O mundo que se quer é o antônimo da vida que se tem.
Analise, inicialmente, se a assertiva é verdadeira ou falsa; se os argumentos provarem que ela não é mera falácia, detecte então as causas e as consequências de tal mazela.
Sonha-se em demasia, ou esse alimento da alma degenera com o tempo? Todo sonho se desfaz em ilusão, quimera. Não me crê, leitor? Acha-me pessimista, até niilista? Faça uma experiência: compute os mais belos episódios de sua mocidade. Naquele momento, a realidade é perfeita. O tempo, esse vilão, arranca as máscaras. O príncipe vira sapo, a paixão banaliza-se em amizade morna, o desejo desaparece. Machado de Assis, mais realista que o rei, diz que o casamento é o túmulo do amor. Como entender a aparente incongruência, se o escritor foi bem casado e amava a esposa? Por que todas suas heroínas (menos uma, secundária) são falsas, dissimuladas, mentirosas, verdadeiras femmes fatales? Será pelo fato que só elas são capazes de alimentar as fantasias, as paixões avassaladoras?
O problema é complexo. Todo grande amor é trágico. Acaba em separação e morte. Vejam-se os mitos, os filmes (os clássicos "Casablanca" e "O Morro dos Ventos Uivantes"). Imaginemos Romeu e Julieta casando-se, tendo filhos, netos. Foi-se a beleza da famosa história de amor. Ou Abelardo e Heloisa. Ele não é castrado, ela não vai para o convento. Vão morar juntos, formam família. A trágica história de amor banaliza-se. Assim são os casos de Hipólito e Fedra, Dante e Beatriz, Dirceu e Marília, Tristão e Isolda, Orfeu e Eurídice, com seus amores infelizes, fatais, eternos. O preço do grande amor é a impossibilidade dos amantes ficarem juntos para aplacar a fome e sede que um tem pelo outro. Os que conseguem a sonhada união veem a tórrida paixão corroída pelo tempo, pela rotina, pelo dia a dia da mesmice morna.
Há ainda a problemática do binômio corpo e alma. O primeiro exige saciedade; a segunda alimenta-se de infinitos. Como conciliar extremos, contrários?
Desde a Idade Média, os poetas já cantavam esse dualismo: de um lado, a companheira, com quem tinham filhos, procriavam; do outro, o amor inatingível e platônico por uma mulher proibida, inalcançável. E então o folclore enriquece: o primeiro beijo, o primeiro amor, o (a) namorado (a) da adolescência, da juventude. A mais leve brisa da realidade destrói o devaneio.
Muito já se falou que não existe felicidade, mas momentos fortes, inesquecíveis. Há que vivê-los à exaustão, porque são efêmeros. Talvez seja a Síndrome de Sísifo. Desejo realizado, sonho substituído. E o ser humano, essa criatura gauche, passa toda a sua existência procurando a completude, mera fábula, até o momento final, a hora do desembarque, como diz o amigo irônico. Aí então cessam todas as perquirições, esfumam-se os mistérios __ falácias inventadas por nós, para dourar a pílula do lógico e insulso ponto final: o nada.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
E-mail: elyvieitez@uol.com.br