ELY VIEITEZ LISBOA

Rótulos

Por: Ely VIeitez Lisboa | Categoria: Cultura | 07-07-2019 19:41 | 1600
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Rotular pessoas, maneiras de agir, de pensar é imbecilidade, é visão curta. Já se disse que quem julga os outros é Deus ou as crianças. Biblicamente há citações antológicas como em Mateus, 7,3 e/ou no Sermão da Montanha (Lucas, 41) quando Jesus denuncia o erro de nossos julgamentos em relação ao próximo. Interessante notar também a dubiedade da tradução bíblica desse episódio: Mateus cita "a palha" que se vê no olho do próximo; Lucas usa o termo "argueiro".

Rotular é um lapso, uma fraqueza, um escorregão de quem se julga perfeito. Seria utópico imaginar um mundo com a lucidez de Voltaire, filósofo francês do século XVIII (1694/1778). São suas as palavras famosas: "Não concordo com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de o dizeres". Para o autor de Cândido, a liberdade é essencial. Tudo que a tolhe é sinônimo de morte, de aberração, é algo teratológico.

Eça de Queirós criticava o vezo dos portugueses do julgamento superficial, descuidado. Ora, quem julga ou rotula não pensa bem na possibilidade de uma assertiva errada. Há pessoas mesquinhas que tentam impor suas máximas ingênuas, imaturas, criticam posicionamentos e ideologias, criam preceitos morais que são como panos em loja, enrolados em peças, que ninguém veste. Vende-os, passa-os para frente, arrota como se verdades fossem: homem é assim; mulher age desse modo; os adolescentes, os jovens, os velhos. Para tudo o grande juiz tem um julgamento pronto, uma frase feita, massificando os seres humanos como se fossem um rebanho idêntico, em um aprisco bizarro. O melhor exemplo de pessoas que usam antolhos são os fanáticos. Eles são o próprio destempero, imaturos, têm visão turva e uma total falta de sanidade.

Ao tecer estas considerações, incorrer-se-á, possivelmente, em erro. Não se pode criticar regras lançando mãos de outras. Ao certo, todavia, evitaremos cair na tentação de afirmar que se conhece bem o ser humano, esta metamorfose ambulante, expressão do saudoso Raul Seixas. Não seremos pais e mães ingênuos que ainda ousam afirmar que conhecem os filhos como a palma da mão. Ninguém conhece ninguém. Há porões esconsos, becos escuros, na alma de todo ser humano, da infância à velhice. Quem não acredita nisso, vá ler Freud.

A afirmação que a palavra é prata, o silêncio ouro, é sabedoria milenar. É preciso que nas bocas sejam colocados sinais de atenção, perigo, a fim de evitar que palavras levianas, rótulos imprudentes libertem-se com descuido. Palavras mal ditas podem se transformar em malditas. E elas, soltas, são como plumas ao vento. Não regressam. Não se corrigem. Não podem ser substituídas. Muitas vezes deixam cicatrizes indeléveis, queimam e matam.

Sempre se afirma que ser adulto é arcar com as próprias responsabilidades. Ser maduro, inteligente e perspicaz é trazer na boca um alarme seguro. Cuidar para que pretensas verdades não violentem nossos ouvidos. Mas, principalmente, para que não se incorra no perigo de fazer afirmações tolas e ridículas. Caso contrário, como comprovar a propalada racionalidade humana? Vamos pensar um pouco nisto, depois da malfadada campanha política, com a enxurrada de desacatos, denúncias, tudo às vezes dito levianamente, sem prova concreta alguma. E as malditas Fakes News? Felizmente tudo vai aparentemente serenando, até que possamos ver os resultados reais. Só resta esperarmos pelo desenrolar do mandato do novo Presidente, que terá, como todo ser humano, erros e acertos. Que Deus nos ajude e também a ele, que enfrentará um Décimo Terceiro Trabalho de Hércules.

(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora.
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