Sempre fui contra fazer terapia. Preferia trabalhar eu mesma com meus problemas, meus bichos do sótão. No final de 1973 e em 1974, no entanto, tragédias nefastas caíram sobre mim, de maneira absurda e inesperada. Muito infeliz, meio tonta e desorientada, virei pedra: briguei com Deus, não conseguia rezar, nem chorar.
No início, eu me fiz de forte. A vida era madrasta? Pois eu aguentaria a minha cruz. Após alguns meses, senti que enfraquecia, era tomada por uma tristeza sem remédio. Resolvi procurar um psiquiatra, em busca de apoio. Escolhido o mais famoso da cidade, optei pela Terapia de Grupo.
No primeiro dia, gostei de meus companheiros de infortúnio. Eu não conhecia ninguém ali e isto era bom. Logo na primeira sessão, um choque. O psiquiatra perguntou a um jovem por que ele estava calado e não participava. A resposta inquietou-me: Fui aluno da professora Ely; ela era inteligente e muito lúcida. Agora está aqui, de cabeça podre como a nossa?
O rapaz sumiu do Grupo e as sessões continuaram. Algo, todavia, causava-me estranheza: na sala de espera, minhas companheiras contavam coisas terríficas, violentações que sofriam, aberrações que seus maridos e companheiros exigiam. Quando se iniciava a sessão, vinha a pergunta costumeira, individual: Aconteceu algo grave, recentemente?
Abismada, eu ouvia mentiras e dissimulações. "Não, está tudo bem... Tive visitas encantadoras"... A farsa me exasperava. Aquilo era uma sessão de Grupo?! Criei coragem e disse ao médico: Por que o sr. não traz chá e bolachinhas para estes encontros sociais?
Antes que ele respondesse, virei a mesa. Apontava nominalmente para cada uma e delatava o horror que ela contara da antesala. E fulana? Olhe a cara de fantasma, fazendo-se de vítima! Por que usa esta máscara de infeliz? Por que não fala a verdade?
Foi um furor. Todas se atacavam, vomitavam seus problemas abjetos, xingavam, berravam. Foi a melhor sessão de todas. Era assim que eu imaginava os encontros, em carne viva e fogo.
Fui convidada a sair do Grupo. O psiquiatra explicou-me que as reuniões atingiriam aquele estágio, só dali uns dez anos... Se eu quisesse, poderia fazer terapia individual. O convite era atraente, mas o preço proibitivo.
Nunca mais consultei um psiquiatra. Descobri a função catártica da Literatura. Ela foi uma bênção muito eficiente. Lembrei-me, então, do que dissera um grande escritor francês: A boa literatura não se faz com bons sentimentos. Não há obra-de-arte sem a colaboração do demônio. Comecei a conviver com os bichos de meus porões e descobri que nosso subconsciente é a matéria mais rica a ser explorada. O único problema real é o desnudamento. Quem não tem coragem de ir até as profundezas de nosso EU obscuro, não escreva. O texto será róseo e frouxo. Coisa de adolescente. A boa literatura não admite isto.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora
E-mail: elyvieitez@uol.com.br