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Elizangela Andrade: superando barreiras por amor à família

“O preconceito limita e nós não nascemos para ser limitados, nascemos para ser vencedores, ter nossa vida por inteira”
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 31-03-2019 09:46 | 3794
Elizangela se mudou para Paraíso para assumir o cargo de contadora da Câmara Municipal
Elizangela se mudou para Paraíso para assumir o cargo de contadora da Câmara Municipal Foto: João Oliveira

A contadora Elizangela Andrade da Silva Oaquim, que assumiu o cargo do concurso da Câmara Municipal no início de fevereiro deste ano, veio de longe para se estabelecer no município paraisense e construir uma nova vida. Nascida e criada no Rio de Janeiro, Elizangela é uma mulher guerreira e que não se deixa abater pelas adversidades da vida. Prova disto, é o amor e dedicação que tem pelo filho Rafael, diagnosticado com autismo aos quatro anos. Em Paraíso, ela encontrou todo o apoio para poder oferecer a sua criança todo o suporte necessário para uma vida tranquila e saudável e ressalta a receptividade e carinho com o qual foi recebida pela nossa gente. Casada com Cesar Oaquim, Elizangela é filha mais velha do casal Irani Andrade da Silva e José Francisco, que hoje vivem no Mato Grosso, e irmã da fisioterapeuta Fabiana, que ainda vive no Rio e também tem sua família. Aos 38 anos, iniciando uma nova vida, Elizangela conta um pouco das suas experiências e como foi essa mudança radical de vida.

Jornal do Sudoeste: Rio de Janeiro: sol e praia, era assim?
E.A.S.O: As pessoas pensam que por você ser do Rio, todo os dias estamos na praia e não é assim, há uma rotina que você tem que seguir. Eu, por exemplo, evitava porque minha pele é muito sensível. Se eu me expor ao sol por muito tempo viro um “camarão”, como dizem, minha pele fica muito vermelha. Já minha irmã, que puxou mais ao meu pai e tem uma pele parda, vai com muito mais frequência e pega uma cor mais bonita. Eu evitava ir à praia, mas toda vez que viajava era para o litoral, a lugares como Angra dos Reis, que é um lugar maravilhoso e Ilha Grande; há lugares maravilhosos no litoral carioca, mas para passar um tempo maior.

Jornal do Sudoeste: Como foi sua formação no Rio, essa fase de infância e adolescência?
E.A.S.O: Eu sempre fui muito tranquila, minha irmã também, apesar de ela ser um pouco mais extrovertida que eu. Tivermos uma infância muito tranquila, venho de uma família grande. Na escola era boa aluna e sempre gostei de estudar, é minha paixão. Quando me dedico a algo eu realmente faço, não que eu seja 100% sempre, ninguém é assim, mas há algumas matérias que tenho mais facilidade. Sempre fui muito focada na parte de matemática, exatas. Hoje sou contadora, é uma área tida como humanas, mas trabalha muito com a matemática e é uma área que sempre gostei. Acredito que vamos galgando profissões que sejam mais agradáveis. O primeiro grau estudei em escola pública; no segundo fiz tecnólogo em informática; depois casei, eu tinha 21 anos, mas logo depois surgiu a oportunidade de fazer contabilidade, que era o que eu tinha muita vontade.

Jornal do Sudoeste: Como foi o início de carreira?
E.A.S.O.: Quando fiz contabilidade, fiz pensando em entrar no serviço público. Porém, na época recebi o conselho de não fazer isso diretamente, mas buscar o mercado de trabalho porque eu ainda não tinha a experiência e a vivência do contador. Nesse meio tempo comecei a estudar para concursos. Paralelamente trabalhei em empresas de diversos seguimentos, desde serviços como restaurante à construção civil. Ganhei uma boa bagagem, tanto que na última empresa eu trabalhava na área fiscal, que é muito específico e eu queria me aprofundar. Nesse meio tempo, parei para me dedicar para concursos e fiz provas pelo Brasil; a princípio prestei alguns concursos no Rio, mas não havia muitas oportunidades. O primeiro concurso que prestei em Minas Gerais foi aqui em Paraíso, que fiquei sabendo pela intert, e passei.

Jornal do Sudoeste: Você buscou mais informações sobre o município?
E.A.S.O.: Sim. Não é fácil mudar sua vida de um local para o outro, é preciso estudar sobre a cidade e fazer tudo um cronograma. É uma cidade que me agradou muito.

Jornal do Sudoeste: Como foi dar a notícia que de que havia sido aprovada e precisariam se mudar?
E.A.S.O.: Foi tranquilo e minha família é muito unida, então tudo o que fazemos é bem planejado, pensado e acordado. A cidade é muito tranquila, é um serviço efetivo, então tudo colaborou para esta decisão. Foi mais difícil organizar a mudança que tomar a decisão. Mas tudo correu bem, aluguel de casa foi rápido e tudo casou certinho, era para acontecer. Quando as coisas têm que ser, tudo fluem perfeitamente e no meu caso foi desta maneira. Isto me fortaleceu e fortaleceu o meu espírito.

Jornal do Sudoeste: Esse primeiro contato com Paraíso lhe deu ânimo para vir?
E.A.S.O.: Sim. Quando cheguei aqui, todos me trataram muito bem; a população é muito amorosa, desde o senhorzinho no ponto de ônibus me ensinando qual era a melhor condução para me levar ao meu destino, até a moça do hotel onde me hospedei aqui na cidade. Eu me senti muito acolhida e é muito diferente do Rio de Janeiro e dos lugares por onde passei. Bem que dizem que o povo mineiro é muito acolhedor e por onde eu passo as pessoas são receptivas. Quando eu voltei para o Rio, disse para meu marido que ele precisava conhecer a cidade porque era maravilhosa. Estou apaixonada por aqui, mas sei que há os seus “poréns”. Todavia, se você pesar o lado bom mais que o lado ruim, isto te possibilita outra visão e estou aproveitando muito esta oportunidade, porque é algo que eu queria.

Jornal do Sudoeste: O que você mais estranhou quando chegou?
E.A.S.O.: Eu achava a cidade muito pequena, mas quando comecei a conhecer o município e sua estrutura, era maior do que eu pensava. É uma cidade estratégica, com polos grandes próximo como Ribeirão Preto e Passos, e que podem comportar nossas necessidades, além de que em termos de compra há a internet, então isso facilitou a vida. O que estranhei muito foi o clima, essas chuvas esporádicas... dizem que eu trouxe as chuvas (risos), mas acredito que seja algo bom, principalmente para àqueles que trabalham com o cultivo.

Jornal do Sudoeste: As chuvas só são negativas por conta da dengue, que tem sido uma grande preocupação em Paraíso...
E.A.S.O.: Houve uma época assim no Rio. Acredito que é uma questão de conscientizar de que certos hábitos que você tinha, você não pode ter mais, e é algo muito difícil de criar nas pessoas: novos hábitos. No Rio eu vi que melhorou muito essa questão da dengue e outras doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti após o governo investir em campanhas de conscientização. Tudo o que é novo requer medidas novas e mudanças sempre causam resistência até a pessoa entender que aquilo é para o bem comum. Não há agentes suficientes para estar na casa de todo mundo o tempo todo, então parte da pessoa olhar a necessidade e ver que é importante essa consciência, não apenas para ela, mas para toda a família.

Jornal do Sudoeste: Você veio para trabalhar para uma “casa de leis”. Como está sendo esta experiência?
E.A.S.O.: É tudo novo e muito diferente da área privada. Aqui é voltado para a necessidade do cidadão e percebo que, a partir da necessidade de um, você consegue colocar aquilo em uma lei que será efetiva para muitos outros. Além disto, a fiscalização das contas públicas – porque dinheiro não nasce em árvore e dinheiro público sai do nosso bolso – tem que ser mostrado: para onde está indo esse dinheiro e como está sendo gasto e é justamente este o papel de uma Câmara Municipal. Muitos não levam em consideração, mas o Legislativo é uma ferramenta muito poderosa do povo.

Jornal do Sudoeste: O trabalho não foi apenas o único motivo que a impulsionou a vir a Paraíso...
E.A.S.O.: Um dos motivos é que eu tenho um filho especial, ele é autista, e aqui em São Sebastião do Paraíso é um dos centros que mais acolhem pessoas autistas, existe a Associação de Amigos do Autista (AMA). Minas é um estado pioneiro na inclusão social e de fazer um trabalho voltado para o convívio social dessas crianças que têm necessidades especiais. É uma das questões que me impulsionaram e que você não acha em outras cidades, foi um dos pontos marcantes para minha decisão. No próximo mês comemora-se o Dia do Autista e há eventos que são pequenos, mas que fazem toda diferença para quem é pai de uma criança especial.

Jornal do Sudoeste: Como era esse acolhimento no Rio de Janeiro?
E.A.S.O.: Lá tínhamos duas entidades, a APAE e outra instituição conhecida como Dona Meca, que é voltada para vários tipos de síndromes. Meu filho foi diagnosticado com autismo aos quatro anos, hoje ele já tem oito, e desde então faz o tratamento. A evolução foi gritante ao longo desse tempo e vejo a necessidade da terapia e aconselho a todos os pais. Outra coisa que me chamou atenção é que a AMA em Paraíso foi uma idealização de uma vereadora paraisense, a Cida Pimenta, que também tinha um filho autista. É um trabalho muito bonito e sinto que as instituições precisam de mais recursos, até mesmo para se manterem, ter mais profissionais e oferecerem um serviço muito melhor do que já fazem. Aqui ainda não estou interada da situação, mas no Rio nós víamos essa necessidade, havia a estrutura física, mas talvez se a estrutura financeira fosse maior a intuição poderia alcançar mais pessoas, mais famílias. Aqui eu fui muito bem acolhida tanto pela AMA quanto pela APAE.

Jornal do Sudoeste: Qual a mensagem que você deixa para essas mães também passa por esta situação?
E.A.S.O.: Que não tenham preconceito, que busquem essa ajuda das instituições porque faz muita diferença na vida do filho. E é bom poder usar este meio (jornal) para falar sobre, porque assim como eu tive uma mão amiga, talvez eu possa está ajudando a acrescentar algo na vida de outras pessoas. 

Jornal do Sudoeste: Vocês já enfrentaram ou enfrentam muito preconceitos?
E.A.S.O.: Preconceito é falta de entendimento, de empatia e de se colocar no lugar da outra pessoa e entender um pouco aquilo que o outro está passando. A partir do momento que você tem informação, você cria empatia e perde esse preconceito. Nós enfrentamos preconceito, mas se você for para por causa dele você não chega a lugar algum; o preceito não acrescenta nada na vida, só diminui. Nós temos que olhar pra frente e não deixar o preceito te vencer. O preconceito limita e nós não nascemos para ser limitados, nascemos para ser vencedores, ter nossa vida por inteira. Eu penso desta maneira, que não devemos ligar para o que as pessoas pensam, e ter a consciência tranquila de que você está fazendo o seu melhor e da maneira correta.

Jornal do Sudoeste: E esse sotaque...
E.A.S.O.: As pessoas falam sobre ele e eu penso “será que eu tenho?”... Meu sotaque é arrastado, tem o chiado característico do Rio, mas para mim o sotaque mineiro, talvez por meu pai ser mineiro, soa tão natural. As pessoas estranham um pouco o meu sotaque e sempre me questionam de onde eu venho, levo isso de maneira muito bem humorada e acho muito engraçado; é um motivo para engatar em uma boa conversa e ir longe... 

Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz de toda esta trajetória?
E.A.S.O.: Eu sou agradecida. Todas as coisas que você faz na vida, sejam elas ruins ou coisas que você poderia ser feito diferente, é o que te molda no que você é hoje. Talvez se você não tivesse passado por tal coisa, você não fosse a pessoa que se tornou. Sobre as coisas que passei, essa parte de fazer concurso e estudar – que não foi fácil e teve muitos baixos, eu agradeço antes de mais nada a Deus, por ter me dado força, consciência, determinação, paciência comigo de saber minhas limitações. Acho que é isso: gratidão a Deus. Eu tenho muito orgulho de mim, de nunca ter desistido mesmo tento passado por muitos momentos difíceis. É um amor que eu sinto por mim, de ter vencido batalhas e que tudo está de acordo conforme Deus tinha para mim. Espero poder fazer muita diferença nesta cidade e em cada lugar que eu for e que eu posso acrescentar. Meu balanço é esse: gratidão e uma felicidade interior de que o hoje é ofruto de um trabalho e dedicação que eu tive e é muito gosto sentir isto.