ELY VIEITEZ LISBOA

Meu shangri-la

Por: Ely VIeitez Lisboa | Categoria: Cultura | 01-06-2019 17:49 | 1256
Foto: Reprodução

Shangri- La, Xangri-lá ou Shangrila é um lugar mágico, criado pela imaginação do genial escritor inglês James Hilton, em sua obra Horizontes Perdidos (1933). Na ficção, este lugar seria localizado nas cadeias montanhosas do Himalaia, junto a paisagens deslumbrantes, em meio à completa paz e harmonia. Lá o tempo não escoa, eternizando-se em uma atmosfera de intensa felicidade. As pessoas não envelhecem neste refúgio onírico.

A realidade jamais é tão bela quanto a ficção, mas podemos aprender com a segunda e deduzir verdades. Os acontecimentos de nossa infância ficam cristalizados, são estáticos, não mudam. É como um programa que se pode acessar a qualquer momento. Basta devanear e seremos sempre crianças, inocentes e sonhadoras, acreditando que a vida será rósea, sem desilusões, armadilhas e inesperados alçapões.

De certa maneira, pois, esta viagem ao passado, sem malas, sem pagar passagem, é sempre possível.  Todas essas elucubrações, porque, presentista por opção, peguei-me fazendo uma volta ao passado. No início da Década de 40, meus pais tinham uma fazenda no Morro do Ferro, em Minas. Eu frequentei por pouco tempo, a escolinha rural. Foi uma das épocas mais felizes de minha vida. Depois resolveram mandar-me para a casa de meus avós, em São Sebastião do Paraíso. Fui matriculada no Colégio Paula Frassinetti, já famoso na época.

O "meu" Colégio pode não ter nada a ver com o Paula Frassinetti de hoje. Não conheço a realidade atual. Lembro-me de que as professoras eram excelentes e as freiras pareciam muito graves, sérias, vestidas de negro, com rosários de contas grandes e brilhantes, na cintura. Tínhamos dois uniformes, um para as aulas diárias e outro, branco, de seda, para os ofícios religiosos. O ensino era muito bom, as professoras exigentes, frequentávamos a escola em dois períodos.  E após a quarta série, enfrentávamos o Admissão, para entrar no chamado Curso Ginasial. Quanta diferença, hoje, com a permissividade nos primeiros anos do Fundamental, com a discutível promoção automática!

Por que essas lembranças agora? É que "meu Paraíso" continua sendo uma cidade mágica, com seu céu límpido e opalino. Onde estarão as discretas dálias e as rubras papoulas, equilibrando-se nas hastes frágeis? E o Jardim Novo!  Como ele é chamado agora? Havia uma grande figueira brava, sob a qual a meninada se reunia, para mostrar os tesouros encontrados: ossinhos, dentaduras, uma tíbia e certa vez até um crânio... Lá fora um cemitério. Jamais poderei me esquecer das estórias populares, que nos atraíam e amedrontavam, como a da Moça de Branco, com sua trágica história de amor, ou Dona Fulgência, com seu inacreditável sapato alto verde, flores no cabelo, muito batom, cara encarquilhada, gritando sua paixão impossível pelo médico famoso da cidade.      

No que meu Paraíso se parece com o de hoje, cidade grande, moderna, cheia de arranha-céus e que ainda mantém a tradição de ótimas escolas e de um excelente veículo de comunicação, que é o Jornal do Sudoeste? O que restou do passado? Será que ainda há o footing da Praça da Matriz? O Buracão, com as inacreditáveis tabatingas coloridas ainda existe?

Acho que tudo mudou, mas o encantamento permanece. Sempre que chego a Paraíso, é como voltar para casa, mesmo porque temos a honra de pertencermos à Academia Parai-sense de Cultura, como Sócios Correspondentes, onde fomos recebidos com honrarias e grande carinho, o que me uniu ainda mais à minha Cidade mágica. Foi a oficialização de um grande amor clandestino que sempre senti por São Sebastião do Paraíso.

(*)Ely Vieitez Lisboa é escritora.
elyvieitez@uol.com.br