A amizade é algo valioso. Tesouro imenso. Ter um amigo fiel é privilégio, é ser um assinalado. Desde infância surgem muitos a quem chamamos de amigos. Com o tempo, só os verdadeiros, os raros, permanecem. O amigo que se pode contar com ele, que nos ouve, que acalenta. Muito já se tentou comparar a amizade e o amor. São diferentes. O amor é egoísta, possessivo. Quando se ama alguém, há sempre, lá no fundo, uma ideia de posse, de feudo cerrado.
O amor assusta, é de definição difícil. Apesar de ser o tema mais cantado em poesia e prosa, às vezes o enfoque perturba.
Muito já se falou da possível diferença entre amor e paixão. Na verdade, um não prescinde da outra. Como comparar isto à amizade? Ela é antídoto, alívio, oásis contra os furacões da alma. O amigo oferece o ombro, o colo para o amante que sofre. É lago tranquilo, placidez.
A maior diferença entre amor e amizade é talvez que a segunda alimenta em nós o desejo de reparti-la com todos. Abrir o coração e dizer: Este é meu amigo, irmão, companheiro. Voltaire, amargo, venenoso, crítico, irônico, valorizava a amizade: "A amizade de um grande homem é um benefício dos deuses". Alguém capaz de ser um amigo leal torna-se grande. É qualidade excelsa.
Ora, há uma maneira simples de conhecer os verdadeiros amigos. Pelos caminhos da vida, os falsos vão desaparecendo e só ficam os leais. Outra maneira simples de conhecer um amigo é quando estamos em desgraça, quando a vida se torna amarga, luta renhida, ficamos doentes, pobres, fragilizados, infelizes. O amigo permanece ali, continua apoiando-nos, é mastro, alicerce, crê na nossa possível ascensão.
O que há de mais encantador na grande amizade é ela ser atemporal. Permanece fresca e inalterável, após décadas. Olha-se para o amigo e nem precisa dizer nada. O abraço diz tudo, as duas vidas parecem uma só. As dores, lágrimas, fracassos, alegrias, vitórias fundem-se. A essência das vidas é conhecida. Sabe-se sempre a história do irmão eleito, porque amigos, escolhem-se: você já lhe enxugou as lágrimas e riu com ele, partilhou de todas suas alegrias.
Quanto ao amor, já vi pessoas com medo de se apaixonarem, porque ele traz sofrimento, mudanças são difíceis ou um sentimento de pessimismo corrói suas almas. Evitam o lançar no abismo das possibilidades. Não jogam, não tentam, não ousam. Todavia, quando acontece o milagre do amor (é sempre um milagre) além de amantes, são companheiros, confidentes, parceiros, então, tudo vale a pena. São seres assinalados, ungidos pela felicidade. O perigo maior é não crer, rotular a vida como desgraça fatídica, os seres humanos como falsos, infiéis, mentirosos.
Sabe-se que o amor complexo é preâmbulo do inferno e as amizades falsas, vergonha entre seres humanos. Em contrapartida, só a possibilidade rara de um amor maior e uma amizade verdadeira faz a vida ser mais digna, gloriosa. Passar pela vida sem conhecer ao menos um desses tesouros, é não viver, é ser um simulacro, um fantoche, títere, marionete das forças escusas e misteriosas da existência.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora - E-mail: elyvieitez@uol.com.br