A sensei Roselaine Barbosa do Carmo vem buscando fazer do Judô uma ferramenta importante para desenvolvimento educacional dos nossos jovens. À frente do projeto social Kano de Judô, ela entende que, assim como o esporte a ajudou ter foco nos estudos e deu a ela um objetivo na vida, o mesmo poderá fazer para ajudar nossas crianças a trilhar caminhos brilhantes. De origem humilde, Rose é natural de Monte Santo de Minas, filha de Tereza de Fátima e do comerciante José Garcia do Carmo (é a terceira de seis filhos - e fruto de uma gravidez de gêmeos). Hoje, aos 33 anos, um dos seus objetivos é poder trazer para o esporte de Paraíso uma maior inclusão de jovens deficientes e contribuir para essa universalização do esporte no município paraisense.
Jornal do Sudoeste: Como foi a infância em Monte Santo de Minas?
R.B.C.: Meu pai é de uma família muito humilde e vendia algodão doce. Recordo-me que morávamos em uma casa com dois cômodos, todos nesta residência, que tinha um quarto, cozinha e banheiro. Ele viajava muito; vinha para Paraíso e eu vinha junto ajudar vender algodão doce. Desde pequena o ajudei. Quando fiz de oito para nove anos, ele montou uma barraquinha no centro da cidade (em Monte Santo), onde começou a vender brinquedos e foi crescendo aos poucos. Ele também viajava para Mococa e outras cidades vizinhas para vender algodão doce e brinquedinhos. Hoje tem uma loja e sua casa, é algo que ele construiu graças ao trabalho, e tudo isso começou com algodão doce.
Jornal do Sudoeste: Como foi a formação escolar?
R.B.C.: Sempre estudei em escola pública e no começo não gostava muito de estudar, tenho duas irmãs que são muito inteligentes e gostavam bastante. Então, comecei a fazer Judô, mas meu professor me dizia que se eu não estudasse, não poderia competir e, assim, comecei a me dedicar mais aos estudos. Comecei a estudar Educação Física justamente por causa do Judô – tinha 14 anos na época. Estudei porque tinha um objetivo: hoje sou formada em Educação Física, tenho bacharelado em Fisiologia de Treinamento Esportivo e agora estou fazendo outra faculdade, de Pedagogia, mas esta é para me ajudar com as crianças e o projeto que desenvolvo.
Jornal do Sudoeste: Como foi sair de Monte Santo para estudar?
R.B.C.: Foi difícil. Formei-me na Faculdade Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo. Lá eu morei em uma república, por quatro anos. Depois que me formei fiz um teste para o Palmeiras e passei, fui para São Paulo onde treinava no clube. Depois que voltei, prestei concurso em Paraíso e iniciei o projeto Kano de Judô. A fase de faculdade foi uma fase complicada, porque como disse, meus pais eram muito humildes e me ajudavam no que eles podiam, então eu sempre tive que correr atrás para conquistar os meus objetivos. Meus pais tinham outros cinco filhos, como iriam fazer? Então, eu precisava me virar também. A minha sorte é que fui bolsista do ProUni, então não tinha o gasto da faculdade. Quando fui para São Paulo, treinar, lá nós éramos bancados, mas mesmo assim era puxado.
Jornal do Sudoeste: E como foi essa fase no Palmeiras?
R.B.C.: Eu competia. O clube tem vários esportes, não apenas o futebol. Lá tinha a Ginástica Rítmica, o Judô, o Tênis de Mesa. Eu competia bastante, sempre competi. O esporte não é apenas profissão, sempre participei de campeonatos. Hoje, meu foco é Judô, mas já fiz outros esportes, como Jiu-Jítsu, Taekwondo, Futsal, Hande-bol, Natação, mas o que eu mais gosto é o Judô. Fiquei um ano e meio em São Paulo e depois me mudei para Divinolândia, fui participar do Projeto Futura, mas lá sofri uma lesão no joelho e resolvi vir embora porque já não conseguia treinar muito bem.
Jornal do Sudoeste: Depois que chegou começou a trabalhar em Paraíso?
R.B.C.: Sim, prestei concurso e implantei o Projeto Kano em Paraíso, que está completando três anos. A ideia do projeto nasceu quando eu ainda tinha 19 anos, porque quis trabalhar nesta área. Antes de terminar a faculdade eu tinha levado esse projeto para apresentar na prefeitura da minha cidade, apresentei a prefeitura de Cajurú, onde trabalhei por um tempo, mas fui embora e não dei continuidade. Em Monte Santo só deu certo depois que deu certo aqui em Paraíso. O projeto não tinha como foco levar o aluno à competição, mas sim fazer com que esse aluno tivesse um bom desempenho na escola e uma boa formação cidadã. Todavia, como eu amo competir, a consequência é que acabo levando esses alunos para competir também. Neste final de semana, irei com três alunos do projeto para disputar o Sub 9 Paulista, entre eles a Mayara, Ana Flávia e o Caíque. É um campeonato muito importante. De criança com esse título, tem apenas a filha da Denise Cerize, a Elisa, e eu, mas na categoria “adulto”. Com os alunos do projeto, sempre consegui chegar as finais e acredito que este ano há grandes chances de conquistarem medalhas.
Jornal do Sudoeste: São quantos alunos no projeto?
R.B.C.: Temos uma parceria com a Educação, mas do projeto estou com uma média de 150 a 160 alunos, além do trabalho que faço oito escolas do município, que tem uma média de 180 alunos. São crianças que, após terminarem o expediente escolar, não têm muito o que fazer, principalmente os alunos da roça.
Jornal do Sudoeste: Qual a importância do Judô para essa formação cidadã do aluno?
R.B.C.: Eu me coloco muito como exemplo. Eu era uma pessoa que me achava muito inferior as minhas irmãs, que tiravam notas muito melhores que as minhas e eu acreditava que nunca conseguiria também tirar notas boas e, no final das contas, isso me desanimava e eu deixava de estudar. Quando eu entrei no Judô, vi que tudo o que eu queria eu poderia conseguir. O Judô desperta na pessoa a confiança e o autocontrole. Às vezes uma criança não vai bem na escola por falta de confiança e objetivo. Foi o que o Judô fez comigo – me deu um objetivo e às vezes se a criança tiver o foco em algum esporte e ver que precisa melhorar para continuar, ela passa a ter um objetivo e isto se tornar um incentivo.
Jornal do Sudoeste: O esporte também uma forma de combater a criminalidade?
R.B.C.: Sim, inclusive, nesta semana, estou fazendo várias palestras antidrogas com esses alunos, porque as mães acreditam que não, mas hoje uma criança de sete anos está sujeita ao convívio com este tipo de coisa. Infelizmente, crianças nas escolas já tiveram algum tipo de contato, não diretamente, mas já viu outra pessoa usando. O que eu prego muito com meus alunos é uma rotina saudável e um bom desempenho na escola, que é o que eu cobro deles na verdade. A competição é uma consequência.
Jornal do Sudoeste: Você acredita que falta investimento para o Esporte?
R.B.C.: Sim. Na parte social, por exemplo, atendo muito alunos e temos uma fila de espera gigante; se houvesse mais um profissional para ajudar, conseguiríamos ampliar ainda mais esta demanda. Acho que faltam profissionais nessas áreas como Judô, Ginástica Rítmica, Natação, enfim, o que essas crianças têm na escola além do futebol e handebol? Nada e não são todos que se sentem bem praticando esses esportes. Eu, por exemplo, tenho muitos alunos que são gordinhos e falam que os alunos riem deles porque no futebol não conseguem correr e etc, e o Judô é um esporte que abraça todos os biotipos; às vezes esse aluno não quer competir, mas quer só treinar, é justamente isto que eu quero, que ele participe porque o esporte está fazendo bem para ele. Acredito que faltam outros esportes nas escolas porque a criança que não se identifica com aquele esporte que é pregado, acaba ficando excluída da atividade física. Não digo que tem que ter o Judô em todas as escolas, mas às vezes se tivesse uma atividade física diferente todos os alunos estariam incluídos.
Jornal do Sudoeste: Quais campeonatos você já participou e qual você destaca?
R.B.C.: Foram vários, como os Jogos Escolares, mas participo mais de campeonatos em São Paulo, porque em Minas é tudo muito longe e se eu disputar pela Federação Mineira, tenho que ir a BH todo mês participar de campeonatos, mas já tive essa experiência e já fui para o Brasileiro por Minas. Justamente por essa questão logística participo mais de campeonatos paulistas, por ser mais perto. Já participei da Copa São Paulo, campeonato paulista regional, estadual, já participei de ligas e consegui me classificar para o Pan-americano da categoria. Tenho muitas medalhas e nem olho muito para elas, mas tem uma dos jogos escolares que é especial e eu guardo separada: eu perdi para uma menina de Poços de Caldas oito vezes seguida, quando chegou em um campeonato importantíssimo e que valia uma vaga para o Brasileiro Estudantil, eu ganhei dela, na cidade dela e no tatame que ela treinava. A partir deste dia passei a ganhar dessa atleta. O fato de não desistir e me possibilitar essa vitória é algo que me marcou muito. Eu comecei a treinar mais velha, já ela treinava desde pequena, quando eu era faixa branca ela já era faixa roxa.
Jornal do Sudoeste: Qual é a maior dificuldade para você enquanto competidora e profissional?
R.B.C.: Em relação às competições, eu consegui me classificar para competições importantes e por falta de patrocínio não fui. A questão financeira é uma das maiores dificuldades, inclusive, em relação aos meus alunos, a Secretaria de Esporte ajuda como pode, mas muitos já deixaram de participar de competições por falta de dinheiro. Isso é comum. Eu nunca tive patrocínio e sempre competi. Agora, mais velha, eu participo porque gosto muito e porque tenho minha renda, mas não é minha intenção participar de uma Olimpíada e etc.. Mas essas são dificuldades que eu senti quando era mais nova. Recordo-me que uma vez eu passei no teste do Minas, e não tinha dinheiro para comprar a passagem e ir. A vida do atleta, que quer viver do atletismo, é bem complicada. As empresas de Paraíso, por exemplo, costumam patrocinar apenas times coletivos, e às vezes são equipes que não ganham nada, ao passo que as modalidades individuais, que trazem muito mais medalhas que esses esportes coletivos, ficam esquecidas porque essas empresas acham que aquela pessoa sozinha não vai aparecer, mas aparece. A questão financeira é uma questão complica e esses atletas não podem ficar treinando apenas num lugar; tenho vontade de fazer um intercâmbio com esses alunos, mas com faz isso sem recursos?
Jornal do Sudoeste: Você desenvolve um projeto social. Ver essas crianças sem recursos para competir fora te dói?
R.B.C.: Dói muito. O judô é um esporte caro de se competir, porque tem uma inscrição individual, inscrição da entidade para federar a equipe, além da inscrição por campeonato e a federação do aluno. Muitas crianças boas não competem por não ter isso tudo, muitos atletas talentosos estão de fora das competições. Além disso, no Judô é preciso quimono branco e azul, e às vezes nem isso o jovem atleta tem e tem que pedir emprestado. É muito ruim passar por isso; quando viajamos para competir, vejo todas as equipes uniformizadas, ao passo que nem quimono direito esses alunos nossos têm, há crianças que não têm dinheiro nem para comer, isso é triste porque já passei por isso também.
Jornal do Sudoeste: Quais são seus planos?
R.B.C.: Eu quero continuar estudando e também gostaria de desenvolver um projeto envolvendo Educação Inclusiva no esporte em Paraíso, que acho que falta no nosso município. Mas eu preciso de material humano para conseguir fazer isso. É um dos meus objetivos, já que não existe nada parecido dentro da Secretaria de Esporte. Quando morei em São José do Rio Pardo, todo o meu estágio foi trabalhando com a inclusão de crianças deficientes, no esporte. Dei aula para deficientes visuais no judô e em corrida cheguei a ser guia de um. É algo que eu gostaria muito que tivesse aqui em Paraíso; mas preciso me organizar e ver se consigo essa ajuda.
Jornal do Sudoeste: Qual o balanço e como você avalia toda essa trajetória?
R.B.C.: Quando olho para trás, vejo que venci todos os obstáculos e estou conseguindo alcançar meus objetivos. Não tenho nada para me arrepender e tenho muito orgulho, principalmente do meu pai por sempre ter me incentivado. Jamais eu imaginei que poderia chegar onde estou, que hoje estaria trabalhando na Secretaria de Esporte, que estaria ajudando outras crianças assim como fui ajudada. Tenho somente a agradecer. Acredito que de 100 crianças, se eu conseguir ajudar cinco já valeu muito a pena.