Há uma história infantil (cuidado com as histórias infantis porque elas têm grandes significados!), muito interessante, escrita pelo educador e escritor Rubem Alves. Fala de uma menina muito pequena e muito loira chamada Bianca.
Ela morava com seus pais numa casa grande, rodeada de grama muito verde e belas árvores. Vivia uma infância feliz, cercada pelo carinho dos pais e sem a menor sombra que pudesse preocupar sua cabecinha dourada.
Uma noite, porém, ela acordou com um barulho forte, como se fosse um rugido. Assustada, acendeu a luz e olhou para fora através da vidraça. Um arrepio correu pelo seu corpo: lá estava uma pantera negra muito bonita, muito reluzente, olhando também para ela!
Chamou pelos pais, que acenderam as luzes e foram até o jardim, revistando tudo, mas, nada de pantera.
- Foi um pesadelo, minha filha. Volte para a cama, faça uma prece que os anjos vão ajudá-la a dormir de novo! - Disseram eles.
Mas, a pantera não desapareceu. Apenas escurecia, Bianca ouvia seus rugidos, sentia suas unhas riscando a porta e às vezes a via do lado de fora, sempre olhando para ela de uma forma muito especial.
Ela desistiu de chamar seus pais, porque ninguém via nada nem ouvia nada. Era como se o assunto fosse com ela, apenas ela.
Pela primeira vez a preocupação passou a fazer parte de sua vida e às vezes sonhava com a pantera. No começo eram sonhos confusos, até que uma noite ouviu de maneira clara uma voz que dizia:
- Se você a chamar pelo nome ela entrará no seu quarto e ficará sua amiga. O nome dela é o inverso do seu.
A menina pensou bastante. Ela se chamava Bianca... E se invertesse as letras? Mas, não dava certo. Repentinamente, entendeu: se Bianca quer dizer branca, então a pantera deve chamar-se Negra!
Quando a noite chegou, ela estava pronta para o encontro. Apenas ouviu o primeiro rugido, chamou com voz clara e firme:
- Negra!
E a pantera surgiu em seu quarto, como se tivesse atravessado a parede, ou saído das sombras. E Bianca a abraçou fortemente: abraçou seus medos, seus desejos, aquele seu lado escuro que também fazia parte dela e clamava por ser aceito.
E se sentiu melhor, menos anjo, mas mais completa. Mais humana, mais mulher.