Em São Sebastião do Paraíso, existem cerca de oitenta portadores do vírus da Aids (Síndrome da imunodeficiência adquirida) confirmados e que fazem o acompanhamento pelo SUS. O que muita gente desconhece, é que esse número representa apenas uma pequena parte dos soros positivos existentes na cidade. Muitas vezes por medo, vergonha ou até mesmo ignorância as pessoas deixam de procurar assistência médica. O jovem portador André (nome fictício para preservar sua identidade) aceitou falar ao Jornal do Sudoeste, comentando suas expectativas e perspectivas de futuro.
Nascido em Itapira, Estado de São Paulo, no ano de 1972, André teve uma infância difícil e uma adolescência problemática. Conta que se envolveu com drogas aos dez anos de idade, adquirindo o vírus através das inúmeras injeções de cocaína a que se submeteu durante os dezessete anos em que foi um viciado.
"Houve uma época em que pensei em fazer o exame, mas tive muito medo. Foi só quando tive uma inflamação no pescoço, seguida de tuberculose e hepatite C, que resolvi fazer o teste, confirmando a minha suspeita", relembra.
A partir de então foram seis meses de extremo sofrimento, onde André não contou com o total apoio da família. "Meus pais até que tentaram ajudar, mas durante todo o tempo os meus irmãos me humilharam com todo o tipo de xingamentos e cobranças", comenta o lavrador de vinte e nove anos, residente numa fazenda em Paraíso desde 2001.
Mergulhado numa crise depressiva, André chegou a tentar o suicídio. "Pensei que não ia adiantar mais nada viver, que eu ia morrer mesmo. Só com o tempo entendi que Deus não faz nada por acaso e que se isso havia acontecido comigo, era porque eu tinha a capacidade de superar e seguir em frente", afirma.
Morando hoje com mais dois colegas de serviço e consciente da necessidade de um tratamento regular, André procurou um acompanhamento médico e desde então vem à cidade uma vez por mês para fazer exames de rotina. "Faz quatro meses que a minha carga viral está controlada e bem abaixo do normal. Me sinto bem e trabalho normalmente", ressaltou.
O lavrador conta que tem uma filha de 10 anos morando em Itapira. Ela não tem o vírus. Contudo quando questionado se ela sabe da doença do pai, André disfarça e diz esperar que ela cresça um pouco mais. Desconcertado, confessa que na verdade "tem muito medo de ser rejeitado por ela".
O jovem soropositivo procura não se envolver em novos relacionamentos de ordem amorosa e afetiva. "Até mesmo com os meus amigos passei por uma fase delicada antes de resolver contar que sou um aidético. Hoje, convivemos bem e sempre que posso aconselho-os a cuidarem de sua saúde, usando sempre preservativos e evitando mexer com drogas", comentou.
Alegre e muito otimista, André comenta que recebeu uma nova vida, onde passou a enxergar o mundo e as pessoas de uma maneira melhor. "AIDS não é motivo pra se desesperar, basta procurar um médico e se tratar. Tomando a medicação correta, não há a cura, mas o controle da doença", salienta o lavrador vinte dois quilos mais gordo desde que abandonou a cocaína em 1999.
Apoio da saúde pública
Quem necessita de tratamento ou gostaria de fazer o exame para saber se é ou não portador do HIV, pode procurar o Ambulatório do Pronto Socorro Municipal. De maneira sigilosa e discreta, é oferecido desde os exames de carga viral (CD4), até todos os componentes da medicação anti-retroviral (coquetel).
O médico infectologista José Carlos Costa Júnior, desde fevereiro à frente deste segmento do Ambulatório lembra que o Brasil é um modelo de assistência ao soropositivo e que sua tecnologia é exportada para diversos países.
O infectologista acredita que a conscientização da população vem causando uma diminuição do preconceito, mas afirma que a discriminação ainda existe. Uma das maiores mudanças que aponta no comportamento da sociedade é a forma de encarar a doença que segundo José Carlos, é bem mais realista. "A Aids tornou-se uma doença crônica, antes achava-se que quem tinha o vírus ia morrer. Hoje não é mais assim. Pessoas soropositivas têm um convívio social normal. Freqüentam escolas, trabalho e clubes naturalmente", afirmou.
Atualmente, há um grande número de pessoas infectadas e que não sabem. "As pessoas que alguma vez ou de alguma forma se expuseram à uma situação de risco, tiveram relação sexual sem preservativo ou compartilharam seringas não descartáveis, por exemplo, devem procurar assistência médica e fazer o exame. Quanto mais cedo se descobre a AIDS, mais fácil se torna combatê-la de maneira a adquirir uma vida absolutamente normal", ressaltou.
O exame de HIV é realizado através de uma amostra de sangue. Gratuito e anônimo, é identificado através de uma senha, de maneira que a identidade do paciente é preservada.
Para José Carlos, é importante enfatizar nos meios de contágio da doença, que além dos já citados acima, compreendem também o aleitamento materno. "AIDS não se pega freqüentando o mesmo clube, nem um abraço, utilizando o mesmo copo ou banheiro", salientou.
A pior forma de doença é o preconceito. André, um homem absolutamente normal e saudável que já sofreu discriminação é prova disso. "E necessário que as pessoas aprendam a respeitar mais quem tem o HIV. Não quero fazer mal a ninguém, quero apenas viver normalmente sem ter vergonha da minha própria filha", concluiu.
Elezângela Aparecida de Oliveira- P.A.J.