Aquele momento em que o paciente está ali na mesa de cirurgia pronto para os procedimentos recomendados é proporcionado pela ação do anestesiologista. O profissional é responsável por deixar a pessoa que vai passar pela cirurgia em um estado onde há ausência total de dor, mas que é acompanhada pela ausência de outras sensações. Este é o trabalho do médico anestesista Gustavo Souza Machado que do alto de sua juventude acompanhou de perto todos os passos para a construção do Hospital Regional do Coração, em São Sebastião do Paraíso. Foi tempo necessário para que ele entrasse na faculdade, se formasse e depois fizesse residência e especialização na área que escolheu para trabalhar e ajudar a cuidar e salvar vidas.
Durante a entrevista na sala da direção da Santa Casa, Gustavo contou em detalhes como viu nascer o Hospital do Coração e o trabalho que ele desenvolve quase que diariamente no centro cirúrgico, o palco das ações. Filho do também médico e pediatra Jonas Machado, neto do saudoso farmacêutico João Machado, as notícias do projeto e da construção chegavam em casa nas conversas de pai e filho. “Quando isto estava acontecendo por volta de 1997, eu estava na faculdade e pensava: seria legal eu trabalhar em um Hospital do Coração”, conta.
Em 2003, Gustavo se formou e entrou para a especialização em anestesiologia e nutria o sonho. “Sabe quando vem aquele pensamento assim, se eu tivesse oportunidade de trabalhar no Hospital do Coração, trabalhar em uma cirurgia cardíaca, quer coisa mais nobre do que isso”, pensava. Quando ele terminou a residência o hospital continuava em construção e depois começou a funcionar. “Na parte nova teve início o serviço de Hemodinâmica, foi quando comecei”, narra.
“Começamos fazendo diversos atendimentos, uma série de cirurgias e que salvaram a vida de muita gente”, relata o médico recordando os primeiros desafios enfrentados. Naquele tempo segundo Gustavo havia menos recursos técnicos e passado algum tempo é que começaram a chegar os equipamentos e melhorou a qualidade de atendimento de toda equipe. “Muita gente duvidava que Paraíso fosse dar conta de colocar a parte de cirurgia cardíaca para funcionar, porque havia uma corrente muito forte que puxava para trás, como tem até hoje com pessoas que torcem e trabalham para dar errado”, afirma.
Uma das medidas adotadas para vencer a desconfiança foi a busca do fazer certo e procurar atuar próximo da perfeição. Depois de fazer especialização no Hospital São Francisco, em Ribeirão Preto (SP), onde já eram feitas cirurgias cardíacas Gustavo ficou quatro anos sem atuar, a não ser em alguns casos críticos, onde atendia como integrante da equipe da Santa Casa. Mesmo assim ele foi se preparando para atuar no HRCor. “Nesta preparação fiz estágio no Hospital Dante Pazanesi, com a equipe do doutor Isa, onde fiquei duas semanas para atualizar meus conhecimentos e me preparei para o grande dia”, explica.
A preparação para o início dos trabalhos no HRCor exigiu bastante dedicação. “Temos de pensar em tudo, tudo o que pode dar errado e termos a solução em mãos para todos os problemas que podem ocorrer. Temos de ser preventivos, ao ponto de quando o anestesista é bom o trabalho passa despercebido, ninguém nota sua presença e você fica como coadjuvante lá no cantinho”, explica. Do contrário, se algo dá errado ele é obrigado a interir, o paciente fica instável, ocorre sangramento, problemas respiratórios.
Ao pensar em todas estas situações é que ele se preparou intensamente. Na noite anterior ao primeiro procedimento os aparelhos e equipamentos foram checados exaustivamente. “Fiz uma foto do palco e o facebook nos recordou estes dias nos relembrando de como tudo foi preparado para iniciarmos e assim foi”, relembra. Havia muita tensão de todos envolvidos, desde a equipe de cirurgiões, quanto da parte administrativa do hospital. “Cada um deu o melhor de si e conseguimos entregar o paciente direitinho para a UTI e seguiu o fluxo da internação”, cita o médico.
Ele destaca que as ações para este tipo de situação precisam ser imediatas e precisas e todos funcionaram exatamente como o previsto. “Houve comunicação e interação entre os membros da equipe cirúrgica que souberam prover tudo o que foi necessário. Há um planejamento e não pode faltar nada, não pode chegar no meio da cirurgia e descobrir que algo importante não tem, então tudo e todos são importantes desde o anestesista, as equipes de enfermagens, os cirurgiões, o perfusionista, todos”, reforça. Gustavo compara que o procedimento é como um voo que inicia com a definição do ponto de partida e de chegada, mas que há uma série de situações antes do começo, durante e após a aterrissagem.
Questão importante não é o tempo e sim o funcionamento perfeito da equipe. Hoje o tempo das cirurgias foram reduzidos praticamente à metade devido à habilidade dos profissionais, mas cada situação deve ter um olhar particular. “Com o tempo todos vão ganhando know how, a equipe vai tendo a maestria. A preocupação não é o relógio e sim fazer todo o procedimento funcionar de maneira fluida”, ressalta Gustavo.
Por um longo tempo ele disse ter contado quantas cirurgias participou, mas depois isso deixou de ser uma questão observada. “Contei até 200 casos e isso já faz dois anos quando fazíamos de um a dois procedimentos por semana. Atualmente estamos fazendo quatro a cinco cirurgias por semana depois que retomamos após uma fase difícil, então o volume já é bem maior hoje em dia”, acrescenta.
UM FUTURO BOM
A questão de ser organizado, de querer ser o melhor aluno e a busca da correção nas atitudes são questões que sempre marcaram a vida de Gustavo. Ele se sentia feliz em ser assim e desta felicidade é que adotou o conceito de a cada dia ser melhor em aprender coisas novas. “Se você aprende uma coisa por dia para o resto da vida vou acumular aprendizado e aumentar o conhecimento e terei uma bagagem considerável”, cita. Outro fator também adotado foi o de sair da zona de conforto e não ter medo dos desafios, sempre em busca da superação.
Diante das metas estabelecidas e que estão sendo superadas o médico passou de o mais novo a coordenador da equipe. “Sempre procurei aprender, trazer coisas novas e o desafio é o que nos deixa vivo, nos tira da rotina e dá sabor à vida. A cirurgia cardíaca representa isso. Hoje olho para trás e vejo que não foi fácil”, comenta. Pelas suas mãos outros profissionais também ingressaram na equipe e estão atuando dentro dos mesmos conceitos. “Quem não está aqui, mas que fez residência aqui, está bem empregado através do aprendizado adquirido aqui então eu digo que estamos no caminho certo, fazendo as coisas certas”, anuncia.
Contudo, o médico ainda se diz surpreso com as reações das pessoas ante o temor da anestesia. “Temos o respeito com o paciente e dou a devida atenção a cada caso e situação”, opina. Para Gustavo ser o anestesista é algo desafiador e ao mesmo tempo gratificante. “Preocupo-me em fazer o correto e tenho consciência de que não sou Deus”, acrescenta. Ele sabe que há situações em que ele não tem o controle, “não podemos fazer milagres, há situações que são maiores que nós”, aponta.
Mesmo estando em um local confinado, onde o nível de cobrança é elevado e os riscos variam e que as chances de tudo dar certo são de 99,9%, ainda assim é preciso ser otimista. “Havemos de mentalizar de forma positiva. As vezes as pessoas chegam pensando que vão morrer e saem dali muito melhores, isso é o otimismo”, diz. Tem também a gratidão que é quando o paciente ou familiar o reconhece pelo trabalho exercido. “Lembro de uma vez no supermercado, estava de chinelos e bermuda e deparei-me com o esposo de uma paciente que veio me agradecer ao me reconhecer. Isso nem sempre acontece, não é todos os dias, até pelo nosso trabalho, mas as vezes ocorre”, aponta.
Há pessoas segundo o médico que depois relatam não terem sentido nada. “Que anestesia foi aquela, tive sonhos bons, não senti nada”, são alguns dos relatos que o médico disse já ter ouvido e que são gratificantes pelo serviço prestado. “O trabalho é de bastidor e às vezes passa a ser lembrado caso algo não dá certo, mas isso é um ou outro caso”, destaca. E o foco é atender bem. “Sabemos que a pessoa esta ali entregando a sua vida a nós e então procuramos fazer o melhor possível”, frisa.
Novos sonhos passam pela cabeça do anestesista que deseja um dia poder criar na Santa Casa um Centro de Referência de Tratamento da Dor. “É uma estrada nova, há todo um caminho a ser percorrido e aqui tem um potencial gigantesco para crescer ainda mais. Chegará um dia em que vão noticiar que fizemos o primeiro transplante renal aqui, para um transplante cardíaco seria necessário um upgrade, mas há condições”, anuncia.
Em continuação ele fala das apostas e das possibilidades e das metas para crescer cada vez mais e fazer do sonho uma realidade como ocorreu com o HRCor. “É o mesmo que abrir mais um caminho, quantas pessoas podem ser tratadas aqui. Somos maiores que as crises, acredito neste hospital e tudo é uma questão de ter foco”, acrescenta. Além do engajamento das equipes algo importante também assinalado por doutor Gustavo que é essencial é o abraço da comunidade para com as causas da Santa Casa.
Ele cita o exemplo do trabalho da equipe de intervenção que com seriedade está revertendo um quadro absolutamente negativo para outra realidade, possibilitando sonhos, realidade diferente e objetivos novos a serem alcançados. “O mundo é do tamanho dos nossos sonhos. Se você tem um sonho e apresenta os objetivos, para chegar nele, com trabalho e dedicação você chega onde quer chegar, é uma questão de tempo e de foco”, finaliza.