CRÔNICA HISTÓRICA DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO:

Retorno aos tristes tempos da escravidão

Por: Luiz Carlos Pais | Categoria: Cultura | 30-08-2017 10:09 | 23641
Foto: Reprodução

No dia 2 de junho de 1885, o jornal Liberal Mineiro, de Ouro Preto noticiou que Vicente Maria Calafiori havia tomado posse como o novo delegado de polícia de São Sebastião do Paraíso, na vaga decorrente do falecimento do delegado Manoel Ferreira de Menezes. Membro de uma das primeiras famílias italianas que fixaram residência na cidade, na década de 1870, Vicente Maria, irmão de Braz e Ângelo Calafiori, deixou seu nome na história, como delegado enérgico e pelo seu empenho em combater a violência que amedrontava a população paraisense daqueles anos. 
Faltava pouco tempo para a abolição da escravidão e mesmo assim o sensato delegado não se omitiu em abrir processos criminais contra patrões que persistiam na prática de violência contra seus escravos. Pelo menos um desses casos ficou registrado na imprensa nacional. Por outro lado, crime algum era tolerado, mesmo que fosse eventualmente praticado por um escravo ou alfor-riado. Foi o aconteceu com João Antônio, um ex-escravo de Thomé Pimenta de Pádua, acusado de cometer um crime. Entretanto, não suportando a dureza do cárcere, na noite de 29 de agosto de 1887, o ex-escravo cometeu o desatino de por fim à sua própria vida dentro da prisão. 
Na noite do ocorrido, a população testemunhou um terrível acontecimento na cadeia pública. O preso conseguiu pegar um lampião a querosene e despejando o combustível em suas próprias roupas e no colchão de palha, colocou fogo, vindo a falecer dois dias depois, nas próprias dependências da cadeia. Este fato foi publicado no Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, em 13 de setembro de 1887.
Alguns dias depois, outro triste episódio ocorreu na mesma cadeia. Na noite de 21 de setembro, por volta da meia-noite, os presos se rebelaram e conseguiram fazer um guarda refém. Uma grande algazarra se fazia ouvir a vários quarteirões. Uma medida extrema foi tomada para conter os rebeldes, um grupo de “ajudantes informais da polícia” atirou grande quantidade de cal moída sobre os presos para tentar asfixiá-los e, assim,  fazê-los desistirem da rebelião. Foi preciso muita habilidade do delegado para conseguir reestabelecer a ordem no cárcere, conforme noticiou o Diário de Notícias, Rio de Janeiro, em 5 de outubro de 1887. 
No mês seguinte, um cafeicultor do município anunciou num jornal carioca que estava vendendo sua fazenda de 300 alqueires de terra de cultura superior, com bons pastos e produzindo 5 mil arrobas de café e com lavoura nova para aumentar a produção. A casa de moradia da fazenda estava em sofrível estado de conservação, mas estava dotada de engenho de cilindro para cana, máquina de beneficiar café, moinho, monjolo, paiol e muita água. Quando à localização, anunciou que a propriedade estava no melhor lugar até então conhecido para a plantação de café do Brasil, conforme publicado na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1887.
Outro triste episódio ocorrido nos últimos anos da escravidão, nos domínios das fazendas de café, diz respeito às agressões sofridas, covardemente, pelo escravo Adão. Após ter sido espancado pelo feitor da fazenda, o escravo, mesmo com o corpo repleto de feridas, teve a dignidade de recorrer à autoridade policial para pedir justiça. Consta que o delegado Calafiori mandou fazer os devidos laudos médicos, com os quais montou o inquérito policial enviado à Justiça, mas, depois de 130 anos, tais documentos devem estar ainda arquivados no organizado fórum da comarca local. Esse caso foi noticiado no Liberal Mineiro, de Ouro Preto, em 7 de outubro de 1885.