A Rosa reclamou para o Cravo. Daquele jeito não era possível; ele ficava com seu cheiro forte, ao seu lado, mesclando olores adocicados ao seu perfume etéreo. E ele, por amor, humilhou-se, tentando ser quase inodoro. A Rosa não ficou contente. O cravo, com sua postura ereta e elegante, como um caniço verde vivo, aveludado e macio, ficou esconso atrás das hortênsias pomposas. Mas a tirana não achou suficiente. Como a natureza pode lhe dar espinhos, a ela rainha? Por que as incômodas abelhas, as eventuais lagartas? E o tempo, o inimigo terrível! Sua decantada beleza durava tão pouco! Devia ser por culpa do Cravo, que conseguia sobreviver dias, fresco e inalterável... E ele dizia amá-la! Isto era amor?! Egoísta, malévolo, vil! E o Cravo pediu à deusa Flora que concedesse seus dias de vida à Rosa. Ela era a mais bela, merecedora, eterna. Seu pedido foi aceito, mas ele teria sofrimentos atrozes, torturas da raiz às pétalas...Dobrar-se-ia com facilidade, com as brisas da manhã, tingir-se-iam de sangue suas pétalas, ficariam tão delgadas suas folhas, que mal se prenderiam ao caule. Seria relegado ao segundo plano das flores, jamais participando de festas ou dados em buquês, como oferendas de amor um joão-ninguém, um simples arbusto, um dianthus caryophylus. Tudo ele aceitou pela Rosa, cabisbaixo, humilde, amoroso. Mas nem assim a Rosa ficou satisfeita. Pouco depois, anunciou seu casamento com um espalhafatoso Crisântemo Amarelo, que, mesmo sem ser muito nobre, era pomposo e rico, exuberante como um sol.
Só havia algo mais trágico que a sina infeliz do Cravo amoroso: ele jamais percebera uma tímida Violeta, sempre ao seu lado, miúda, mas de perfume inigualável, que seria capaz de morrer por ele.
O mundo das flores é semelhante ao dos seres humanos. Os grandes amores são os jamais realizados e os olhos do amor são cegos e insensíveis, só vendo o acessório e desprezando o essencial. E a pior evidência: não se tem a quem atribuir a culpa por estas insólitas verdades, que se repetem eternamente.
(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora. E-mail: elyvieitez@uol.com.br