Não teve quem não ficasse feliz com a primeira vitória de Charles Leclerc na Fórmula 1, no último domingo, na Bélgica. Primeiro porque se trata de uma nova estrela que vem sendo lapidada para brilhar nas pistas. Já está brilhando. Segundo porque a vitória já tinha batido duas vezes na trave e na Bélgica o jovem monegasco se impôs de tal modo sobre Sebastian Vettel ao ponto de fazer com que a Ferrari, que sempre prioriza o primeiro piloto da equipe, invertesse os papéis e sacrificasse a estratégia de Vettel para proteger a liderança de Leclerc. E terceiro pelo luto e a dor da perda de um grande amigo de infância, Anthoine Hubert, na tarde do sábado na corrida de F2.
Hubert, um ano mais velho que Leclerc, morreu aos 22 anos num terrível acidente na mesma pista de Spa-Francorchamps quando bateu ao desviar de um carro e acabou acertado violentamente na posição T, por outro colega de profissão, Juan Manuel Correa, que diga-se, não teve nenhuma culpa pelo acidente. Hubert vinha sendo formado pela academia de pilotos da Renault e com um futuro promissor pela frente.
Por mais que a gente saiba que automobilismo é esporte de risco, parece que nunca estamos preparados quando nos deparamos com a fatalidade nas pistas. O esporte a motor ficou impotente com o anúncio da morte do jovem francês. E é nessas horas que vemos o quanto os pilotos de corrida são pessoas diferenciadas.
Leclerc era um dos mais abalados com a perda do amigo, precisando ser amparado pelo chefe da Ferrari durante o minuto de silêncio em homenagem a Hubert, mas quando entrou no carro e baixou a viseira do capacete, foi como se tivesse apertado o botão “desliga” e entrado num outro mundo. Fez uma corrida irretocável e venceu o GP da Bélgica, dedicando a vitória ao amigo.
Isso me fez lembrar os irmãos Michael e Ralf Schumacher que disputaram o GP de San Marino de 2003 duas horas depois de saberem da morte de sua mãe, Elisabeth. Michael venceu a corrida e Ralf terminou em 4º. No pódio, o então heptacampeão foi às lágrimas e disse que eles decidiram correr porque tinham certeza de que “ela (dona Elisabeth) gostaria que a gente corresse”.
Não que os pilotos não tenham sentimento, eles têm, mas são acima de tudo mentalmente fortes para entrar num carro e pilotar com precisão num momento trágico. O próprio Leclerc venceu uma corrida de F2 na semana em que perdeu o pai que ele tinha como ídolo.
A vitória de Leclerc trouxe alguns números interessantes para as estatísticas da Fórmula 1. Foi o 108º vencedor de corridas; tornou-se o terceiro piloto mais jovem a vencer na categoria aos 21 anos e 11 meses, e o mais jovem a vencer com a Ferrari. Foi a primeira vitória de um monegasco, e Mônaco passou a ser o 23º país na lista dos que somam vitórias na categoria.
A Fórmula 1 está na Itália, e não poderia chegar a Monza em melhor hora para despertar o entusiasmo dos torcedores ferraristas, vindo de uma vitória da Ferrari na semana em que a marca do “cavalinho empinado” completou 100 anos de fundação. E se a Mercedes sofreu para acompanhar as Ferrari nas retas de Spa-Francorchamps - principalmente nos treinos - os problemas tendem a ser maiores nos 5.793 metros da pista de Monza, constituído em sua maior parte por longas e velozes retas. “Se você me oferecesse um 2º e um 3º lugares em Spa, eu aceitaria por saber que o nosso conjunto é inferior ao da Ferrari em velocidade de reta”, falou o chefe da Mercedes, Toto Wolff. E Lewis Hamilton teme que a Ferrari seja cerca de um segundo por volta mais veloz que a Mercedes.
Este será o 70º GP da Itália que apenas uma vez, em 1980, foi disputado em Ímola porque Monza estava em reformas. A mais antiga prova da Fórmula 1 estava ameaçada de sair do calendário, mas um novo acordo que garante o GP até 2024 foi assinado nesta semana para alívio dos fãs da Ferrari e da própria Fórmula 1.