A advogada Tânia Pedroso Balbo desde muito jovem entendeu que para ser alguém precisaria deixar a sua terra natal para perseguir seus sonhos. Com poucas oportunidades em Paraíso, prestou vestibular em Direito na UFMG, quando tinha 18 anos, e assim construiu a sua vida longe no município paraisense. Após viver 10 anos em Belo Horizonte e 39 anos em Divinópolis, retornou a Paraíso para fincar suas raízes e ter uma vida tranquila e pacata, longe dos grandes centros urbanos. Filha de João de Paula Pedroso e Tereza Vasconcelos Pedroso de Paula, Tânia é casada com o psiquiatra Jaime Balbo mãe do cardiologista Conrado Pedroso Balbo e do nefrologista Bruno Eduardo Pedroso Balbo. Bem humorada, ela recebe a reportagem do Jornal do Sudoeste em sua casa e conta um pouco da sua trajetória ao longo desses 49 anos que esteve longe de Paraíso.
Jornal do Sudoeste: Você foi embora de Paraíso muito jovem. Como foi esse processo?
T.P.B.: Eu tinha 18 anos. Foi uma aposta que fiz com meu pai, que não acreditava que eu fosse conseguir passar em uma universidade federal. Então ele disse para mim: “Você vai a Belo Horizonte, faz a prova, se passar você fica, mas se você não passar você volta para estudar Pedagogia”. Naquela época não havia nenhuma faculdade aqui, e a quem estudava Pedagogia tinha que se deslocar a Guaxupé. Eu me formei em dezembro de 1968 no Colégio das Irmãs e, entre a formatura e o vestibular, que seria em janeiro, foi o período que eu estudei, não cheguei a fazer nenhum cursinho. Fui para BH, prestei a prova, passei e não tinha como meu pai não me deixar ir. Tive que enfrentar BH abruptamente, porque também não acreditava que fosse conseguir, mas consegui. Em Belo Horizonte morei 10 anos.
Jornal do Sudoeste: Como foi sair de Paraíso e chegar uma capital como BH, sem conhecer nada?
T.P.B.: Eu não sabia nem andar em Belo Horizonte; quem me indicou o pensio-nato onde morei foi minha professora e madrinha de casamento Maria Aparecida Abdu, que também era muito amiga de meus pais. Ela estudou em BH e indicou este lugar que ficava muito próximo a Universidade. Quando cheguei, comecei a procurar emprego e fui atrás de todo mundo que era de Paraíso e morava lá. Todos pediam experiência, e como alguém de 18 anos poderia ter alguma? Um dia, uma colega minha que estudava psicologia me indicou uma agência e fiz testes; era no centro de BH. Fui, fiz uma prova e, passados 10 dias, fui chamada. Meu primeiro emprego foi no Colégio Padre Machado, colégio muito famoso em BH, de padres barnabitas. Fui trabalhar na secretaria deste colégio, e logo que viram que eu era do interior, me colocaram para datilografar provas em segredo. Fiquei quase um ano e meio neste emprego. Tudo o que era trabalho que me indicavam eu me candidatava, foi quando um amigo me falou de um concurso para a OAB, e me falava da possibilidade de trabalhar com advogados famosos. Fiz esta prova, passei, e logo depois fiquei sabendo do concurso do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCMG), na área que eu gostava que era pesquisadora em jurisprudência, para a biblioteca do tribunal. E assim aconteceu.
Jornal do Sudoeste: Essa fase do desemprego deve ter sido a mais difícil?
T.P.B.: Sim, por mais que fosse uma universidade pública, tinha o pensionato para pagar, e eu tinha muito dó do meu pai, naquela época era tudo mais difícil. Também tinha que comprar livros, comprava a prestação e precisava muito.
Jornal do Sudoeste: Como foi esse começo?
T.P.B.: Eu cheguei muito autoconfiante, sentia-me muito inteligente. Quando cheguei não me deparei com pessoas inteligentes, mas com gênios, eu era a mais “burrinha”. Lá só estavam os primeiros colocados de tudo o que era lugar, e eu era só mais uma. Fiquei boba de ver o empenho dos meus colegas e me sentia muito responsável, porque eu precisava estudar e estudar muito para competir com essas pessoas de alto gabarito. Eu chegava a noite do trabalho, ia estudar tudo o que tinha acontecido naquele dia senão não daria conta de acompanhar. Ia dormir de madrugada, todos os dias.
Jornal do Sudoeste: Você não pensou em desistir?
T.P.B.: Sim, no terceiro ano de faculdade. Quando tive um professor, que também era desembargador na época e começou a dar aula de Direito Administrativo, e achei uma matéria dificílima e que não fosse dar conta, pensei até em fazer Letras, mas teria que ser professora – justamente o que eu não queria de jeito nenhum. Acho que todo mundo do meio do curso passa por um momento assim. Depois de tantos anos, acredito que fiz exatamente o que eu deveria ter feito e não me vejo em outra profissão. Estudei muito e penei muito, a concorrência é muito grande e há pessoas brilhantes nesse meio! Eu não gosto quando me dizem que eu sou inteligente, porque na verdade eu sou muito estudiosa e esforçada demais. É justamente isto que eu tento passar para meus filhos: que não conseguimos nada sem esforço ou só porque tem uma faculdade.
Jornal do Sudoeste: Sentia saudades de Paraíso?
T.P.B.: Muita. Lá eu era conhecida por “Tânia do Paraíso”, de tanto que eu falava da minha terra.
Jornal do Sudoeste: Lá você começou a construir sua vida?
T.P.B.: Sim. Formei-me e consegui meu primeiro emprego, mas tudo através de concurso público. Trabalhei no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, onde entrei ainda estudante e trabalhava durante o dia e estudava a noite. Depois houve um concurso dentro do TCMG para nível superior no ano em que eu me formaria, prestei e passei. Foi em BH que conheci o Jaime, meu marido, e nos casamos. Quando eu estava no auge da minha carreira no Tribunal, ele recebeu uma proposta irrecu-sável para ir para Divinópolis. À época eu disse para ele ir, que eu ficava com as crianças, o Conrado era recém-nascido e o Bruno tinha três anos. Eu fiquei em BH trabalhando, praticamente sozinha, à época nossas famílias acharam que eu estava dando mais valor à carreira do que a família e senti uma pressão muito grande para me mudar também. Pedi licença não remunerada para me mudar e recomeçar tudo novamente em Divinópolis. Naquela época, o doutor Humberto de Almeida, de Cássia, era deputado; e o chefe da sua assessoria era o doutor Fábio Queiroz, afilhado do meu avô. Ele conseguiu que eu fosse para Divinópolis, não em licença sem vencimentos, mas a disposição de outro órgão público, porque lá não havia TCMG e me mudei para trabalhar na Defensoria Pública.
Jornal do Sudoeste: Como foi chegar a Divi-nópolis?
T.P.B.: Divinópolis é uma cidade muito boa, mas muito quente e, quando cheguei, muito poluída. Havia 11 siderúrgicas. Meus filhos ficaram doentes devido a problemas pulmonares; é uma cidade que chove em seu entorno e nela não. Mas foi uma cidade que me recebeu de braços abertos, porém, tive que recomeçar toda a minha vida jurídica e a prestar concursos. Prestei concurso para auditor fiscal, que foi quando eu passei, e, da área Estadual, fui para a Federal. Até então, foi prestando concurso, porque não poderia ficar na Defensoria Pública todo ano pedindo para ficar à disposição. Eu tinha que ter um lugar fixo para trabalhar. Recomecei e trabalhei na esfera federal até me aposentar. Assim que me aposentei, abri um escritório de advocacia. Por causa da época que trabalhei na Defensoria Pública, fiquei muito conhecida na área criminal – eram vários defensores, mas na Criminal era somente eu e a Dr. Maria Célia Gonçalves. Eu gostava muito, e trabalhava todos os dias até tarde da noite, já que a Defensoria era muito demandada. No entanto, eu não podia ficar dependente do Tribunal, e já fazia sete anos que eu tinha ido embora, foi então que resolvi prestar concurso e passei no Tribunal Regional Federal, onde fiquei até me aposentar.
Jornal do Sudoeste: O que a levou a ter essa inclinação pelo Direito Penal?
T.P.B.: Acredito que pelo professor, a época era o Eurides de Melo Bandeira, uma sumidade. Eu sentava na primeira cadeira e me recordo que ele me dava uma atenção especial, fomos sua última turma. Lembro-me que ele chegava próximo a minha carteira e me dizia para ler tal livro; eu anotava para pesquisar e lia. Acho que ele viu que eu tinha jeito para a coisa. Os professores de Direito Penal e Direito da Família também eram muito bons.
Jornal do Sudoeste: Qual foi o momento mais difícil para você durante a carreira?
T.P.B.: Acredito que quando eu saí do Fórum para trabalhar na esfera federal, porque eu amava trabalhar na Defensoria Pública e fui trabalhar com algo completamente diferente, que era Direito Tributário. Assim, tive que começar tudo novamente. No meu novo trabalho, minha função era fazer cobranças e tive que estudar Direito Tributário. Na época fiz pós-graduação em Direito do Trabalho e Direito Civil, para me atualizar. Estudei tudo novamente. Foi um dos momentos mais difíceis na minha vida. Minha vida virou do avesso.
Jornal do Sudoeste: Todo este percurso foi o que você esperava?
T.P.B.: Hoje eu agradeço muito ao meu pai por ter tido esse gesto de me deixar ir e viver minha vida, de ter me bancado até que eu pudesse me bancar. Minha vida foi tudo aquilo que eu sonhei para mim. Ele me deu todo o apoio.
Jornal do Sudoeste: Quando decidiu voltar para Paraíso?
T.P.B.: Eu sempre tive um amor imensurável por esta terra, mas quando perdi meu pai, foi como se eu tivesse perdido o chão. Foi um baque muito grande porque ele não ficou doente, ele teve um AVC e em cinco dias estava morto. Minha mãe ficou sozinha e eu comecei a pensar em voltar, já que vinha praticamente todo mês, e às vezes até de 15 em 15 dias, para olhá-la e ajudar com as responsabilidades. Comecei a sentir que meu coração estava querendo retornar para Paraíso. Meus filhos já não estavam mais em Divinópolis, meu marido estava perto de se aposentar, eu já estava, mas trabalhava como autônoma e, assim, aos poucos fui retornando sentimentalmente a Paraíso – muito preocupada com a minha mãe que estava sozinha e fomos desenvolvendo esta ideia de voltar, mas esperamos nossos filhos estabeleceram suas vidas. Não quiseram ficar em Divinópolis, ambos estudaram medicina e se mudaram para São Paulo – o Bruno, que é nefrologista e está fazendo um pós-doutorado nos EUA, e o Conrado, que é cardiologista.
Jornal do Sudoeste: O que você sentiu ao chegar a Paraíso e se estabelecer?
T.P.B.: Eu senti que até a minha respiração melhorou. Eu estava encantada e me questionava o porquê eu tinha deixado esta cidade. Fiquei 49 anos fora e hoje não entendo o porquê o povo de Paraíso a deixa, temos que ficar aqui e fazer algo pela cidade. Fiz grandes amizades do tempo que morei fora, mas quando cheguei aqui quis rever todos os meus amigos do tempo de escola, e isto me fez muito bem. Hoje estou tentando mostrar para meus filhos que o melhor da vida é ficar num lugar pequeno, onde todo mundo lhe conhece, lhe diz bom dia... não sei se vou conseguir, porque eles são de outra geração. Apesar de tudo, algo me deixa triste, faltam oportunidade e a mesma coisa que me fez ir embora, tem feito jovens de Paraíso também irem. Quando me formei, a única coisa que eu poderia ser era professora, não tinha opção, não tinha emprego para mulher. Hoje, percebo que o jovem em Paraíso tem a mesma coisa que eu tinha quando fui: praticamente nada.
Jornal do Sudoeste: Como é andar novamente por Paraíso?
T.P.B.: Para conseguir chegar à fisioterapia, não posso passar pela Pimenta de Pádua, porque converso com todo mundo que encontro, preciso passar por alguma rota alternativa (riso). Eu queria voltar e ter a essa mesma receptividade que eu tive, mas gostaria também que os jovens tivessem emprego, e não ficassem na mesma situação que eu fiquei.
Jornal do Sudoeste: Qual o seu balanço de vida?
T.P.B.: Eu só tenho a agradecer, principalmente ao meu pai, que às vezes vendia um porquinho no fim do mês para me mandar dinheiro, à minha mãe, que me ajudava muito, a todas as pessoas com quem trabalhei – não tive um chefe que eu falasse que não gostava e que iria mudar de emprego por causa dele. Foram pessoas que eu tive como membros da minha família. Só tive gente boa na minha vida. Em Divinópolis, fomos muito abençoados e fizemos nossa vida lá, mas eu quis voltar para Paraíso, como forma de agradecimento a esta terra. Só tenho a agradecer também aos meus filhos, que estão todos encaminhados. Meu balanço é agradecer, agradecer e agradecer.