O estudante Direito da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP/Franca), o paraisense Luiz Henrique Garbellini Filho, de 22 anos, conquistou uma bolsa de estudo na Universidad de Sevilla, na Espanha, onde desenvolverá pesquisa sobre o tráfico de mulheres. O estudante, que neste ano iniciou o quarto ano de curso, embarca no próximo dia 30 e em abril e maio desenvolverá sua pesquisa.
Conforme conta o jovem, a oportunidade surgiu graças ao apoio de várias agências às universidades do Estado de São Paulo em fomentar e financiar atividades científicas. Dentre elas, está a Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP) que, segundo ele, está entre as agências de fomento mais prestigiadas da América Latina.
"Desde o início da graduação, eu tinha o intuito de pleitear uma bolsa de pesquisa no exterior pela FAPESP, para que pudesse incrementar ainda mais a minha formação profissional e crítica. Para tanto, a pesquisa se fez presente desde o meu primeiro ano no curso de Direito, por meio de apresentação de trabalhos em congressos, participação de seminários de pesquisa e desenvolvimento de outros projetos", recorda Luiz.
Deste modo, o estudante conta que seu orientador, o professor Dr. Paulo César Corrêa Borges, auxiliou-lhe no contato com o professor Dr. David Sánchez Rubio, titular da Facultad de Derecho da Universidad de Sevilla, para que pudesse indicar à FAPESP quem seria seu supervisor no exterior.
"Foi um processo de quase um ano de elaboração do projeto e conversação com o professor David para estabelecermos os rumos da pesquisa e encontrarmos uma boa data para minha viagem. Em suma, houve muito trabalho e muitas horas dedicadas ao estudo e revisão do projeto, para que merecesse ser contemplado com uma bolsa de estudo na Espanha, por exigirem um alto grau de qualidade dos projetos", destaca.
Luiz Henrique conta que sua pesquisa é desenvolvida no campo do Direito Penal e que busca investigar maneiras de aperfeiçoar o combate criminal ao tráfico sexual de mulheres para garantia de seus direitos humanos. "O foco da minha pesquisa é a temática do consentimento, isto é, da concordância da mulher com o seu tráfico para exploração sexual, porque o fato da mulher concordar ou não com o tráfico é exatamente a base do crime", explica.
O estudante diz que o seu interesse pelo tema se deve, principalmente, à sua complexidade. "O consentimento nesse tráfico pode estar viciado, ou seja, sem a devida validade, por motivos de fraude, por exemplo. No nosso Código Penal, não há uma explícita menção se o consentimento válido da mulher é responsável por evitar a criminalização da conduta do tráfico sexual. Por conseguinte, o Poder Judiciário é um dos responsáveis por formar o entendimento jurídico sobre a questão do consentimento, pois os juízes e desembargadores têm, entre outras, função de interpretar e dar sentido às legislações", conta.
O estudante explica que e é sobre essa resposta do Judiciário que recai a sua pesquisa, já que ainda, segundo conta, não há uma posição consolidada sobre o tema. "Os posicionamentos existentes são passíveis de críticas substanciais, pois, muitas vezes, não estão em conformidade com a garantia dos direitos humanos dessas mulheres. Nesse sentido, a minha ida à Espanha será muito importante para que eu colete referenciais teóricos para fundamentar cientificamente as críticas contra as dificuldades da proteção aos direitos humanos das mulheres no combate ao tráfico sexual no Brasil", destaca.
EXPECTATIVAS
Conforme Luiz Henrique, ele ficará por dois meses estudando uma forma de melhorar o combate ao tráfico sexual às mulheres, o que, segundo aponta, será muito engrandecedor. Com o desenvolvimento do projeto de pesquisa na Espanha, ele espera agregar muito conhecimento para fundamentar seus trabalhos desenvolvidos no Brasil.
"Isso porque a biblioteca da Universidad de Sevilla é uma das melhores da Espanha e também da Europa, além do fato da Facultad de Derecho contar com mais de 500 anos de tradição. O desenvolvimento do projeto me permitirá ter contato com os professores e pesquisadores do mais alto gabarito, como o professor Dr. David Sánchez Rubio. Inclusive, em maio já está agendada a apresentação da minha pesquisa em um Congresso Internacional de Direitos Humanos a ser realizado na Universidad Autónoma de Madrid, também na Espanha", adianta o estudante.
Segundo o estudante, o projeto vai permitir que ele também estreite laços entre a UNESP/Franca com a universidade espanhola, contribuindo, portanto, para a internacionalização da sua instituição de ensino. "Por fim, os frutos dessa pesquisa poderão ser colhidos também no projeto que o nosso Núcleo de Estudos da Tutela Penal e Educação em Direitos Humanos (NETPDH) da UNESP - do qual faço parte - realiza em parceria com a Faculdade Libertas, de São Sebastião do Paraíso, pois desde 2018 realizamos oficinas de orientação sobre pesquisas em direitos humanos. Enfim, há muitos planos para serem construídos e muitas ações para serem efetivadas pelos próximos meses", ressalta.
O DIREITO
Luiz conta que começou a estudar Direito como um processo de autoconhecimento, mas, inicialmente, pensou em estudar Medicina. "A tarefa de optar por uma ciência a ser estudada por toda a trajetória profissional é complexa, porque demanda muito conhecimento das potencialidades e das capacidades de cada indivíduo. A verdade é que, em um primeiro momento, eu acreditava que gostaria de ser médico, tanto é que prestei o vestibular para Medicina e fui aprovado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)", recorda.
O jovem chegou a se matricular no curso, mas aos poucos foi percebendo que a sua personalidade e metas de vida eram relacionadas, sobretudo, ao Direito. "Isso porque a ciência do Direito depende que o indivíduo tenha um senso de justiça fortalecido e que se preocupe em solucionar problemas do campo social, cultural e político, já que o Direito deve ser compreendido como um instrumento de mudança social".
Reconhecendo que sua busca era em promover modificações na sociedade e auxiliar a população em situação de vulnerabilidade, o jovem se viu apaixonando pelo Direito. "Ainda, o meu interesse pelo Direito foi se revelando também nas aulas do Ensino Médio, porque eu também tinha muito interesse pelas Ciências Sociais, principalmente por Sociologia e por Filosofia. Por fim, prestei o vestibular para Direito na UNESP-Franca e na USP-Ribeirão Preto, sendo aprovado nas duas faculdades, mas optei pela UNESP-Franca por ser uma faculdade com maior tradição em Direito do que a USP-Ribeirão Preto", rememora.
Ele destaca que a ciência do Direito é muito ampla e abarca várias subdivisões, como Direito Penal, Direito Civil, Direito do Trabalho, entre outros e que, ainda, há vários métodos que podem ser utilizados para pesquisar, o que revela que a pesquisa no Direito pode abranger até mesmo entrevistas e estudos de campo - como visitas a presídios, por exemplo, para analisar as condições do cárcere.
"Por isso, cada pesquisa no Direito tem sua importância particular e seu objetivo específico. Especificamente, as pesquisas realizadas no campo do Direito Penal, com o método que utilizo, têm, sobretudo, função de denunciar e propor soluções sobre problemas na garantia de direitos humanos. Sabemos que o Estado é um dos responsáveis pela garantia de direitos fundamentais dos cidadãos. Entretanto, como se sabe, muitas vezes isso não ocorre", conta.
"Costumo fazer uma metáfora para entenderem a importância da pesquisa: a atividade do pesquisador é como "descortinar" uma sala que se encontra sem luz e com diversos móveis quebrados. Com essa ação de "descortinar", o pesquisador consegue identificar os problemas para, com a pesquisa, solucioná-los. Por isso é tão importante o investimento em pesquisas no campo do Direito, porque servem para auxiliar a proteção à sociedade, conforme as garantias legais previstas, principalmente, pela Constituição Federal de 1988", acrescenta.
No entanto, Luiz Henrique lamenta que não haja uma cultura, no Brasil, de investimentos maciços na pesquisa jurídica, diferentemente do que, conforme destaca ele, ocorre em outros países, principalmente da Europa. "Em nosso país, ainda há uma visão social de desvalorização do pesquisador, por muitas vezes, não entenderem a importância de se pesquisar no campo do Direito", completa.