No texto de hoje, voltamos a falar sobre o discurso. Anteriormente, já apontamos como surgiu a Análise do Discurso de linha francesa, habitualmente chamada de AD. Neste texto, buscaremos compreender um pouco mais sobre o que é o discurso, conforme pensado pela teoria da AD.
Para AD, o discurso não é a língua, mas é nela que ganha materialidade. Isso significa que a língua compõe o discurso, porque possibilita que ele se materialize, ou seja, a língua é o que dá forma ao discurso. Contudo, para compreendermos o discurso, precisamos ir além das palavras, observando, por exemplo, o momento em que cada dito é proferido, em que sociedade aconteceu e, ainda, quem são os sujeitos envolvidos naquilo. Por isso, dizemos que o discurso implica uma exterioridade à língua, é apreendido no social e sua natureza não é unicamente linguística. Entender o discurso é exercitar nossa capacidade de percepção do que há além das palavras, isto é, como aquelas produzem sentido.
Costumamos observar, quando analisamos discurso, como o dito em análise estabelece relações com outros à sua volta. O conjunto de dizeres sobre algo vai se misturando socialmente e acaba por constituir as verdades nas quais acreditamos a cada época. Olhando nossa sociedade atual poderíamos elencar várias verdades nas quais temos acreditado. A título de exemplo, pensemos no discurso sobre o envelhecimento.
Os sujeitos contemporâneos acreditam que o envelhecimento deve ser combatido, pode ser retardado, ou ainda, que envelhecer não é bom. Para os analistas do discurso, tal verdade sobre o envelhecimento vem sendo construída há bastante tempo, numa série de ditos de diversas áreas do saber que, ao propagarem suas descobertas e estudos, foram construindo na sociedade o ideal do não envelhecimento. Além disso, a partir dos dizeres que crucificam o envelhecimento, estabelecem-se diversas práticas sociais que vão colaborando ainda mais para que o desejo pela “juventude eterna” seja insistentemente perseguido pelos sujeitos: hoje temos um boom de procedimentos estéticos e de cirurgias plásticas à disposição daqueles que resolveram acreditar no discurso de que envelhecer é muito, muito ruim.
No texto Das inquietações do discurso I, dissemos que o discurso norteia nossa olhar e isso, de fato, ocorre. Por meio das verdades construídas pelo discurso, nosso olhar vai sendo direcionado. No caso do envelhecimento, direcionamos nosso olhar para o menor sinal dele, alguns entram em pânico ao perceber as primeiras rugas e deixam de encará-lo como um processo natural, afinal, não há como impedirmos, definitivamente, a decrepitude de nossos corpos, ao passar da idade.
Nisso tudo, cabe ao analista do discurso questionar os dizeres. Para isso, ele faz um trabalho minucioso de pesquisa, investigando e elencando, ao longo da história, os ditos que, juntos, colaboraram para que nós, hoje, acreditássemos que envelhecer é indesejável e muito ruim. Isso quer dizer que o analista recupera enunciados históricos, de variadas áreas do saber, que se ligam por produzirem sentidos próximos ou parecidos, porque esses foram reforçando a verdade na qual acreditamos hoje, sobre o envelhecimento de nosso corpo.
Michel Foucault, um dos mais importantes filósofos franceses do século XX, questionava “o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente?”. Talvez o perigo esteja naquilo que o discurso nos faz acreditar. Por isso mesmo, os analistas do discurso estão sempre prontos a fazer suas ponderações sobre os ditos que vê circular socialmente, afinal, todo discurso traz sempre inquietações!
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MICHELLE APARECIDA PEREIRA LOPES: Doutora em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos e pesquisadora da constituição discursiva do corpo feminino ao longo da história. É docente e coordenadora do curso de Letras da Universidade do Estado de Minas Gerais - Unidade de Passos.