Não é aleatório que Cronos (do grego Kronos), o líder e o mais novo da primeira geração dos Titãs, descendente divino de Gaia, a Terra e Urano, o céu, seja tão poderoso. O Tempo é nosso carrasco, devora-nos inexoravelmente, todavia é também nosso Grande Mestre. Só ele pode dar-nos lições valiosas, únicas.
Sua importância é grande. Acontece um fato real e concreto, no presente. Após muitos anos, a pretensa realidade transforma-se em ficção duvidosa. Tente analisar amores tresloucados, paixões devastadoras, dores dilacerantes, mágoas terríveis, muitos anos depois. Às vezes não sobra nada. Quimeras. O tempo tudo modifica, transforma, apaga.
Já diz o axioma que só o tempo ameniza, cura. Não há outro remédio para as grandes perdas. Contudo, o que mais impressiona, ainda dentro dessa temática, são as mudanças que o tempo faz. Ele mistura, muda, deleta facetas e minúcias, no grande computador da existência.
Tenho experiências pessoais sugestivas, sobre a assertiva acima. Há muitos anos, em uma noite trágica, trancada no banheiro, chorei copiosamente, até de manhã, sentindo-me a mais desgraçada dos mortais. Hoje, por mais esforço que eu faça, não consigo me lembrar da razão de tão grande amargura afogada em tanta tristeza.
E o rio de lágrimas nos finais de namoro, na adolescência? No presente, eu me lembro dos príncipes, como meras personagens de uma época lírica. O passado, agora, me parece uma obra literária (escrita por quem?) que analiso com minúcia e muita tranquilidade. Ficção ou realidade? Onde começa uma ou outra? Sempre desconfiei da memória. Ela trai.
Há relatos notáveis de pessoas curiosas e saudositas, homens e mulheres, que tentam reviver um grande amor do passado. No momento, quando se aproximam, olham-se, no esperado encontro, os dois ficam abismados, desorientados, porque na sua frente há apenas um estranho, ou uma estranha, que não tem nada a ver com sua lembrança. Onde a face amada? Como se perdeu o encantamento?
Ainda neste mistério abissal do tempo, há causas e razões que nos surpreendem. Certa vez, quando era jovem, passei por grandes dificuldades em San Sebastian, na Espanha, devido a desencontros e problemas de passaporte. Fome, frio, ofensas. Dez anos depois, fiz questão de ir à mesma cidade espanhola, jantar no hotel mais refinado, pedir os mais caros pratos, beber o vinho finíssimo. O hotel, todo de mármore rosa, ficava no alto de uma colina, rodeado pelo mar. Portei-me como uma rainha, uma pessoa da alta nobreza. Era uma desforra. Agora, intrigada, pergunto-me sobre a necessidade que tive, na época de agir assim. Queria vingar-me de quem? Da cidade?
Enfim, Cronos não faz concessões. Cobra um pedágio altíssimo, na grande rodovia da vida. E só sobrevivem felizes os mais argutos, os mais aptos, que aceitam e assimilam o processo: a vida é dinâmica, um grande rio e jamais se mergulha a mão na mesma água. Os gregos, sábios e perspicazes, já sabiam disso.