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Mirela Moraes: A docência como paixão na vida

“Adquirir conhecimento engrandece a pessoa humana e espiritualmente”
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 25-05-2019 20:58 | 3734
A profª doutora Mirela Moraes mudou-se para Paraíso onde vive há 17 anos
A profª doutora Mirela Moraes mudou-se para Paraíso onde vive há 17 anos Foto: Wilian Jackson

A doutora em microbiologia, Mirela Moraes Waldemarin Cabral, desde muito pequena sempre gostou de estudar e teve como foco chegar à docência, propósito este que se manteve fiel até sua conquista. Mirela é natural de Penápolis (SP), mas considera Cafelândia, cidade próxima a Bauru, sua terra natal. Ela é filha do professor de Matemática e Física José Waldemarin e da professora de Língua Portuguesa e Literatura, Elizabeth Moraes Waldemarin e irmã da Mônica. Hoje, estabelecida em Paraíso após conhecer seu marido, o James, por meio do trabalho, ministra aulas e divide seu tempo entre as obrigações do dia a dia e um de seus hobbies favoritos: o artesanato. É muito sorridente e acolhedora, que Mirela recebe a reportagem do Jornal do Sudoeste em sua residência para contar um pouco de sua trajetória de Cafelândia a Paraíso.

Jornal do Sudoeste: Como foi sua infância em Cafelândia?
M.M.W.C.: Fui muito cedo para lá, na época meus pais tinham passado em um concurso e nos mudamos para Cafelândia, onde deram aulas na mesma escola. Minha infância foi muito gostosa e tenho amigas desta época que permaneceram na minha vida até hoje. Foi um período muito gostoso, eu me lembro dos carnavais e dos bailes – morávamos perto do clube, onde meus pais têm casa até hoje. Eram bailes aonde você ia para realmente dançar, não é como hoje, tinha toda uma sequência: músicas lentas, depois músicas tradicionais e se encerrava com o carnaval. Era muito gostoso. Lá vivi até terminar minha faculdade de Biomedicina, em Marília. No começo eu viajava todos os dias, era próximo, somente no último ano me mudei.

Jornal do Sudoeste: Depois de formada, você continuou nesta rotina?
M.M.W.C.: Sim, eu fiz pós-graduação em Microbiologia em Jabuticabal, logo depois me mudei para Franca, onde dei aula durante muitos anos na Universidade de Franca e onde conheci meu esposo, o James Fonseca Cabral. Paraíso surgiu na minha vida a partir de Franca. Como a base do meu marido era São Sebastião do Paraíso, decidi me mudar para cá e continuei trabalhando em Franca.

Jornal do Sudoeste: O que te motivou a estudar biomedicina?
M.M.W.C.: Naquela época não tínhamos muito conhecimento de todos os cursos que existiam, sabíamos do Magistério, toda a parte de Licenciatura, Odontologia, Direito e Medicina, eram os cursos que mais tínhamos contato. Eu sempre gostei muito da área biológica e foi onde me encontrei na época em que fiz o colegial. Queria estudar algo neste sentido e meus pais me incentivavam muito. Até então era um mundo desconhecido, a parte de análises clínicas, exames laboratoriais aos quais não tínhamos os conhecimentos que temos hoje... Este foi um dos motivos que me influenciaram. Após, fiz mestrado em Microbiologia e doutorado em Ciências, onde também trabalhei com a parte microbiológia, além de duas outras especializações.

Jornal do Sudoeste: Você sempre atuou na área acadêmica?
M.M.W.C.: Sempre dei aula, eu queria seguir a docência. Meus pais sempre me incentivaram e diziam que eram filhos de semianalfabeto e conseguiram se graduar e, por eu ser filha de pessoas que tinham um determinado conhecimento, deveria estudar um pouco mais. Diante disto, eu queria muito a docência. Em Franca eu trabalhei pouco mais de 18 anos.

Jornal do Sudoeste: Filha de professores. Como foi isto em casa?
M.M.W.C.:  Muita cobrança. Eu vivi em torno de livros e hoje, se eu for passear e tiver uma livraria no caminho eu me sinto no meu mundo. Adoro livros, quer me presentear me dê um livro porque eu gosto muito de ler e vivi nesse mundo. Eu e minha irmã fomos muito cobradas por sermos filhas de professores, e professores na escola em que estudávamos, então carregamos essa característica e continuamos estudando mesmo depois de já graduadas, fizemos pós-graduação e gostamos muito de estudar.

Jornal do Sudoeste: Como foi essa fase de docência? Houve muitos desafios?
M.M.W.C.: Sim. A docência é um grande desafio, porque você está no mesmo ambiente todos os dias, o professor é o mesmo, os alunos são os mesmos, mas a aula precisa ser sempre diferente e você tem sempre que tentar chamar a atenção deles para a aula e isso, num mundo tecnológico, não é fácil. Eu fui de uma época em que o que o professor falava era lei, eu abaixava a cabeça e tentava anotar todas as informações. Hoje você compete com a selfie da lousa, ou então com o xérox. É um desafio muito grande neste mundo tecnológico, mas também há o seu lado positivo: o adquirir conhecimento engrandece a pessoa humana, e espiritualmente ela passa a enxergar o mundo com outros olhos.

Jornal do Sudoeste: Hoje a educação passa por polêmicas: contingenciamento de recursos, corte de bolsas entre outras questões. Como você enxerga tudo isso?
M.M.W.C.: É muito triste, porque tem sido feito mudanças muito drásticas e num país que ainda tem muitas pessoas analfabetas e semianalfabetas, cortar a oportunidade de uma pessoa que quer crescer um pouco mais, estudar um pouco mais é complicado. Mas eu enxergo pelos dois ângulos, de que tem que ter algum respaldo, mas é uma situação muito delicada. Não é barato estudar e tão pouco se manter em uma pós-graduação, é um desgaste físico, mental e financeiro muito grande.

Jornal do Sudoeste: Como foi essa fase de mestrado e doutorado?
M.M.W.C.: Meu mestrado fiz na Unesp em Jabuticabal e o doutorado em Franca.  Eu demorei um tempo entre um e outro porque comecei a trabalhar, queria seguir a área acadêmica, mas foi muito gratificante, porque é um mundo que eu desconhecia da parte de pós-graduação, de fazer experimentos, repetições, enfim, era um mundo desconhecido para mim e foi muito gratificante. Aprendi muito nesse período; você aprende a fazer uma organização de trabalho muito grande, ou seja, eu tinha que ter tudo organizado para que naquela semana conseguisse fazer os experimentos.

Jornal do Sudoeste: Você também fez especialização em terapias holísticas, não é mesmo?
M.M.W.C.: Sim, depois do mestrado, parei um tempo e fiz essa especialização que foge um pouco da minha área. Mas é algo que eu sempre gostei e gostava muito da professora e entrei no curso de Terapias Holísticas, onde fiz cromoterapia, aromoterapia, reflexo, cristais e toda essa parte da holística – acredito que gostava um pouco porque sou de 31 de outubro, Dia das Bruxas, então tenho o pesinho nisto (risos).

Jornal do Sudoeste: Qual foi o momento mais difícil quando você fez o doutorado?
M.M.W.C.: Foi quando quase perdemos o meu pai, ele sofreu um contratempo, ficou muito tempo hospitalizado e fiquei quase dois meses sem frequentar o Doutorado para poder acompanhá-lo. O Doutorado teve esse peso a mais, mas concluí, foi maravilhoso e foi mais uma etapa finalizada. Não pensei em desistir em nenhum momento, tracei uma meta e fui. O interessante é que eu sempre usava uma frase: foco, força e fé, e daqui de Paraíso foram duas amigas quando fiz a defesa da tese, e elas fizeram uma faixa com esses dizeres, porque sabiam que eu estava estudando quando postava esses dizeres nas redes sociais.

Jornal do Sudoeste: Você conhecia Paraíso antes de mudar para cá?
M.M.W.C.: Não, conheci através do meu marido. É uma cidade que achei diferente das cidades do estado de São Paulo e assustei um pouco, principalmente com a questão do café, sou de uma família que adora café e vim de uma cidade chamada Cafelândia, eu achava o café mais fraco e muito doce, mas isso é porque são coisas regionais. Mas aos poucos fui me adaptando. Outra coisa que me chamou a atenção foi o pão de queijo, que é maravilhoso – lá em São Paulo não é bom igual o daqui não. A broa e a pamonha mineira também são maravilhosas. Quando volto para visitar meus pais, sempre levo pamonha para eles.

Jornal do Sudoeste: Atualmente, como anda sua vida?
M.M.W.C.: Aos poucos estou retomando minha vida acadêmica, estou ministrando aulas em uma instituição do município; também ajudo a cuidar de um loja que tenho junto com o meu marido e me dedicando a outra paixão que tenho que é o artesanato.

Jornal do Sudoeste: Você sempre gostou de artesanato?
M.M.W.C.: Minha mãe sempre nos incentivou a fazer crochê e a costurar. Para aqueles que viveram no interior na década de 80 e 90, comprar uma roupa pronta era muito caro e sai mais em conta fazer você mesmo. Apesar de ninguém acreditar, eu também tenho curso de Corte, Costura e Alfaiataria.

Jornal do Sudoeste: Qual a dica que você dá para esse pessoal que quer ir um pouco mais além e fazer um mestrado e doutorado?
M.M.W.C.: Estude muito porque o estudo e o conhecimento que você adquire com ele, ninguém tira de você. Mesmo que você não siga aquela carreira a qual você estudou, o conhecimento é algo que engrandece o ser humano. Então estude, leia, e permaneça nessa busca por conhecimentos, mas que não seja conhecimentos fúteis. É difícil fazer uma pós-graduação? Sim, não é fácil e exige uma dedicação muito grande e há prazos muito curtos a serem cumpridos, mas a recompensa é maravilhosa, porque aquilo ali é seu e foi uma luta sua. Eu digo muito aos meus alunos que dizem que estão ali porque o pai quer, que o diploma é dele, não do pai, e que ele deve estar ali para crescer. Ele escolheu estudar e partir do momento do que houve essa escolha, você precisa abrir mão de muita coisa, mas é algo que passa e no fim fica só a satisfação. O que ficou da minha época de mestrado? As pessoas que eu conheci, as amizades que se perpetuaram, o conhecimento todo que adquiri; há também coisas boas e no momento em que você está no turbilhão, parece que não vai passar, mas passa. E quando acontece é uma realização maravilhosa.

Jornal do Sudoeste: Já pensou em fazer um pós-doc?
M.M.W.C.: É algo que vai levar um tempo, mas já fui convidada. Meu pai tem uma história muito bonita: quando professor ele percebeu que tinha um aluno com uma cabeça além do normal e que era de uma família um pouco mais simples. Meu pai perguntou para os pais desse aluno que se conseguisse uma bolsa de estudos para ele, se eles pagariam o ônibus para seu filho estudar fora, e assim aconteceu. Esse moço fez Química e hoje é chefe do departamento de física na instituição em que trabalha. É interessante que ele tem dois ou três pós-doutorados, mas para ele meu pai é “o professor” e diz que tudo o que ele tem, deve ao professor Waldemarin. Quando eu saí da instituição em que trabalhava em Franca, saí de lá muito magoada, e esse ex-aluno do meu pai entrou em contato comigo e me disse algumas palavras de otimismo; disse-me que me apresentava a algumas pessoas, mas o pós-doc vai ter que esperar um pouco mais. Acho que ainda não estou preparada psicologicamente.

Jornal do Sudoeste: Qual é o balanço que você faz de toda essa trajetória?
M.M.W.C.: É uma contribuição muito grande; uma contribuição pessoal e às pessoas a sua volta, porque você acaba influenciando direta ou indiretamente essas pessoas. É preciso buscar crescer sempre, mesmo que ache que este crescimento é pouco aos seus olhos ele não é, e todo crescimento é válido; todos nós somos inteligentes, não adianta se achar burro, talvez você não tenha aptidão para aquela determinada coisa, mas tem para outras. Explore o seu potencial, esta é a principal questão da vida: explorar o potencial.