(*) Ely VIeitez Lisboa
Lecionei cinquenta e dois anos, em várias Escolas. Inclusive no Acre, durante um mês, na Década de Setenta. É uma vida profissional repleta de fatos, episódios, incidentes bons e ruins, alguns pitorescos, vários notáveis, uns que prefiro esquecer, outros que ficarão para sempre na memória.
Não tenho o hábito de ficar relembrando-os, desfilando o passado como um filme em reprise. Prefiro deixar as lembranças adormecidas no seu tranquilo reino pretérito.
Há, no entanto, alguns episódios que amo recordar. Eles vão e voltam, renitentes; embora simples, são lembranças recorrentes que, por alguma razão, não são esquecidas.
Era uma sessão de Laboratório de Redação para Vestibulandos. O tema político pedido já fora discutido antes, à exaustão e agora era o momento difícil para se organizarem as ideias e fazer a dissertação.
Na minha frente, um jovem penava para redigir a tese inicial de seu texto. De repente, levantou-se e veio me mostrar o caderno. Surpresa, vi que ele não escrevera sobre o assunto proposto, mas fizera dois versos líricos belíssimos. Olhei para ele e sorri. “Meu querido, esqueça de sua dissertação. Você acaba ser iluminado pela inspiração poética que, como uma borboleta branca, pousou em sua testa”. Toquei em sua cabeça com carinho e mandei-o para o fundo da sala, terminar seu poema. Alguns dias depois, o jovem poeta me disse que fora o dia mais lindo de sua vida.
Outro episódio aconteceu na mesma Escola. Um dos alunos, nosso herói de dezoito anos, era lindo; descendente de japoneses, chamavam atenção seus olhos escuros amendoados, a face sempre séria. Um dia mostrou-me, com timidez, um pequeno poema que fizera. Li os versos, que eram muito ruins. Dei-lhe alguns conselhos sobre a linguagem figurada.
Muitos meses depois, ele me mostrou outro poema seu. Encantada, li a pequena obra-prima. Que acontecera? Ele, sério e lacônico, nada respondeu, mas depois eu soube que ele se apaixonara por uma linda colega de classe. A vida, no entanto, nem sempre é bela. A doce Capitu deixou o nosso herói por um jovem rico, que ia buscá-la todas as tardes em um BMW. O preterido nissei sofreu muito, durante meses. Temperado pelo sofrimento de amor, ele escreveu lindos poemas e, mesmo sem o saber, enfatizou a teoria de Gide, que não há obra de arte sem a colaboração do demônio.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
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