ELY VIEITEZ LISBOA

O moço

Por: Ely VIeitez Lisboa | Categoria: Cultura | 21-07-2019 19:16 | 1732
Foto: Reprodução

Ninguém sabia de onde ele viera. Foi naquela noite estranha que ele apareceu lá no pátio, sorrindo, com seus doces olhos azuis. Não explicou nada, não respondeu às perguntas feitas. Dizem que as grandes flores leitosas das magnólias esparziam mais perfume quando ele passava sob as copas frondosas e bebia água da chuva cristalina nas verdes folhas lisas.

Veio e ficou. A aldeia acabou acostumando-se a ele, davam-lhe peixe cozido, frutas frescas. Ele sorria, agradecendo. Estava sempre rodeado de crianças. Sua voz atraía os pequeninos e os animais. Andava mansamente, como se os pés pairassem sobre o chão.

De onde ele veio, mãe? Quem é?

Gina perguntava e enrubescia. Não conseguia sofrear o coração, a saltar-lhe pela boca. Sentia um suorzinho porejando-lhe a face, quando falava no Moço. Nunca conversaram. Até aquela manhã.

Gina, descalça, os cabelos cor de trigo espalhados pelos ombros, saia curta, mal cobrindo as belas pernas, corria à beira do rio, brincando. Às vezes abaixava-se, leveza de garça, pegava pequenos seixos e os jogava na água. De repente ela o viu, de olhos perdidos no horizonte, as mãos alvas abandonadas na grama úmida. Ela parou atônita e ele a fitou com doçura.

Você veio. Eu a esperava...

Duas inacreditáveis borboletas azuis, da cor dos olhos dele e dela, voejaram entre os dois, pousando nas florinhas brancas. Ela sentou-se, deram-se as mãos e ficaram ali, embebidos um no outro, com destino selado.

Duas semanas depois, ela se vestia de noiva, com flores campestres nos cabelos. Ele também estava de branco. Esperava-a lá no grande carvalho, quando o chefe da aldeia os casaria. Ela veio vindo, sentindo a terra morna sob os pés nus, tentando não morrer de felicidade.

Nem sentiu a picada. A serpente pequenina sumiu na grama. Gina ficou tonta, pesaram-lhe as pernas, ela tombou docemente como um arbusto.

O Moço desesperou-se. As lágrimas jamais secaram em seus olhos. Sofreu tanto, que a Morte lhe devolveu Gina. Ele deveria ir buscá-la na Gruta Maior, à noite, as estrelas como cúmplices.

Lá estava Gina, pálida, mais bela do que nunca. Ele olhou-a, beijou-lhe docemente os lábios e pediu-lhe que o seguisse. Sabia no coração que não poderia olhar para trás. Esse era o preço. Caminhavam os dois, vagarosamente, para a luz.

Quando saíam, o Moço teve medo. E se Gina não o estivesse seguindo? E se a vida mentira, era só quimera, perda, sofrimento? E se ele estivesse sonhando e nada fosse real? Virou-se lentamente. Seus olhos ainda viram Gina, que se esvaiu no ar.

O que ninguém, viu, aconteceu na saída da gruta. O Moço saiu, olhou para as estrelas e estremeceu. Esfumou-se no ar antes que o destino impedisse. A duas auras se uniram, espirais de aroma, mesclaram-se, impregnaram o ambiente e foram perfumar as rosas vermelhas, que recenderam para sempre.

(*) Ely Vieitez Lisboa é escritora.
E-mail: elyvieitez@uol.com.br