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Fernanda Mumic: o teatro como forma de humanização dos cidadãos

“A função da arte é incomodar, do contrário não faz sentido”
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 04-11-2018 21:48 | 1927
Fernanda é estudante de Direito e  vem se dedicando à produção cultural e ao teatro em Paraíso
Fernanda é estudante de Direito e vem se dedicando à produção cultural e ao teatro em Paraíso Foto: Rafael Reparador

A estudante de Direito, atriz e uma das fundadoras da Bacarte Cia de Teatro, Fernanda Silveira Mumic, é de uma geração de jovens que vem aprendendo a usar a arte como forma de protesto e, também, como forma de despertar nas pessoas a capacidade de questionar a realidade e de desconstruir padrões pré-determinados pela sociedade. Comunicativa e muito além do seu tempo, Fernanda ama atuar e, recentemente, dirigiu duas peças no primeiro festival de teatro da Bacarte: O rapto da cebolinha e O pagador de promessas. Filha mais velha do casal Luiz Henrique Mumic e Cláudia Mezêncio Silveira Mumic, têm outros dois irmãos, o mais novo, Luiz Henrique Júnior, de 14 anos, e a do meio, Flávia Mumic, mãe do mais novo membro da família: a recém-nascida Ana Elisa. Com apenas 22 anos, Fernanda, que se forma no próximo ano em Direito, diz que tem planos em continuar trabalhando com produção cultural e poder manter essa arte que, conforme destaca, tem sido sua vida. 

Jornal do Sudoeste: Como começou a sua história com o teatro em Paraíso?
F.S.M.: Eu faço teatro desde os 10 anos. Comecei no teatro por causa dos meus pais; ainda pequena foi diagnosticada com hiperatividade, aos 6 anos, e até chegar ao teatro eu fiz diversas atividades como pintura, judô, ballet, natação, futsal, vôlei e, então, conheci o teatro e nunca mais saí. 

Jornal do Sudoeste: Como foi sua infância sendo uma criança hiperativa?
F.S.M.: Eu não parava muito (risos), sempre fui “sem sossego”, podemos dizer assim, mas aprendi e sempre lidei muito bem com isto. Porém, tenho muita dificuldade em ficar sentada assistindo aula, mas consigo estudar sozinha e sempre fui muito autodidata. A hiperatividade nunca me atrapalhou a aprender, o que atrapalha é o fato de ter que ter a presença na aula e nem todo professores aceita ter um aluno autodidata, principalmente professores de Direito. Não tem necessidade de eu estar presente, mas é preciso que eu vá. Passei por isso a vida toda e, na escola, que você precisa estar sentado o tempo todo eu tive que aprender a me segurar mais. 

Jornal do Sudoeste: Foi no teatro que você encontrou uma válvula de escape?
F.S.M.: Sim. O teatro foi onde consegui ficar mais tranquila e aprendi a lidar comigo mesma, descobri o porquê eu existia, qual o significado de estar aqui. Desde pequena sempre soube o que eu queria fazer, porque não saber e saber demais pode ser um problema. Hoje estudo Direito, mas não é o que eu queira inicialmente, sempre quis muito estudar jornalismo, mas aconteceu. Hoje em dia, para mim é muito mais difícil terminar o curso do que para alguém que realmente gosta e se dedica àquilo, porém, acho o Direito muito necessário e acredito que não deveria nem ser uma faculdade, mas um curso básico para todas as pessoas para que elas tenham conhecimento dos seus próprios direitos, do que pode e o que não pode. Acredito que é um curso muito útil.

Jornal do Sudoeste: Terminando a faculdade, pretende estudar o que você queria?
F.S.M.: Estou pensando em algumas possibilidades, mas quero continuar estudando e fazer um mestrado, mas paralelamente quero me dedicar mais à produção cultural, não sei ao certo, mas também tenho a opção de prestar algum concurso público, que é a opção de todo estudante de Direito no Brasil, mas tendo em vista a realidade do país, é mais fácil eu pensar em concurso do que em um mestrado.

Jornal do Sudoeste: Como tem sido trabalhar com teatro no município?
F.S.M.: Voltei este ano para Paraíso, até então eu estava em Passos e não consegui ficar longe do teatro. Já tínhamos a Bacarte, que foi fundada em 2015, então decidi voltar para desenvolver a Companhia de Teatro. Decidimos abrir um núcleo de formação de atores para ensinar o nosso jeito de fazer teatro. Conseguimos alguns alunos e desde então estamos trabalhando. Em janeiro deste ano resolvemos trabalhar com produção cultural e promovemos o Festival do Baú, no meio do ano fizemos a Feira Cultural, em julho e, recentemente a temporada de teatro. Trabalhar com teatro em Paraíso tem sido muito gostoso porque foi aqui que eu aprendi. É onde eu me encontro.

Jornal do Sudoeste: O teatro tem crescido em Paraíso?
F.S.M.:  Muito, há alguns grupos atualmente no município e as pessoas têm montado mais grupos de teatro e vejo isto como algo muito positivo porque a cena teatral se faz com vários grupos de teatro e não com apenas um, despertando na população o gosto e o desejo de ir ao teatro, e sentimos falta de um pouco desse incentivo por parte desses cidadãos em acompanhar esses artistas paraisenses.  Todavia, entendemos que é uma questão de costume e que somente agora, de uns anos para cá, é que está começando a ter mais temporadas de teatro e grupos teatrais e acredito que nos próximos anos vamos ver isso aumentar.

Jornal do Sudoeste: Qual a importância do teatro para você?
F.S.M.: Foi o meio em que me transformei em pessoa e aprendi a ser gente. Muito do que sei, claro que junto ao que aprendi com meus pais e na escola, foi moldado pelo teatro. Lidar com arte é muito legal, é onde você se encontra, é onde você sempre lida com muita emoção, com muita intensidade, com críticas, com disciplina. Como entrei muito nova nesse meio, o teatro se tornou parte da minha vida, uma peça essencial. Quando estou muito estressada, subo no palco e fico relaxada. Toda vez que faço uma apresentação, sinto como se eu tivesse que estar exatamente ali. Porém, trabalhar com teatro é muito difícil por conta da questão financeira, muitas famílias não entendem justamente por isso. O teatro é muito desvalorizado, mesmo para aqueles que trabalham em São Paulo, considerado a capital do teatro em nosso país.

Jornal do Sudoeste: Para a população, é importante o papel do teatro?
F.S.M.: Muito, o teatro é um meio transformador; se ele mudou a minha vida, pode mudar a vida de outras pessoas. O teatro transpassa a ideia de uma só arte porque para montar uma peça é preciso de música, dança, figurinista, cenógrafo, artesãos e o próprio teatro com a poesia. Acredito que seja uma arte muito completa por reunir todas as artes. A população deve assistir ao teatro seja como forma de entretimento ou como forma de informação; a função da arte é incomodar, do contrário não faz sentido. Além disso, é importante para a criança, que desenvolve a imaginação dentro do teatro, aprende novas palavras e conhecimento, é como uma leitura.

Jornal do Sudoeste: Qual foi o momento mais marcante para você durante esses anos de teatro?
F.S.M.: Foram muitas peças marcantes ao longo dessa trajetória, mas uma em especial foi a primeira que fiz, que foi Cinderela, dirigida pelo Bruno Pessoni. Foi adaptado por ele e me recordo sempre desta peça porque foi a primeira vez que subi em um palco e gostei muito daquilo. As peças da Oficina de Teatro Sebastião Furlan também foram peças mar-cantes, uma dela foi “Bailei na Curva”, que tem como tema a ditadura militar e sempre gostei muito de história. Até então, não tinha tido tanto contato literal do que seria a ditadura e quando você faz uma peça teatral você estuda muito e foi uma emoção muito forte. Em 2016, apresentamos a primeira peça da Barcarte que foi “Barrela”, do Plínio Marcos, foi sensacional; é uma peça em uma cela de cadeia, com várias personagens femininas que traz como debate a opressão nos presídios e, mais do que isso, a opressão machista. Em 2017 fizemos a peça Relatos, é uma peça pós-dramática e foi um processo muito intenso em que tive que lidar com muita informação e muita emoção; relatamos histórias de mães que tiveram filhos mortos em penitenciárias em chacinas, sobre o medo das pessoas, homofobia, feminicídio e outros temas que nos afetava e afeta muita gente. Como artista, o trabalho que realizei e que me deixou muito orgulhosa foi o Festival de Teatro da Bacarte onde dirigi as peças “O rapto da cebolinha” e “O pagador de Promessa”. Foi um desafio gigantesco e muito difícil.

Jornal do Sudoeste: Você já escreveu para teatro?
F.S.M.: A minha primeira adaptação sai no final deste ano e é um Auto de Natal, que será dramatizado na Praça da Matriz nos dias 22 e 23 de dezembro. O que podemos adiantar sobre é que estamos trabalhando muito para poder abordar a fé de forma poética e atingir a todos, independentemente de religião. O mais importante que subir em um palco é poder atingir as pessoas com aquela arte. Estamos trabalhando muito para poder lidar com este tema.

Jornal do Sudoeste: Você acredita que é importante ter o teatro dentro da escola e fazer parte da formação do aluno?
F.S.M.: Eu acredito que seja importantíssimo porque o teatro ajuda na alfabetização já que você propõe textos que serão lidos, relidos, estudados; o teatro ajuda na questão da socialização referente à timidez, ajuda no aprendizado já que ensina aquele aluno a estudar o texto a ser apresentado, porque não é apenas decorar o texto, já que mesmo decorando se você não conhecer a peça e souber do que se trata e na hora de apresentar esquecer, não terá a mínima noção do que está acontecendo. O teatro te ensina a estudar e o vejo como um braço direito da educação.

Jornal do Sudoeste: Você acredita que a escola é o local de debate?
F.S.M.: Sim, a escola é o local de debate. Acredito que se não acontecer o debate dentro da escola a criança, o adolescente e o próprio adulto na faculdade, perde o senso crítico. A escola é, sim, um local para obter conhecimento, mas para você agregar conhecimento você precisa de outros conhecimentos e qual a melhor forma de obtê-los se não pelo debate e troca de ideias diversas? Acredito que o mais legal do debate é você trocar ideias e conseguir chegar ao seu pensamento. Não acredito que o senso comum leva alguém a algum lugar e a escola sem o debate leva ao senso comum. O debate incita exatamente isto: o afastamento do senso comum e o debate fomenta essa interação e troca de conhecimentos são primordiais para o desenvolvimento da pessoa.

Jornal do Sudoeste: Há algum artista que você admira, em especial?
F.S.M.: Há vários, e a cada fase da vida um artista de marca de uma forma diferente. Porém, a Fernanda Montenegro tem uma frase que me fez voltar para Paraíso este ano. Ela fala que se você quer saber se gosta do teatro, você tem que largar ele, assim, se você realmente gostar do teatro você vai sentir falta e fazer de tudo para voltar para o palco, do contrário, se ver que terá dificuldade e que não será legal, você não precisa fazer teatro. Foi exatamente isto o que me aconteceu, eu sentia falta e queria voltar a trabalhar o teatro e desenvolvê-lo aqui em Paraíso: aqui eu consigo levar uma peça à zona rural, consigo colocar a Apae dentro do Teatro Municipal, consigo fazer do jeito que eu sempre quis e dentro da minha cidade o que é ainda mais gratificante.

Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz desses 22 anos?
F.S.M.: Eu fiz muita coisa que eu queria fazer e ainda falta muita coisa a ser feita. Brinco que até os 30 anos eu quero viver a 120 km/h e depois eu paro. Gosto muito de novas sensações e emoções e estou sempre atrás do novo. Já me aventurei muito em tudo o que me envolvi e sofri consequências, errei bastante, mas também aprendi. Acredito que as pessoas, mesmo nas situações ruins, você tem que tirar um aprendizado daquilo e é o que faço: enxergar o que eu posso levar de bons e aprender com essas situações para minha própria evolução e acredito que seja este nosso objetivo aqui na terra: buscar a evolução enquanto pessoa, enquanto ser humano. O quanto nós podermos amar as pessoas, ter empatia, ajudar as outras pessoas a se desenvolverem também, acredito que seja esta a função da vida. Vejo esse meu balanço com um salto positivo.