Vanilda de Lourdes Martins Guiraldelli ama estar na cozinha e, desde muito pequena, alimentou o sonho de ser professora, mas o destino a levou a outros caminhos. Na infância aprendeu a cozinhar com a mãe, uma comida simples, feita em fogão à lenha, que acabou se tornando um sonho que hoje, ao lado do marido, Alexandre Guiraldelli, e dos filho, João Arthur, de 20 anos, e o José Rodolfo, 16, se tornou realidade: o restaurante que recorda a ela toda esta fase da juventude: o Restaurante Avenida, antigo Bar e Restaurante do Zé Dias, em Paraíso. Filha de Sebastião José Martins e Maria de Lourdes Martins (em memória), Vanilda passou boa parte da vida se mudando, até se estabelecer em São Tomás de Aquino, onde conheceu seu marido, e depois veio para Paraíso, onde criou raízes. Ela recebe a reportagem do Jornal do Sudoeste para contar um pouco dessa trajetória e rememora com carinho os tempos de roça e comida feita no fogão à lenha, principal atrativo do seu restaurante.
Jornal do Sudoeste: Você morou em diversos lugares. Como foi essa fase?
V.L.M.G.: Sim, morei em vários lugares. Minha família é da região do Carmo do Rio Claro, de onde meu pai saiu depois de casado. Morei muitos anos em São Tomás de Aquino, onde conheci meu marido. Mas grande parte das minhas lembranças são de quando eu tinha nove anos de idade, na época em que morei em Itirapuã, que foi quando eu peguei gosto pela cozinha. Foi uma fase de muitas mudanças. Lembro-me de ter estudado em diversas escolas, o que não é fácil, e de em um único ano ter mudado de escola pelo menos três vezes. Fiz o magistério em São Tomás de Aquino, que foi uma das últimas turmas, e Pedagogia aos 36 anos. Trabalhei um tempo na área. Não me formei antes porque me casei e queria me dedicar-me à família. Quando tive meu primeiro filho, ele teve alguns problemas sérios de saúde, então optei por não trabalhar e me dedicar a ele.
Jornal do Sudoeste: Depois desse tempo dedicando à família, você decidiu voltar a trabalhar?
V.L.M.G.: Sim. Todavia, não fui para o magistério, eu tenho outro dom – que é costurar -, abri uma confecção. Mas nessa época, meu menino adoeceu, então decidi não voltar a trabalhar enquanto meus filhos não crescessem e se tornassem mais independentes. Nessa época meu marido viajava muito, e eu ficava muito sozinha com as crianças, então para mim era muito difícil. Depois disto, decidi fazer faculdade, como tinha experiência na área, formamos uma turma e completei essa formação à distância. Era mais prático. Trabalhei por um tempo, mas quando eu comecei a construir uma carreira um pouco mais sólida na escola, meu pai adoeceu, então ele foi morar comigo para que eu cuidasse dele. Não tive cabeça para as duas coisas e optei por cuidar dele.
Jornal do Sudoeste: Era um sonho ser professora?
V.L.M.G.: Sim, desde criança sonhava em ser professora, mas a vida nos direciona e Deus vai nos proporcionando novos caminhos. Não consegui conciliar essa carreira com a minha vida, primeiro por causa dos filhos pequenos, depois por causa do meu pai. Hoje eu vejo que não era para eu ser professora. Sou assim: gosto de me dedicar em por cento ao que faço, e não conseguiria conciliar a carreira profissional com a carreira de mãe, e agora não consegui com meu pai. Escola é algo que gosto muito, e que precisa de muita dedicação. Com meu pai doente, não pude continuar, cuidei dele sozinha quase quatro anos, mas tive um problema de saúde e precisei arrumar um cuidador. Então penso que não era para eu ser professora, afinal.
Jornal do Sudoeste: Como surgiu esse amor pela cozinha?
V.L.M.G.: Com dez anos eu fui morar em Itirapuã, para estudar. Meu pai continuou morando na fazenda, era uma forma de ficar mais fácil para a gente e ele não precisar ficar buscando e nos levando até a cidade, naquele tempo as estradas eram muito ruins. No fim de semana eu ia para a roça e ficava na cozinha, ajudando minha mãe. Fazíamos desde frango caipira a quitandas. Lembro-me que deixava as latas de alumínio da minha mãe cheias de quitanda e voltava para a cidade. Minha mãe fazia uma comida muito simples, mas há coisas que não dá para esquecer, era uma comida de roça, feita no fogão à lenha.
Jornal do Sudoeste: Fale sobre sua família.
V.L.M.G.: Tenho sete irmãos. A idade entre nós é muito próxima. É uma família grande, sem contar os primos que iam para minha casa. Eu lembro que naquela época, quando tinha Carnaval, lotava. Talvez seja por isso que eu tenha começado a ir para cozinha ajudar minha mãe, com certeza, porque eu estava sempre por perto. A minha casa hoje também é bem movimentada, tenho meus sobrinhos que gostam muito de me visitar, eu ainda tenho dois adolescentes.
Jornal do Sudoeste: Qual a lembrança mais marcante você tem dessa época
V.L.M.G.: Recordo-me que aos 12 anos minha casa era bem cheia na época do carnaval, que era um carnaval bem animado. E tenho também lembranças da fazenda do meu avô, onde meu pai morou a vida inteira e eu ia para lá passar às férias. É uma lembrança muito boa da casa da minha avó, Francisca de Paula, que nos esperava com os biscoitinhos, e do meu avô, o Francisco José, que era muito lindo, baixinho e olho claro, já minha avó era bem alta, acho que foi para ela que meus filhos puxaram. São essas as lembranças mais marcan-tes. De Itirapuã me mudei para São Tomás de Aquino, onde conheci meu marido e passei boa parte da minha vida.
Jornal do Sudoeste: Por que decidiram vir para Paraíso?
V.L.M.G.: Era algo que eu sempre quis, principalmente quando me casei. Eu morava em São Tomás, mas tudo era em Paraíso e tinha essa vontade de vir para cá. Fiz o magistério em São Tomás, mas quando me casei tive vontade de me mudar, na época não deu certo, meu marido já trabalhava com política, então adiamos essa mudança. Eu amo Paraíso, tenho paixão por essa terra e cada vez gosto mais.
Jornal do Sudoeste: Depois que se formou em pedagogia, trabalhou por quanto tempo na área?
V.L.M.G.: Acho que por uns cinco anos, depois tive que “parar”, mas não foi por opção, senão estaria dando aula até hoje. Ademais, sempre estive em atividade. Eu fazia quitandas para vender e cheguei até a abrir micro-empresa para realizar essas vendas. Depois abrimos o Restaurante Avenida.
Jornal do Sudoeste: O que te motivou a abrir o Restaurante Avenida?
V.L.M.G.: Fazendo minhas quitandas, tinha aberto firma, tinha bons fregueses. Meu sogro tem restaurante há 22 anos em São Tomás, ele o meu marido me incentivaram abrir um restaurante também. Havia a questão de alugar um espaço, comprar móveis, ter capital de giro, mas nunca saiu da minha cabeça essa possibilidade. Surgiu, então, a oportunidade. Recebi a notícia de que o Restaurante Zé Dias tinha fechado. Meu pai estava melhor, meus filhos também querendo trabalhar. Começamos, e estou amando isso aqui.
Jornal do Sudoeste: Como é esse sentimento de acender o fogão de lenha?
V.L.M.G.: Eu volto à minha infância. Quando abri, eu sou muito amiga da Regina Arantes – nós fomos criadas juntas e nossa infância foi ao redor do fogão à lenha –, a primeira coisa que fiz foi mandar uma foto para ela e perguntar o que a lembrava. Há toda essa recordação. Quando meus familiares vieram aqui, disseram que era uma cozinha de vó. Sinto um prazer muito grande, de poder trabalhar com meus filhos – sou apaixonada neles e sou muito coruja mesmo.
Jornal do Sudoeste: Panelas ou crianças?
V.L.M.G.: Eu prefiro lidar com as panelas, queimo meus dedinhos de vez em quando, mas ainda prefiro isso. O sistema educacional está muito difícil. Quando eu sonhava em ser professora, eu me espelhava na professora que eu tinha, mas os meus alunos não eram alunos como eu fui. Foi difícil, e um pouco decepcionante ir para a sala de aula. Apesar das dificuldades e de ter sido decepcionante, eu me apegava muito aos meus alunos, vivia um pouco da vida deles, mas o sistema é difícil. Tenho amigas que deixaram também de ser professoras dada a dificuldade que é a sala de aula. Hoje o professor não pode nada, é cobrado infinitamente, e o mesmo não acontece com os pais e os alunos, principalmente este último que tem que vir de casa com uma boa base familiar. A família está muito em falta na vida desses alunos, e o sistema também não ajuda muito. Para ser sincera, hoje me sinto mais realizada com a minhas panelas.
Jornal do Sudoeste: Falando em família, o que ela significa para você?
V.L.M.G.: Significa tudo para mim. Meu pai foi um exemplo para mim, criou sete filhos e, mesmo a gente não sendo uma família carente, também não tínhamos tudo, mas ele fazia o que podia para nos dar do bom e do melhor, e entendo que foi difícil para ele. Também sou apaixonada pelos meus irmãos e pelas pessoas que eles se tornaram. Somos muito unidos. Família é tudo, é união, é a base.
Jornal do Sudoeste: Qual foi o momento mais difícil nesses 49 anos?
V.L.M.G.: Eu acho que quando meu primeiro filho nasceu e ele passou por alguns problemas de saúde, eu era mãe de primeira viagem, e tive que cuidar de tudo praticamente sozinha. Também tivemos perdas, perdi um sobrinho de 21 anos, a minha mãe, e outro sobrinho de 12 anos. Foram perdas, mas sempre nos levantando e seguindo em frente. Acho que tiro essa energia de Deus, eu tenho muita fé; sou católica, mas independente de religião, eu tenho muita fé e acredito, e ensino isso aos meus filhos, nossa vontade aqui não prevalece, por isso eu aceito fácil as coisas, inclusive os problemas. A minha força vem de Deus.
Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz dessa caminhada?
V.L.M.G.: Muita luta, muita fé e uma dedicação muito grande a tudo. Desde que me entendo por gente, sempre tudo foi muito difícil: para estudar, para sobreviver como uma mulher que não pôde estudar tudo o que queria – e quando quis na época era mais difícil, mas foi uma vida boa. Hoje eu sou uma pessoa realizada, satisfeita com meu casamento, meus filhos, com a minha vida. Eu vivo muito bem, é isso o que todo mundo almeja. Não precisa ter milhões, precisa ter paz. Dediquei-me a ser uma boa filha, e busco ser uma boa mãe e esposa. Hoje estou realizada, com a minha família e com tudo o que construí.