Era uma vez uma menina que nasceu em uma pequena Vila mineira. Dizem que ela veio ao mundo ao meio-dia, quando havia muita luz e podiam-se ouvir foguetes. Mas ao contrário do que se esperava, ela era muito pequena, não chegava a dois quilos de gente e seu pai, cego de amor, segurava-a na mão, chamando-a de morceguinho do papai...
Logo ela cresceu, engordou, graça ao leite abundante da mãe. Mas era uma menina esquisita. Não quis usar vestido, nem roupa boa, até os seis anos. Vivia de pijamas, correndo e brincando com a molecada da rua, detestava bonecas e brinquedos femininos. Ela nem sabia da existência do Complexo de Eletra, mas achava seu pai lindo e dizia que era namorada dele. Aos cinco anos, acompanhava o tio, quase de sua idade, na escola da Vila e acabou aprendendo a ler, só de ouvir a professora.
Aos oito anos, foi morar em uma fazenda, no Morro do Ferro, e lá continuou a garota rebelde, que cavalgava em uma eguinha em pelo, amazona com os longos cabelos quase loiros, esvoaçando ao vento. Tinha poucos amigos, só os filhos do empregado principal da fazenda. Dizem que era muito feliz, até que o pai teve que vender tudo, pois tinha úlcera no duodeno e o médico ordenou que ele mudasse de vida.
Foram para Belo Horizonte, onde ela estudou em um Colégio francês. Doeu muito a liberdade perdida e odiava as etiquetas do Sacre-Coeur de Marie, repleto de meninas ricas e cheias de orgulho. Na volta, estudou no Colégio Paula Frassinetti, de São Sebastião do Paraíso.
Diz a história que sofreu também com novas mudanças, preconceitos com sua mineirice, quando veio para Ribeirão Preto enfrentar as colegas ricas, filhas dos Barões do Café. Venceu-as, no Colégio, conquistando sempre o primeiro lugar, com as melhores notas.
Conta a lenda que depois, estudou no Otoniel Mota, viveu até no Exterior, virou professora e escreveu muitos livros. Falam que ela até conhecia duas línguas estrangeiras.
Aos vinte e dois anos casou-se e ousou virar "mãe emprestada", cuidando de três filhas que vieram para sua guarda, com sete, oito e catorze anos. Foi feliz, as "filhas" cresceram em graça e beleza, realizaram-se.
Aí o destino armou-lhe uma cilada e ela perdeu seu companheiro, quando ele tinha apenas quarenta anos. Revoltada, brigou com Deus, com a vida e jurou nunca mais casar-se. Candidatos apareceram querendo se casar com ela. Ela os afugentava, sem discussão e ficou só, durante trinta e dois anos. Nesse período viajou muito, escreveu livros.
Conta-se então que aconteceu algo estranho. Em um romance que ela escreveu, no final, a heroína ia morar em um local lindo, com casa térrea, flores, pássaros e cachorro. No livro, ela conhece um homem poético e no último capítulo há pistas que eles acabam por se casar...
A vida imita a arte? Não é que um primo veio do Rio de Janeiro, para visitar a família? Os dois viúvos, sempre foram encantados um com outro, da meninice à adolescência. Viram-se, trocaram e-mails e longos telefonemas noturnos e dois meses depois estavam casados.
O que ninguém pode explicar, é que foram morar em casa térrea, rodeada de verde, de flores e silêncio. E como no livro, têm hoje até cachorro... Não se sabe quem é o autor do enredo dessa inesperada trama. Dizem que os dois são muito felizes.
Ela olha para trás e vê que sua história é como a de todo mundo: tem tristezas e alegrias, batalhas, alçapões, derrotas e vitórias, tudo muito misturado. Não é este o destino de todos, cuja receita de vida varia muito pouco? Afinal, somos todos feitos do mesmo barro. Está escrito no Livro Maior.
(*)Ely Vieitez Lisboa é escritora.
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