O MELHOR
Vira e mexe volto a Paulo Francis, não porque comungue de suas ideias, mas porque durante muitos anos ele foi o melhor texto do jornalismo de cultura e comportamento do Brasil, o que não é pouca coisa. Sua história é ainda mais fantástica. Não teve filhos e era monogâmico daqueles que nem olhavam bundas pela rua, vivia com a mulher e um gato em Nova York. No fim da vida, participava de um programa de variedades da Globo, o “Manhatan Conection”, onde desancava todo mundo. Era um iconoclasta. Também escrevia colunas semanais pro Globo, Folha e Estadão. Morreu bestamente. Formigavam-lhe os braços. Seu médico americano de confiança, talvez para garantir que medicina ruim não é privilégio do terceiro mundo, lhe garantiu que era uma bursite. Em dois ou três dias morreu de infarto fulminante.
A IMPORTÂNCIA DO EDITOR
Lembro do Francis por dois motivos fundamentais. O primeiro foi uma briga dele, já famosa. Muito amigo de Tônia Carrero e do então marido da diva, o ator e cineasta italiano Adolfo Celi, foi traído por um fofoqueiro que os jogou uns contra outros. Magoado com um boato maldoso que imputavam a Tônia, foi para a máquina de escrever e a defenestrou. Disse até de sua honra, em um ímpeto. Publicada a matéria vingativa, encontrou no dia seguinte com o marido dela, que lhe presenteou com um murro na cara. Passada a fúria, voltaram a se falar e Francis ouviu de Rubem Braga (que não gostava dele) uma lição da qual jamais se esqueceria: ao receber a matéria dele que ofendia à amiga, um bom editor a guardaria para o dia seguinte, esperando Francis esfriar o sangue, para só depois perguntar se tinha certeza que era para publicar. Teria resolvido tudo. A falta de pessoas com bom senso também existe na imprensa. Já naquela época.
A BURRICE MILITAR
Outro fato importante se deve à atual briga entre esquerda e direita, inclusive para definirem-se e aos seus limites. Paulo Francis foi vítima disso. Em plena década de 1970 e no governo Médici, auge do regime militar, se dizia comunista trotskista. Não era coisíssima nenhuma. Sempre foi um empedernido, janota, que detestava a pobreza e tudo que significasse o Brasil tupiniquim. Era o menos brasileiro dos brasileiros e se orgulhava disso. Queria que esquerda e direita se lixassem e morressem abraçadas. Já sonhava em morar no exterior e fugir deste cafundó desgraçado (aos olhos dele). Mas não é que um belo dia falou mal de um general em sua coluna? Foi preso e aquartelado e assim ficou por quatro longos meses. Acharam-no comunista por conta disso. O grande problema do regime militar era este: não se compunha de homens letrados, brilhantes e cultos. Eram carregadores de piano sem pianista, como o meio campo da seleção brasileira do Lazaroni, em 1990. Este era o regime militar que manteve Francis preso longo tempo por conta de uma gracinha, tanto que foi embora do país ao ganhar a liberdade, pros EUA, e por lá ficou, felicíssimo. Perguntaram-lhe se foi torturado. “Claro – respondeu – o carcereiro ouvia Wanderléia no rádio todo dia. Quer tortura maior que essa?” Saudades suas, Francis. Você era autêntico.
OS DIAS NÃO ERAM ASSIM
Estudantes, não acreditem em minissérie da Globo. Os dias de regime militar não eram como são pintados atualmente por um desses folhetins. Não se prendia e arrebentava só por pensamento político. A esquerda podia fazer oposição e fazia, de fato. Só a esquerda armada era combatida. Houve desvios, covardias, desmandos? Claro que sim. Era guerra. Mas se trataram de exceções. Tenho exemplos vivos disso. De Geraldo Vandré guardo reportagem em que desnuda a esquerda, acha-a prepotente e afirma que saiu do Brasil porque quis. Não foi torturado ou exilado. Meu velho pai era comunista, falava isso aos berros, participava de passeata e nunca buliram com ele. Meu bom amigo Heitor de Pedra Azul, músico e comuna, cansou de tocar e cantar e fazer teatro contra a ditadura... em plena ditadura! Por favor, não acreditem nas besteiras da dramaturgia. A história, contada pelos vencidos, sempre tem uma narrativa tortuosa e falha.
O DITO PELO NÃO DITO.
“Estou sempre disposto a aprender, mas nem sempre gosto que me ensinem.” (Winston Churchill, estadista inglês).