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Sebastião Junior: superando obstáculos por amor à vida e à natação

“Nunca desista e tenha fé”
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 04-02-2019 09:41 | 3587
Sebastião é educador físico e hoje disputa campeonatos de paranatação
Sebastião é educador físico e hoje disputa campeonatos de paranatação Foto: Nelson P. Duarte

O professor de educação física e atleta, Sebastião Silva de Carvalho Junior já passou por maus bocados ao longo dos seus 37 anos de vida. Sobrevivente de um acidente vascular cerebral (AVC), passou a dar mais valor nos momentos com a família e levar a vida de forma mais tranquila, serena e aprendeu a nunca desistir dos seus sonhos. Nadador desde a adolescência, já disputou diversos campeonatos profissionais e hoje é atleta paraolímpico. Filho mais novo do casal Sebastião da Silva Carvalho e Maria de Lourdes Gomes Carvalho, Tião é casado com a designer de objetos Andréia Regina de Oliveira Carvalho e pai do pequeno Felipe, de quatro meses. É orgulhoso que ele conta um pouco da sua história e deixa uma mensagem a todos que enfrentaram ou ainda enfrentam alguma dificuldade na vida: “Nunca desistam”.

Jornal do Sudoeste: como foi a infância e juventude em Paraíso?
S.S.C.J.: Morávamos próximo a Lagoinha, era uma rua muito movimentada por crianças; estudávamos meio período e depois passávamos o resto do dia brincando na rua. Tínhamos até um clube de futebol que se chamava “clube de futebol da ruínha”, eram muitos meninos e fazíamos disputas, os da rua de baixo com os da de cima, foi uma fase muito boa; era a infância de antigamente, que podíamos ficar na rua tranquilamente, não tinha muita preocupação. Estudei o primário do Noraldino Lima, fiz o fundamental no Paraisense e o ensino médio no Ditão.

Jornal do Sudoeste: Você já tinha uma relação com o esporte nesta época?
S.S.C.J.: Meu primeiro contato praticando um esporte foi na rua, jogando bola e brincando com outros meninos. Mais tarde fui treinar basquete com o Luiz Roberto de Oliveira, o Luizão, foram dois anos e meio e depois comecei a treinar futsal  com o Agnaldo Grilo Paschoali, o Tiguina, na Arena João Mambrini e a partir de então comecei a viajar para disputar campeonatos fora de Paraíso, mais profissionalmente. Todavia, dos 13 para 14 anos descobri que tinha um problema de coluna, escoliose, e quando passei pelo médico, na época o Dr. Bordini recomendou que eu fizesse natação; fiquei um pouco resistente e me recordo que minha mãe fazia natação em um projeto do Corpo de Bombeiros e eu a acompanhava, mas não tinha interesse, não gostava de colocar sunga, mas com o tempo passei a sentir interesse e procurei o Sesi, nos idos de 97, quando tinha 15 anos. Com dois meses, a Silmara me chamou para treinamento. Ao longo do ano participei de duas competições e me apaixonei pelo esporte. Foram 13 anos integrando a equipe de natação e participei de diversos campeonatos.

Jornal do Sudoeste: A partir daí você decidiu se formar como educador físico?
S.S.C.J.: Sim. Interessei-me pela área e quando terminei o Ensino Médio, prestei vestibular em São Carlos, mas não passei; senti-me um pouco desanimado e fiquei dois anos parado sem estudar, mas voltei a correr atrás e prestei vestibular novamente em Batatais, onde me formei em 2005. Ainda no segundo ano comecei a trabalhar na área, tinha conseguido um estágio no Gedor Silveira, onde fiquei 13 anos desenvolvendo atividades físicas para os pacientes. Em 2008 prestei concurso para a Prefeitura, passei e fiquei um ano dando aula no Campos do Amaral e, no ano seguinte, fui para o Alice Naves, onde estou até hoje. Em 2015 prestei novo concurso para a Secretaria Municipal de Esporte onde comecei a dar aula no projeto “Nadar”, que tinha somente uma professora, a Sandra. Reativamos núcleos do projeto que estavam parados.

Jornal do Sudoeste: Quais recordações marcantes você tem nesta trajetória com o esporte?
S.S.C.J.: Conheci muitos lugares e viajei bastante graças a natação, que se não fosse esse esporte talvez eu não tivesse a oportunidade de ter vivenciado aquilo tudo. Além disto, as amizades que fazemos por decorrência do esporte e que ficaram para a vida inteira; a vida é feita de fases e tenho amigos que fiz nessa minha primeira fase na natação e que se mantêm na minha vida até hoje, há mais de 20 anos. Também fui vice-campeão brasileiro de natação na categoria máster. Outro momento foi um problema de saúde que enfrentei, em 2015 sofrei um AVC.

Jornal do Sudoeste: Como aconteceu isto?
S.S.C.J.: Eu e minha noiva tínhamos acabado de construir nossa casa, íamos nos casar e fizemos uma viagem para Aparecida do Norte. Queria levar a chave para ser abençoada e agradecer essa conquista. Passamos na casa do meu irmão em Campinas e fomos para lá, onde ficamos o dia todo, assistimos à missa, fomos ao shopping e programamos nosso retorno. Sentamos em uma praça em frente à Basílica e eu deitei no colo na minha esposa para descansar e acabei cochilando cerca de 30 minutos. Quando acordei e chamei minha esposa para irmos embora, comecei a sentir uma dor de cabeça muito forte. Minhas vistas escureceram eu não sentia mais meu lado esquerdo. Minha esposa chamou ajuda e eu fui encaminhado para o Pronto Socorro, onde o médico suspeitou que fosse um AVC e tive que ser transferido para Guaratinguetá; fiquei cinco horas esperando uma ambulância e a situação se agravou muito nesse tempo. Chegando ao hospital, foi feita tomografia, que confirmou o AVC e fiquei internado na UTI por uma semana.

Jornal do Sudoeste: Como foi esse processo de recuperação?
S.S.C.J.: Quando me deram alta eu vim embora. Fiquei cerca de um ano e três meses afastado do trabalho; no início fiquei dois meses de cadeira de rodas, porque não conseguia andar. Porém, comecei com o tratamento, fiz fisioterapia e fui recuperando os movimentos aos poucos; durante seis meses me locomovia com auxílio de uma bengala e nesse tempo consegui uma vaga no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, onde fiquei um mês fazendo tratamento. Lá descobri que meu AVC foi ocasionado por uma má formação no coração que fez com que um coágulo de sangue fosse para a cabeça, ocasionando meu AVC. Atualmente tomo medicação, mas ainda preciso fazer uma cirurgia que é simples e até mesmo o Hospital do Coração de Paraíso faz.

Jornal do Sudoeste: Mesmo nesta condição, você passou em um concurso. Como foi isso?
S.S.C.J.: Na época eu tinha pensado em desistir, estava me locomovendo por cadeira de rodas, mas uma irmã insistiu para eu fazer, ligou na empresa responsável pelo concurso e organizaram para que eu pudesse fazer a prova, porque tive um prejuízo na visão e quando eu começava a ler, quando pulava para a próxima linha acabava me perdendo, então precisava de alguém para ler a prova para mim. Assim, arrumaram uma professora que lia e eu respondia as questões e, desta forma, passei em primeiro lugar. Quando tive alta fui convocado e assim que assumi reativamos o núcleo da natação na Praça de Esportes, um projeto que atendia a 100 crianças.

Jornal do Sudoeste: O fato de você ser atleta e ter uma vida ativa, contribuiu para sua recuperação e amenizar a gravidade do AVC?
S.S.C.J.: Foi muito grave e, um ano depois do ocorrido, quando retornei ao hospital onde fui socorrido, os médicos não acreditaram que eu fosse voltar a andar. O esporte me ajudou muito na recuperação, porque eu tinha uma memória muscular muito boa por ter feito muita atividade física ao longo da vida; a neurologista no Hospital Sarah, disse que fiz tantas atividades físicas que talvez fosse isso que tenha me salvado. Quem me vê hoje não acredita que eu tenha passado por isso, mas pensando em como eu estive naquela época, penso que tenha sido um milagre porque tem pessoas que nem voltam a andar.

Jornal do Sudoeste: De toda essa situação podemos ver a importância do esporte para a vida, não é mesmo?
S.S.C.J.: Sim. As pessoas pensam muito em estética, fazer atividade para ter um corpo definido e esquecem a principal importância que é a saúde e qualidade de vida. Hoje não penso mais nisso, mais na qualidade de vida que irá me proporcionar para os próximos 30 anos e também para me ajudar na minha reabilitação, porque estou sempre descobrindo movimentos novos que eu não conseguia fazer e transfiro isso para a minha vida. Todavia, as pessoas hoje não pensam muito nisto, em fazer uma atividade para prevenir uma doença ou ter uma qualidade de vida melhor no futuro. Depois que passei no concurso em 2015, também assumi o núcleo do Vida Ativa no São Judas, onde dou aulas para pessoas na terceira idade. Falo muito para essas senhoras que se todo mundo soubesse o valor que tem uma atividade física, iguais a elas que saem de casa para estar lá às 7h para ter aula, iríamos economizar muito dinheiro no que tange a essas questões referentes a doenças. Mas a maioria só dá valor depois que tem um problema de saúde.

Jornal do Sudoeste: Qual a importância do esporte para a formação da criança?
S.S.C.J.: O esporte forma o caráter da pessoa e no meu trabalho nos projetos e na escola, trabalho muito com jogos cooperativos onde para se atingir o objetivo uma pessoa tem que colaborar com outra e o grupo tem que se ajudar. Isso ensina as crianças a serem mais solidárias e a ter um convívio social melhor. Nos jogos competitivos nós ensinamos que ganhar é importante, mas também é importante saber perder e, assim, ensinamos as crianças a lidar com as frustrações. Acho que atingir os objetivos dos jogos cooperativos acaba sendo mais difícil que dos competitivos, porque o ser humano tem uma barreira um pouco mais forte para se ajudar, salva em caso de tragédias que o brasileiro é muito solidário neste ponto. Quando pensamos em política, as pessoas se dividem sendo que o Brasil inteiro passa por dificuldade e se todos se unissem... Enfim, quando trabalho jogos competitivos, os alunos ficam doidos porque todos querem ser os melhores individualmente e, de certa forma, há mais motivação, porém tenho que tomar cuidados porque há aqueles que têm dificuldade  e temos que fazer todo um trabalho de inclusão e motivação. Enfim, a importância do esporte na infância é justamente a interação social e a cooperação.

Jornal do Sudoeste: Sobre a natação: é um esporte que traz mais benefícios?
S.S.C.J.: Há estudos que apontam que a natação é um dos esportes mais completos que existem porque trabalha quase todos os grupos musculares do nosso corpo, além da concentração e memória e ser um trabalho muito importante de coordenação motora. Ainda, por ficarmos sempre de pé, ao passar para posição vertical na água, há um prazer maior, além de que as chances de se ter um lesão praticando esse esporte é muito menor. É um esporte recomendado a partir dos seis meses de idade para além dos 90, salvo em casos de pessoas que tem algum problema de ouvido ou sofre de convulsões, essas precisam de uma atenção maior.

Jornal do Sudoeste: Você também disputa campeonatos de paranatação; como foi isso?
S.S.C.J.: Foi uma nova fase na minha vida. Depois do AVC eu voltei a nadar depois de um ano, com a hidrot-erapia. Nesta época eu tinha um amigo, o Mário Giacchero, que trabalhava com educação física e se ofereceu para buscar e me levar ao Ouro Verde Tênis Clube; era duas vezes por semana, ele me buscava, me colocava na piscina, me ajudava nas atividades e me tirava da piscina – porque eu não conseguia entrar e sair sozinho –, e depois me levava em casa. Assim, voltei a nadar; na época fazia fisioterapia e já estava enjoado, porque era muito parado e eu gostava de me movimentar, nesta época falei para a minha fisioterapeuta que eu daria um tempo para voltar a nadar e nunca mais voltei para a fisio, fiquei somente na natação. Nesta época fui fazer um curso em Porto Ferreira, onde conheci um técnico de paranatação que tinha uma equipe em São Carlos; contei minha história para esse técnico e ele me deu uma oportunidade. Iria ter um campeonato no Centro Paraolímpico, onde ganhei três medalhas na minha categoria. Comecei a participar desses campeonatos e hoje sou bicampeão na prova de nado 100 metros de peito da categoria S9 (há uma classificação funcional de cada deficiência). No ano passado participei de jogos regionais e jogos aberto em São Carlos, onde fomos campeões neste último. Para este ano já recebi o convite para participar do “Circuito Caixa de Paranatação”, e em fevereiro e março participo da primeira etapa, são quatro no total. É um campeonato que serve de porta de entrada para o atleta que quer entrar no Centro Paraolímpico e que te abre outras portas, entre elas Sul-americano e Mundial.

Jornal do Sudoeste: Você teve medo de voltar a nadar?
S.S.C.J.: Medo não, mas tive desânimo porque levava um tempo muito maior para me preparar para o esporte, então cheguei a me afastar por um certo tempo; mas ai pensei que se eu parasse, não teria ganhos, e voltei, com isso fui percebendo que fui evoluindo. Hoje já não sinto esse desânimo, tanto que depois das aulas que eu dou, pratico um pouco, não passo um dia sem nadar, exceto aos sábados e domingos que tiro para descansar.

Jornal do Sudoeste: Você passou a encarar a vida de outra maneira depois do AVC?
S.S.C.J.: Sim. Mudou muito coisas e quando passamos por uma situação desta, passamos a ter outra visão da vida. Antigamente eu era muito preocupado com trabalho, tinha três empregos, além de alunos particulares. Eu pensava que estava novo e aquela era a época de ganhar dinheiro e depois que iria parar e descansar, e isso não acontece. Depois dessa dificuldade pensei sobre isso e no que adiantou correr tanto para acumular dinheiro, sendo que muito do que ganhei tive que gastar para me recuperar? Tinha uma frase que vi certa vez: “Gastamos parte da vida para ganhar dinheiro, depois gastamos o dinheiro para ter a vida de volta”. Isso mudou muito a forma como eu encarava a vida e passei a viver mais tranquilo e ter mais tempo para mim e aproveitar mais o hoje, principalmente agora que sou pai de um menino de quatro meses.

Jornal do Sudoeste: Qual a mensagem você deixa para as pessoas que passaram para um problema assim ou enfrentam alguma dificuldade?
S.S.C.J.: O que me ajudou muito na minha vida e eu usei bastante foi nunca desistir. Tudo o que estiver ao seu alcance e que pode te ajudar a melhorar a sua vida, vá atrás. Uma vez fui a um amigo nutricionista, que me ofereceu uma consulta porque aquilo me ajudaria e, nesta consulta ele disse que eu estava sendo um exemplo para muitas pessoas e, até então nem sabia disso, porque criei uma página onde publicava vídeos da minha reabilitação. Uma das pacientes dele, que tinha dificuldade para tentar emagrecer e estava desanimada, depois que viu um dos meus vídeos passou a se esforçar mais. Então a mensagem que eu deixo é esta: nunca desista e tenha fé.

Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz de toda essa trajetória?
S.S.C.J.: É um balanço de muita vitória; vivi e passei por muita coisa nessa vida. Meu pai foi caminhoneiro e minha mãe dona de casa e criaram sete filhos, todos bem encaminhados. Estudei a vida inteira em escola pública, consegui fazer faculdade, formar minha família, construir um nome (e todo mundo me conhece como Tião da natação). Aproveitei minha vida, errei bastante, aprendi com esses erros, tive problema de saúde grave, sobrevivi, voltei a trabalhar e hoje estou aqui, pai,  e só vejo vitórias na minha vida. Não tenho nada para reclamar, somente a agradecer a Deus.