de sua obra, que deveria ser a Criação Maior, decepciona-se e se entristece. E com certeza, frustrado, infeliz, se fará a pergunta que todo pai e toda mãe se fazem, quando o filho é um parto da montanha: Onde foi que errei?
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
E-mail: elyvieitez@uol.com.br